Severino Francisco
O que me chamava mais atenção no papa Francisco, que nos deixou ontem, aos 88 anos, era a compaixão. Como disse Dostoiévski, a compaixão é a mais alta ideia humana, sem ela, o homem se rebaixa. Francisco era, verdadeiramente, um cristão, sabia que o ensinamento de Cristo era amai-vos uns aos outros e não armai-vos uns contra os outros.
Sempre tinha na ponta da língua uma palavra lúcida, afetuosa e amorosa para falar sobre qualquer assunto. E não se esquivava dos temas mais espinhosos. Não era preciso ser católico para haurir da sabedoria que ele propagava em sermões, pronunciamentos ou entrevistas. Ensinava com as palavras e com o exemplo de vida.
Vivia no mais extremo despojamento, dispensando a ostentação inerente ao cargo. Enquanto outros papas foram enterrados com três caixões, um dentro do outro, de carvalho, cipreste e chumbo, Francisco recomendou apenas um de madeira, revestido de zinco.
Em 2013, o papa visitou o Brasil e atraiu uma multidão de mais de 3 milhões na praia de Copacabana. “Aprendi que para ter acesso ao povo brasileiro, é preciso ingressar pelo portal do seu imenso coração; por isso permitam-me que nesta hora eu possa bater delicadamente a esta porta”, disse Francisco. “Peço licença para entrar e transcorrer esta semana com vocês.”
Não se esquivava de tomar partido em questões polêmicas ou espinhosas, como é o caso da liberação das drogas. “A chaga do tráfico de drogas, que favorece a violência e que semeia a dor e a morte, exige da inteira sociedade um ato de coragem. Não é deixando livre o uso das drogas, como se discute em várias partes da América Latina, que se conseguirá reduzir a difusão e a influência da dependência química” .
Logo depois da eleição de Bolsonaro em outubro de 2022, o papa Francisco fez uma saudação aos católicos na Praça São Pedro, que foi mal interpretada como mensagem política, quando era apenas um apelo ao amor. ‘Peço a Nossa Senhora Aparecida que proteja e cuide do povo brasileiro, que o livre do ódio, da intolerância e da violência”, declarou Francisco.
Francisco estava antenado com os grandes desafios deste momento da história para a humanidade: a transição energética, as desigualdades sociais, o aquecimento global, a propagação da mentira em série pels redes sociais, a violência cotidiana, a covardia, a intolerância e as guerras. Sempre com uma mensagem humanista e cristã: “Não pode haver paz sem liberdade religiosa, liberdade de pensamento, liberdade de expressão e respeito pela opinião dos outros”, escreveu no último discurso.
Era, serenamente, corajoso. Não se intimidou em tomar partido dos imigrantes ou defender os desvalidos. A igreja católica perdeu muito do prestígio que teve em outros momentos. Mesmo assim, a sua voz ainda era ouvida e pesava. Fará muita falta um líder com a sabedoria, a compaixão, a humanidade, o sentido construtivo e a coragem de Francisco em um mundo tão esvaziado de valores e comandado por guias tão insensatos.