A previsão é de que o presidente Jair Bolsonaro atenda efetivamente o pedido do ministro da Economia, Paulo Guedes, e vete no projeto (PLP 39/20) os trechos que abre espaço para reajustes salariais de algumas carreiras de servidores públicos federais, estaduais e municipais
Nesse ponto, a maioria dos que defendem o ajuste fiscal concorda. O temor generalizado no mercado financeiro, no entanto, é de que o remédio, diante da conjuntura, se transforme em veneno. Olhando para frente, analistas preveem a “cabeça de Guedes em uma bandeja”. Em ano de eleição, não parece, dizem as fontes, uma boa medida mexer com servidor. O fundamento filosófico da decapitação, ou “da cabeça de Guedes” é contraditório, destacam observadores.
Com a proximidade do presidente Jair Bolsonaro do Centrão, para conseguir apoio e salvar a pele dele e da família, a pressão dos parlamentares perdulários habituados “à troca de favores” vai ser imensa para expansão de gastos – justamente o oposto da austeridade liberal da equipe econômica. “Dessa vez, o que se imagina é que não será Paulo Guedes que pedirá para sair, independentemente das discordâncias. Ele será retirado por baixo dos panos, como aconteceu com Luiz Henrique Mandetta (ex-ministro da Saúde), Sérgio Moro (ex-ministro da Justiça) e outros mais. E o problema do veto é que ele pode ser derrubado”, reiterou a fonte.
O presidente Jair Bolsonaro vai sempre ter alguém para botar a culpa pela “suposta expulsão orquestrada de Guedes, como vem fazendo em sua gestão”. Tem até uma desculpa engatilhada: “ele (Guedes) estaria atrapalhando a remessa de recursos para Estados e municípios com o objetivo urgente de combater a pandemia pelo coronavírus. A demora estaria afetando pessoas contaminadas e frágeis que estão morrendo todos os dias em consequência da crise sanitária”, dizem. Sem citar nomes, o economista Cesar Bergo, sócio investidor da Corretora OpenInvest, concordou que o veto vai sair, e rápido. Só não se sabe apenas “se pela manhã, antes de o mercado abri, ou à noite, quando estiver fechado”.
“Como vem defendendo os que compartilham com a responsabilidade de manter as contas equilibradas, todas as carreiras, resguardados os profissionais da saúde que estão à frente do combate ao coronavírus, vão sair das exceções de congelamento de salários, até os militares. As decisões do Congresso até aqui tomadas, ficarão enfraquecidas. O que vai ser observado pelo mercado é se esse veto vai mesmo ensejar a perda de ministério”, assinalou Bergo. O veto, no entanto, pouco altera a situação da maioria dos servidores, informam fontes do funcionalismo.
Falso veto
Na verdade, a maioria dos servidores nas três esferas e nos Três Poderes já havia descartado qualquer possibilidade de reajuste salarial em 2020 e em 2021. Não apenas pela crise causada pela covid-19, mas devido às determinações da lei do teto dos gastos e às dificuldades enfrentadas por Estados e municípios que já vinham demonstrando fragilidades e incapacidade de honrar a folha de pagamento. Além disso, até mesmo o PL 39 deixa em aberto a possibilidade de reajuste em 2022. A preocupação inicial era com a proibição de promoções e progressões, que já foram descartadas por Guedes, em recente palestra a banqueiros.
Resta apenas um incômodo que passou pelo Congresso, sem discussão com o funcionalismo. Parte de um dispositivo, considerado inconstitucional, que faz uma “reforma administrativa disfarçada”, no Artigo 7º do PL 39/20, no qual o Executivo deixa claro que não poderá haver mais correções que ultrapassem o seu mandato. Desde 2008 (inclusive em 2012 e em 2015), os aumentos foram plurianuais. Michel Temer, por exemplo, cumpriu acordos assinados por Dilma Rousseff.
“O governo se aproveitou de uma situação excepcional e transitória para fazer uma mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Nesse ponto, o PL é inconstitucional por duas razões: é de iniciativa do Legislativo e não tem poder para alterar o regime jurídico. Para que isso fosse feito, precisaria de um PL ou autorização do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público da União (MPU), cada um específico para seus servidores”, explicou Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate).
Os servidores públicos de todo o país aguardam ansiosamente o teor do veto do presidente Jair Bolsonaro. E dependendo de como vier, a queda de braço se desloca do Parlamento para o Judiciário. “Será mais uma daquelas contas que passam de governo para governo e um dia alguém terá que bancar, com juros e correção monetária. Aí, quando o dinheiro entrar nos contracheques, vai ser uma bolada que causará mal-estar na sociedade e mais um motivos para aproveitadores apontarem o servidor como o vilão da história”, ironiza um técnico.