Para investidores, o que importa é preservar Temer

Publicado em Economia

Apesar das boas notícias vindas do Banco Central, que admitiu, tardiamente, a possibilidade de acelerar os cortes da taxa básica de juros (Selic), o Palácio do Planalto teme que o fantasma Odebrecht possa azedar o humor dos investidores. Se o presidente Michel Temer conseguiu, nesse primeiro momento, sair ileso do depoimento de Marcelo Odebrecht ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já que o empresário não o associou a qualquer pedido de caixa dois para financiamento de campanhas, os riscos de o governo ser solapado pelas delações de executivos da construtora continuam latentes.

 

A maior preocupação dos donos do dinheiro é que denúncias concretas contra Temer reduzam a força dele no Congresso, inviabilizando a aprovação de reformas importantes, como a da Previdência Social e a trabalhista. A aposta dos investidores em uma vitória do governo é pesada. Muitos acreditam que o projeto que propõe mudanças no sistema previdenciário será aprovado até o fim deste mês na Comissão Especial da Câmara, seguindo para avaliação, em dois turnos, no plenário. Qualquer ruído nesse cronograma será precificado pelo mercado e pode reverter o otimismo com o qual o Planalto tanto conta para a retomada da economia. Temer fala em crescimento superior a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018.

 

Entre os investidores, pouco importa se Temer decidiu sacrificar seu amigo e ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, que está encrencado até o pescoço com as delações da Odebrecht. Afastado do governo por questão de saúde, Padilha já é tratado como ex-ministro por muitos aliados do presidente da República. O sinal mais forte disso, dizem assessores de Temer, foi o fato de o chefe da Casa Civil ter sido jogado no centro da Operação Lava-Jato pelo primeiro amigo do presidente, José Yunes. Ele disse ter sido “mula de Padilha”, ao receber um envelope em seu escritório entregue por Lúcio Funaro, que está preso. O pacote estaria recheado de parte dos R$ 10 milhões repassados pela Odebrecht ao PMDB.

 

“A movimentação de Yunes teve o claro intuito de livrar Temer de qualquer acusação”, diz um integrante do Planalto. “Não há como imaginar uma pessoa tão próxima do presidente — eles são amigos há 50 anos — fazendo uma denúncia tão grave contra um ministro com tanta força dentro do governo”, reforça. A avaliação é a de que é melhor sacrificar Padilha do que correr o risco de enfraquecer o presidente. “Caso o ministro seja afastado definitivamente, o governo perderá uma peça muito importante, pois é a pessoa que melhor se relaciona com o Congresso. Mas não será o fim”, complementa o assessor.

 

Fim da anomalia

 

Economista-chefe da gestora de recursos Quantitas, Ivo Chermont se diz otimista. “O risco político existe, mas, se nada chegar a Temer, não haverá problemas. O presidente precisa se manter forte para levar adiante as reformas. É isso que os investidores querem”, ressalta. As mudanças no sistema previdenciário são tão importantes, destaca Chermont, que o Banco Central condiciona a aprovação delas para que o Brasil possa conviver com juros reais estruturais muito mais baixos. As taxas, que descontam a inflação, podem chegar a 3,5%, corrigindo uma anomalia que tanto prejudica o crescimento do país.

 

A projeção do economista da Quantitas é de que, com a inflação em queda e sem estresse envolvendo Temer, o BC pisará mais forte no corte da taxa básica de juros (Selic) na reunião de abril do Comitê de Política Monetária (Copom). A redução poderá ser de um ponto percentual, de 12,25% para 11,25%. “A minha aposta é de que a Selic fechará 2017 em 8,25%. Para isso, contundo, é preciso que o quadro político se mantenha dentro do previsto e as reformas sejam aprovadas”, ressalta. Pelos cálculos dele, a inflação deste ano ficará em 4%, nível que não se vê desde 2009.

 

Para Márcio Fontes, sócio da Itaim Asset, o BC está focado em dar estímulos extras à economia, que enfrenta a maior recessão da história. Na opinião dele, enquanto a política permitir e as reformas avançarem, a autoridade monetária se sentirá confortável para acelerar no processo de diminuição dos juros. “Se compararmos o momento atual da economia com o observado no primeiro trimestre de 2009, quando o Brasil sentiu o baque do estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, vivemos uma situação muito mais difícil agora. Naquele período, a Selic caiu 3,75 pontos percentuais. Então, há espaço de sobra para o BC apressar os passos na redução dos juros”, afirma.

 

Fontes destaca ainda que nem mesmo um possível estresse provocado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ou pelo Federal Reserve (Fed), o BC norte-americano, será suficiente para impedir o BC de levar adiante a queda da Selic. Por uma simples razão: a inflação está caindo mais rápido do que se imaginava e a economia demorando mais tempo para reagir. É o quadro clássico em que os bancos centrais precisam ser mais ousados para evitar que a população arque com uma fatura maior. Não se pode esquecer de que o exército de 13 milhões de desempregados só começará a ser revertido quando a indústria voltar a produzir e o comércio, a vender. Por enquanto, infelizmente, isso é mais desejo do que realidade.

 

Brasília, 06h30min