Coluna no Correio: A implosão do ajuste fiscal

Publicado em Economia

Desde outubro passado, a taxa básica de juros (Selic) caiu cinco pontos percentuais, de 14,25% para 9,25% ao ano. Em tese, esse alívio na política monetária deveria estar dando uma importante folga ao caixa do Tesouro Nacional, pois juros em baixa significam despesas menores com a dívida pública. Não é isso, porém, o que se está vendo. Dados do Banco Central indicam que, em vez de recuarem, os gastos com juros estão aumentando. De janeiro a junho deste ano, a dívida pública custou R$ 206,6 bilhões, 19,2% a mais que no mesmo período de 2016.

 

A explicação é simples — e assustadora. Os juros estão incidindo sobre uma base maior da dívida pública. Somente nos primeiros seis meses do ano, o endividamento líquido, que desconta todos os créditos que o governo tem a receber mais as reservas internacionais do país, saltou de R$ 2,9 trilhões para R$ 3,1 trilhões. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), a dívida líquida passou, no mesmo período, de 46,2% para 48,7% e atingiu, em julho, 50%, segundo cálculos preliminares do BC. Ou seja, o descontrole dos gastos do governo está sendo financiado com mais endividamento.

 

O mesmo BC mostra que, quando o parâmetro passa a ser a dívida bruta, usada como referência pelos organismos internacionais, o quadro se torna ainda mais alarmante. O endividamento totaliza R$ 4,8 trilhões, o equivalente a 73,1% do PIB, nível comparável ao de países em grave crise fiscal. Em dezembro do ano passado, essa relação era de 69,9%. É certo, pelos cálculos do BC, que a dívida bruta fechou julho em 73,9% do PIB. Mantido esse crescimento tão rápido do endividamento, o risco de o Brasil ficar próximo de um calote voltará a entrar no radar dos investidores.

 

Amigos da Corte

 

A expectativa era de que, neste ano, o quadro fiscal melhorasse. Quando fixou a meta de deficit de até R$ 139 bilhões para a União neste ano, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, prometeu que haveria uma melhora gradual das contas públicas, com estabilização da relação entre a dívida pública e o PIB. O discurso, sempre contundente, convenceu os investidores. Mês após mês, contudo, os números apontam que as finanças do país só pioram. O deficit nominal, que inclui gastos com juros, pulou, apenas nos seis primeiros meses do ano, de 6,45% para 7,60% do PIB.

 

O mais preocupante é que o segundo semestre, historicamente, costuma ser desfavorável para as contas públicas, sobretudo por causa do pagamento do 13º salário para aposentados e pensionistas. Como não há perspectiva de recuperação da arrecadação de impostos nos próximos meses e boa parte das receitas extraordinárias previstas pelo governo não se confirmará, o que já está ruim ficará pior. O prometido ajuste fiscal está se tornando uma miragem, e a possibilidade de o Brasil ser novamente rebaixado pelas agências de classificação de risco cresceu.

 

Em um país sério, a gritaria contra a explosão do deficit público e da dívida federal seria enorme. Principalmente, porque se sabe que o governo está se endividando para financiar uma máquina inchada e ineficiente. Nada no país funciona a contento. Nem os hospitais, nem as escolas, nem o sistema de segurança, nem a malha de transporte. Trata-se de um modelo falido, que só beneficia os burocratas e os amigos da Corte: os sanguessugas que não se intimidam em se aproveitar de governos fracos e do forte lobby das corporações.

 

Fim da ladainha

 

Diante da situação dramática das contas públicas, não havia como o ministro da Fazenda manter a ladainha de que o ajuste é para valer. Ontem, ele começou a desmontar o discurso da austeridade e assumiu que o governo já estuda mudar a meta fiscal deste ano, de deficit de até R$ 139 bilhões, e a de 2018, de, no máximo, R$ 129 bilhões. Não havia mais como Meirelles insistir que tudo está sob controle. Sem compromisso com a transparência, os números que estão sob as mesas de seus auxiliares, quando liberados, destruiriam a aura de credibilidade que embalou a atual política econômica.

 

Os cálculos preliminares apontam que o rombo deste ano pode ficar entre R$ 150 bilhões e R$ 155 bilhões. Para 2018, fala-se, dentro do governo, de um buraco de até R$ 140 bilhões. Os números já foram apresentados ao presidente Michel Temer, que pediu à equipe que não alimente, neste momento, o debate sobre mudança na meta fiscal. Ele acredita que todas as novas projeções de deficit terão mais respaldo após a Câmara dos Deputados enterrar o pedido de autorização para o Supremo Tribunal Federal (STF) investigá-lo por corrupção passiva. É a política sempre à frente dos interesses do país.