Ao apoiar Renan, Temer terá que prestar contas às ruas

Publicado em Economia

A comemoração foi grande, no Palácio do Planalto, diante da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter Renan Calheiros na presidência do Senado, mas interlocutores do presidente Michel Temer reconhecem que a vitória do parlamentar deverá custar muito caro. Ao contrariar a voz das ruas, o STF pode, indiretamente, insuflar as manifestações que tanto atormentam o governo e transferir para o Executivo a responsabilidade pelos seis votos que garantiram ao político alagoano permanecer no comando do Congresso.

 

Do ponto de vista econômico, Temer alega a aliados que o Supremo manteve a sensatez. Tirar Renan da presidência do Senado, agora, traria custos enormes ao país. Há um projeto considerado fundamental para o ajuste fiscal e a reconstrução da credibilidade das contas públicas — a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior — que está prestes a ser votado pelos senadores. O adiamento da apreciação do tema pelo plenário alimentaria uma onda de desconfiança, minando de vez a chance de retomada da atividade.

 

Para o Planalto, o momento exige pragmatismo. Renan tem apenas mais dois meses na presidência do Senado. Criar uma comoção no Legislativo por causa de um possível afastamento antecipado prejudicaria o andamento de questões extremamente relevantes para a economia e para o país. Na avaliação de um assessor de Temer, a maior resposta que se pode dar a Renan é não elegê-lo mais. Isso cabe aos eleitores de Alagoas, que, sistematicamente, vêm renovando o mandato do parlamentar que responde a 13 processos na Justiça.

 

Tensão latente

 

O governo reconhece que a tensão não diminuirá. Há muitas explicações a serem dadas à população, que vem cobrando, nas ruas, o combate à corrupção e a políticos que transgridem as leis. A pergunta que mais se ouviu ontem, depois da decisão do STF, foi como uma pessoa pode presidir um dos poderes do país, mas não integrar a linha de sucessão da Presidência da República. Isso significa que o Legislativo é um poder menor e pode ser comandado por pessoas acusadas de corrupção, lavagem de dinheiro e peculato?

 

Esse tipo de questionamento é nitroglicerina pura. Alimenta o descontentamento das massas. Tanto que, no Palácio, já são previstos protestos cada vez maiores nas ruas. Não há nenhum contraponto a se oferecer à população. A economia continua atolada na recessão, o desemprego não para de crescer e a renda está em queda.

 

“Nesse ambiente, será difícil controlar o descontentamento popular. Não podemos esquecer que estamos propondo duas medidas muito duras, a PEC dos gastos e a reforma da Previdência. O que o governo menos precisava era o embate entre o Senado e o STF. Azedou tudo”, ressalta um técnico da equipe econômica, que passou boa parte do dia de ontem tentando convencer os investidores do quanto vale a pena acreditar no Brasil.

 

Diante de tanto desgaste, o que realmente importa para o governo é aprovar, em 13 de dezembro, a PEC que limita os gastos públicos. “Depois, veremos o que vem pela frente”, frisa um assessor palaciano. Para ele, o governo precisa dar uma demonstração de força em meio ao mais grave momento enfrentado por Temer, que perdeu um dos ministros mais próximos e não conseguiu entregar a retomada da economia, como prometeu a equipe econômica logo depois de a atual administração ser empossada. “Não há espaço para derrotas neste momento”, acrescenta.

 

Ato de coragem

 

Nos mercados, muitos investidores viram a vitória de Renan no Supremo como um troféu para Temer. Sabe-se que o presidente agiu pessoalmente para evitar a saída do aliado da presidência do Senado. Com isso, a aposta é de que a base aliada responderá com todos os votos necessários para aprovar o ajuste. “Houve uma união tão forte entre os maiores partidos para salvar a pele de Renan, que não há como pensar em uma derrota na votação final da PEC dos gastos”, destaca um ministro com bom trânsito no Planalto. “Hoje, são de 90% as chances de liquidar a fatura no dia 13”, emenda.

 

Nos 10% de probabilidade de o governo se frustrar estão as incertezas naturais da política e a possibilidade de novas prisões no âmbito da Lava-Jato. As raposas políticas, porém, pedem muita cautela. Atualmente, está se vivendo três, quatro dias num mesmo dia. “Dar como certa alguma coisa nos tempos atuais é um ato de coragem”, afirma um dos caciques do PMDB. “O governo precisa se preparar — e muito — para enfrentar a reação das ruas. Não haverá apenas uma gritaria contra o STF. Todos sabem que o Planalto teve papel decisivo para salvar a pele de Renan”, conclui.

 

O ideal seria que, nesse clima tão conturbado, o presidente do Senado tivesse a honradez de se afastar do cargo por vontade própria. Mas não há como esperar isso dele. Renan acredita que saiu fortalecido da disputa que travou com o ministro do STF Marco Aurélio Mello. Para a população, ele está caindo de podre. Tornou-se um novo Eduardo Cunha, que teve o mandato cassado e está preso em Curitiba. Renan é um mal que precisa ser extirpado. Uma hora ou outra, isso acontecerá. É questão de tempo. Não há blindagem que resista ao desejo popular.

 

Brasília, 06h18min