O buraco é muito mais embaixo

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A herança maldita deixada pela presidente afastada, Dilma Rousseff, está longe de mostrar seu tamanho real. Em apenas dois dias do governo de Michel Temer já foi possível ver que o rombo das contas públicas será muito maior do que o estimado. Antes da abertura do processo de impeachment pelo Senado, a petista havia mandado um projeto ao Congresso para mudar a meta fiscal deste ano de superavit de R$ 24 bilhões para deficit de R$ 96,6 bilhões. Agora, se sabe que tal estimativa se tornou otimista. Não será surpresa se faltarem mais de R$ 150 bilhões para fechar as contas.

 

Dar transparência aos números é uma obrigação do governo. Nos últimos anos, foi justamente o descaso em prestar contas à sociedade que permitiu ao Ministério da Fazenda recorrer a maquiagens e a pedaladas fiscais que resultaram no processo de afastamento de Dilma. Meirelles não pode incorrer no mesmo erro. Ele deve evitar informações seletivas, para poucos, como se tornou rotina no governo passado. Tanto com Guido Mantega quanto com Nelson Barbosa no comando do ministério, a política era de liberar dados apenas àqueles que fizessem parte do que classificavam de o “lado do bem”.

 

A austeridade fiscal não pode ficar restrita às palavras de Meirelles. Há o risco de que se repita o que se viu com Joaquim Levy, que desembarcou na Fazenda como todo-poderoso, mas, aos poucos, foi sendo esvaziado e, de tão humilhado, foi obrigado a pedir demissão. Temer prometeu dar todo o respaldo possível para que seu ministro corte gastos e apresente um programa fiscal consistente de longo prazo para conter a explosão do endividamento público. Para isso, porém, também terá que assumir publicamente a defesa do equilíbrio das contas, a despeito do desgaste político que o assunto provoca.

 

Dilma, infelizmente, nunca acreditou na importância do ajuste fiscal para a manutenção da estabilidade econômica. Para ela, falar em deficit fiscal zero era “rudimentar”. Na visão da petista, o melhor que o governo tinha a fazer era gastar. Era a forma de estimular a atividade. O resultado está aí: uma combinação perversa de recessão, inflação e desemprego. Apenas entre 2014 e 2015, o rombo fiscal do governo, sem incluir os gastos com juros, foi de R$ 144 bilhões. Quando incluídos os encargos com a dívida, apenas no ano passado o buraco alcançou inacreditáveis 10% do Produto Interno Bruto (PIB).

 

BC aperta fiscalização

 

A preocupação de Meirelles, contudo, deve ir além do setor público. Assim como o governo está quebrado, com um rombo que não se pode estimar de imediato por causa do excesso de manobras contábeis, o setor privado também enfrenta sérias dificuldades. Na era PT, houve um forte estímulo ao endividamento no país e no exterior. Com a recessão e a brutal queda do faturamento, grandes e médias companhias já não conseguem honrar seus compromissos em dia. A situação se agravou com o fortalecimento do dólar ante a desconfiança em relação ao governo.

 

O risco de quebradeira é enorme. Pode prejudicar a já combalida economia real. Para se ter uma ideia do tamanho do problema, somente os cinco maiores bancos do país — Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander — gastaram R$ 26,8 bilhões no primeiro trimestre do ano em provisões para calote. O valor é 30% maior que o observado no mesmo período de 2015. Mantido esse ritmo, as instituições, que hoje estão sólidas, poderão ter problemas a partir de 2017. Não por acaso, o Banco Central intensificou as fiscalizações no sistema financeiro. Não quer ser surpreendido.

 

Diante desse quadro, técnicos graduados do governo consideram otimistas demais as estimativas que começam a surgir para o crescimento do PIB no ano que vem. Há bancos e consultorias aventando a possibilidade de a economia dar um salto de até 2%, dada à disposição do governo Temer de enfrentar os problemas que afligem o país. A correção, porém, vai demorar. Governo, famílias e empresas demandarão tempo para limpar o Orçamento. Tornar-se solvente requer disciplina, justamente o que faltou nos últimos anos, quando prevaleceu a farra dos gastos e do consumo.

 

Velhas receitas

 

Com o país quebrado, o governo Temer optou por velhas receitas, como o aumento de impostos, para tentar retomar o controle da situação. Vai ser bombardeado por aliados de peso, como o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, que fez uma pesada campanha contra a recriação da CPMF. Meirelles diz que todos devem dar sua cota de sacrifício. Os trabalhadores, como se sabe, já foram convocados a bancar parte da fatura. Caso a reforma da Previdência realmente saia do papel, terão que adiar por um bom período a aposentadoria.

 

O Palácio do Planalto acredita que pode compensar os donos do dinheiro mais à frente, se o Banco Central conseguir reduzir a taxa básica de juros (Selic), que está em 14,25% ao ano. O discurso é o de que, se, com Guido Mantega na Fazenda, Arno Augustin no Tesouro Nacional e Dilma Rousseff no comando do país, o BC chegou a reduzir os juros abaixo de 10%, certamente será possível derrubar a Selic fazendo um programa fiscal consistente.

 

Olhando para esse quadro, é muito difícil ser otimista no Brasil de hoje. Mas não dá para jogar a toalha. O país tem potencial. Só precisa de um bom governo, que realmente esteja comprometido com o bem de todos, e não de um grupelho que acredita que ainda vivemos nos tempos das capitanias hereditárias.

 

Brasília, 08h30min