Decisão da 6ª Turma do STJ na última terça-feira (dia 3), nas investigações para localizar executores e mandantes da morte da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018, confirmou determinação da Justiça fluminense para que o Google apresente às autoridades dados de todas as pessoas que transitaram por três áreas específicas do Rio de Janeiro no período de dois anos, entre 1º de janeiro de 2017 e 5 de fevereiro de 2019
Esses dados incluem identificação de contas de usuários e dados cadastrais, registros de conexão, mídias (fotos, vídeos e outras), histórico de pesquisa e de navegação, favoritos, histórico de localização, e-mails, agenda, agenda de contatos, aplicativos instalados e backups contidos nos serviços de “driver”.
Em sua defesa no STJ o Google alegou que a medida atinge número indeterminado, porém expressivo de pessoas, já que as três regiões são muito frequentadas; e que há dificuldades tecnológicas que poderão gerar resultado com baixa confiabilidade — apontar usuários que não estiveram no local ou excluir pessoas que por ali passaram. E denunciou a ocorrência de fishing expedition. Mas não convenceu os julgadores.
No entender do advogado criminalista Diego Henrique, sócio do Damiani Sociedade de Advogados, a medida autorizada pelo STJ significa “a permissão absurda de que o Estado lance suas redes sobre um mar de informações pessoais, sem se saber ao certo o que será pescado, violando-se assim a intimidade e a privacidade de um número indeterminado de cidadãos que nada têm a ver com a investigação criminal”.
“É justamente nesses casos que as barreiras da democracia são paulatinamente degradadas, sempre sob a velha ladainha da gravidade abstrata do delito permite-se a flexibilização de direitos e garantias individuais fundamentais que constituem a própria razão fundante do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, fomentam a instituição de um modelo de Estado totalitário”, diz Diego Henrique.
Por sua vez Nathália Rocha, advogada especializada em Direito Penal Empresarial e sócia do escritório Peresi Rocha Advogados, lembra que nenhum direito fundamental é absoluto, nem mesmo o direito à vida. “Por isso é tão comum a expressão ‘sopesar direitos’, para que um dê espaço ao outro quando colidentes em determinada situação concreta.”, afirma Nathália.
“Mas antes que este sopesamento se torne um salvo conduto para arbitrariedades, não se pode perder de vista a proporcionalidade”, adverte a advogada. “Seria proporcional a obtenção de dados privados, em flagrante violação de direitos fundamentais, de inúmeras pessoas sobre as quais não há qualquer suspeita da prática de crime, para identificar, dentre elas, suspeitos? Penso que não”, afirma Nathália Rocha.
No entanto, o advogado criminalista Daniel Bialski, mestre em Processo Penal pela PUC-SP e sócio de Bialski Advogados, tem opinião totalmente diversa. “Este tipo de entendimento não somente deveria ser aplicado neste caso, mas em todos os casos criminais. Porque além de identificar possíveis suspeitos, pode-se também isentar possíveis inocentes de acusações indevidas ou até abusivas. Então, utilizar a tecnologia para apurar a verdade é o ideal da Justiça e todos devemos aplaudir quando este trabalho é feito com excelência”, afirma.
Foto: Hypeness