Severino Francisco
A Comissão de Constituição e Justiça adiou a decisão sobre o envio do processo de cassação do deputado Glauber Braga (PSol-RJ) por dois dias. Sinto-me inteiramente à vontade para me manifestar sobre o tema, pois não sou esquerdista, psolista ou direitista; sou apenas jornalista. A minha matéria são os fatos. E o que dizem os fatos?
Que essa decisão de cassar o mandato do deputado Glauber Braga não resiste à menor análise comparativa. É claro que Glauber errou ao reagir com empurrões e um pontapé em um militante do MBL, no estacionamento da Câmara dos Deputados, depois de reiteradas ofensas dirigidas a sua mãe.
Glauber caiu em uma armadilha. Isso demandaria a punição de uma advertência, jamais a de cassação. Mesmo porque o relator do processo, o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA) também agrediu com socos e pontapés ao jornalista Maneca Muniz, em 4 de abril de 2001, durante o lançamento de livro sobre o tio do parlamentar, o senador Antônio Carlos Magalhães. E nada aconteceu a Paulo Magalhães.
De maneira semelhante, o deputado Chiquinho Brazão (sem partido), acusado de ser o mandante do assassinato de Marielle Franco, permanecia imune à cassação até ontem, quando acabou perdendo o mandato por excesso de faltas. Faltas porque estava preso. Não chegou a ir a plenário a cassação pelo suposto envolvimento no caso Marielle. É uma disparidade de tratamento que salta aos olhos. O que é mais grave: dar um pontapé em alguém que ofendeu a sua mãe ou estar respondendo na Justiça sob a acusação de ser o mandante do assassinato de uma parlamentar?
A Câmara dos Deputados virou a casa da mãe joana. As sessões da Casa se tornaram palco de agressões verbais, ameaças e cenas patéticas, replicadas nas redes sociais, sem que nenhum autor de tais atos sejam punidos com a cassação de mandato. São ações que ferem o decoro e envergonham ao parlamento. E nada acontece. Por que Glauber foi alvo de uma punição tão severa?
O motivo é inteiramente diverso: ele teve a audácia de afrontar o esquema das emendas secretas. A acusação pelo episódio envolvendo o militante do MBL é apenas um pretexto. Em meio à escalada das mudanças climáticas, dos rios secos, das cidades inundadas pelas enchentes, da propagação da mentira nas redes sociais desreguladas, da violência avassaladora das facções, com o que as excelências estão preocupadas? Em legislar em causa própria e em defender as emendas secretas.
As tais emendas interferem, nefastamente, na disputa política. Reportagem do Correio mostra que os candidatos de partidos ligados ao Centrão, principal beneficiário dessa modalidade de orçamento, conquistaram 3.476 prefeituras. Quem recebe as emendas na ponta pode construir hospitais, escolas, estradas ou quadras de esporte. É algo que corrompe o sistema eleitoral, pois a disputa política ocorre em condições desiguais entre quem dispõe e quem não dispõe de orçamento secreto.
Isso explica o baixo nível de consciência coletiva e de compromisso social desse parlamento. São R$ 50 bilhões em emendas para os parlamentares, enquanto os investimentos com recursos da União ficam em R$ 80 bilhões. Fala-se em gastança, mas não existe nenhuma cobrança para que o parlamento colabore com o equilíbrio fiscal.
Se o STF exige transparência, logo é taxado de ditadura de toga. Na verdade, o que existe hoje no parlamento é a ditadura das emendas. Nada mais interessa às excelências. E o deputado Glauber Braga é uma vítima da ditadura das emendas parlamentares