Entrevista: Leonardo Véliz, o chileno que ajudou a formar Cristiano Ronaldo na base do Sporting

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Aos 71 anos, Leonardo Véliz tem no currículo uma participação na Copa. Foi em 1974, na Alemanha. Vestia a camisa 11 do Chile. Entrou em campo contra Alemanha Ocidental, Alemanha Oriental e Austrália. Como técnico, comandou a seleção de seu país no Mundial Sub-20 do Catar, em 1995, e no Mundial Sub-17 do Japão, em 1993, quando o Chile terminou em terceiro lugar. Perdeu a semifinal para Gana.  Mas a maior recordação da carreira do meia-atacante não diz respeito à Copa de 1974 nem aos Mundiais Sub-17 e Sub-20. Com sua experiência nas divisões de base, o chileno Leonardo Véliz ajudou a formar um dos melhores jogadores de todos os tempos no Sporting, de Lisboa: Cristiano Ronaldo.

Era 1998. Leonardo Véliz havia aceitado o convite do técnico do time principal, Mirko Jozik, para coordenar as divisões de base do clube português. Na mesma época, chegava um menino de 14 anos, uma promessa da Ilha da Madeira. Nesta quarta-feira, Cristiano Ronaldo, que um dia foi multado em US$ 80 justamente por Leonardo Véliz, por ter quebrado o vidro do banheiro com um chinelo durante uma discussão com Paulo Ferreira, enfrentar o Chile, às 15h, na Arena Kazan, pelas semifinais da Copa das Confederações. Em um bate-papo por telefone com o blog na manhã desta quarta-feira, Leonardo Véliz recorda as peripécias de CR7.

 

Como chegou ao Sporting?

Em 1998, fui convidado pelo técnico do time principal do Sporting, o croata Mirko Jozik (ex-técnico da seleção chilena). Ele me ligou para assumir o projeto de formação e coordenação,  para profissionalizar as divisões de base. Nós havíamos trabalhado juntos no Colo-Colo e ele me queria como peça-chave nas canteras do clube. Nesse departamento havia vários meninos talentosos, entre eles, Cristiano Ronaldo.

Cristiano Ronaldo chegou ao clube na mesma época?

Ele havia chegado da Ilha da Madeira. Tinha apenas 14 anos. Era um pré-adolescente. Magro, rápido, habilidoso e tímido. Sempre vi qualidades futebolísticas superiores à de seus companheiros. Seu físico lembrava Marco Van Basten (atacante holandês).

Como era a rotina de Cristiano Ronaldo?

Ele era da Ilha da Madeira, um lugar distante de Lisboa, ele passava muito tempo sem ver a família. Jogávamos aos sábados e os domingos dos meninos eram livres. Cristiano Ronaldo tinha mania de ir muito ao McDonald’s. Gostava de ir ao maior shopping de Lisboa para comer. Nós precisávamos ocupar o tempo livre deles. Contratamos alguém para levá-los ao cinema, ao museu para passeios culturais.

Os jogadores tinham salário, algum auxílio financeiro?

Eles ganhavam US$ 80 mensais.

É verdade que um dia o senhor multou Cristiano Ronaldo justamente em US$ 80?

Um dia, me contaram que houve uma briga entre Cristiano Ronaldo e Paulo Ferreira. Cristiano quebrou um vidro do banheiro. Quando eu soube, avisei que ele deveria ir até o meu escritório à tarde para explicar o que havia acontecido. Ele contou que, na briga, Paulo Ferreira abriu um sabonete, atirou nele, acertou sua cabeça e doeu bastante. Para revidar, Cristiano Ronaldo jogou um chinelo em Paulo Ferreira. O companheiro agachou e o chinelo pegou na vidraça. Eu disse a ele que teria de pagar o conserto do próprio bolso com os US$ 80 que ganhava.

 

Peguei uma bola de futebol que eu tinha no meu escritório e perguntei: o que tem aqui dentro da bola? Ele, inocentemente, respondeu: “Ar, mister”. Eu disse ao Cristiano Ronaldo: Não, aqui dentro há milhões de dólares. Se você se comportar bem, poderá ganhar muito dinheiro para comprar tudo o que quiser

 

Mas o senhor também deu conselhos a ele…

Ele aceitou a multa. Fiquei a sós com ele. Disse que deveria se comportar bem, respeitar as normas do Lar do Jogador, acatar as ordens dos professores. Peguei uma bola de futebol que eu tinha no meu escritório e perguntei: o que tem aqui dentro da bola? Ele, inocentemente, respondeu: “Ar, mister”. Eu disse ao Cristiano Ronaldo: Não, aqui dentro há milhões de dólares. Se você se comportar bem, poderá ganhar muito dinheiro para comprar tudo o que quiser e beneficiar a você, aos seus familiares e a várias gerações. Nunca mais tive problemas com Cristiano Ronaldo. Quando se aconselha adolescentes com 14, 15 anos, o que se espera são duas coisas: que o conselhos entre por um ouvido e saia pelo outro, ou que entre pelo ouvido e atinjam o coração. Acho que atingimos o coração de Cristiano Ronaldo.

Ele sempre foi focado no futebol?

Isso chamou a minha atenção. Os demais meninos que frequentaram o Lar do Jogador no Sporting tinham fotos de bandas de rock, Che Guevara ou de mulheres em seus quartos. No dormitório do Cristiano Ronaldo havia uma foto de Luis Figo. Era o sonho dele ser melhor do mundo como Figo (eleito em 2000 pela Fifa) e jogar no Real Madrid. Essa é apenas uma das histórias que tenho com jogadores, sem saber que, mais cedo ou mais tarde, alguns deles alcançarão o Olimpo e outros ficarão pelo meio do caminho.

Qual é o segredo do sucesso de Cristiano Ronaldo?

A perseverança. De 14 para 15 anos, ele tinha o perfil de um vencedor, sua trajetória tinha um ar empresarial, tinha uma personalidade forte. Foi submetido a todo o rigor profissional muito jovem. É um jogador completo, um atleta. É veloz, finaliza bem, é um excelente cobrador de falta, eficiente nas bolas aéreas.

Agora, a pergunta: o senhor vai torcedor pelo Chile ou por Cristiano Ronaldo na semifinal desta quarta-feira da Copa das Confederações?

Vou torcer pelo Chile. É o meu pais. Tenho apenas carinho por Cristiano Ronaldo, nada mais.