Este é o primeiro estudo da Enap que aponta o impacto da transformação digital no serviço público para os próximos 30 anos. A previsão é de que um grande percentual de toda mão de obra não seja substituído no médio prazo, principalmente os com menor nível de escolaridade, menor média salarial e as mulheres. Sem medidas como automação, realocação ou requalificação de profissionais, o déficit de servidores em 2030 pode chegar a 232 mil profissionais. Em 2050, esse número vai ultrapassar 90 mil ocupações
Segundo os autores do estudo, no entanto, o resultado não aponta para o fim do emprego em determinadas áreas. A pesquisa traz luz a uma realidade do presente que será ainda mais evidente nas próximas décadas. O uso de novas tecnologias pode ser um aliado importante para substituir o trabalho de 53,6 mil servidores públicos federais aptos a se aposentar a partir de 2030. Segundo pesquisa da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), esse é o total de ocupações com alta propensão à automação entre os profissionais que podem se aposentar – ou seja, aquelas atividades que podem ser substituídas por máquinas.
Pelos dados da pesquisa, a média de estudo no serviço público é de 15,35 anos, com um mínimo de 8 anos (ensino fundamental completo) a um máximo de 21 anos (doutorado). A variável de escolaridade descreve as categorias da maior titulação declarada pelo servidor. A maior parte dos servidores tem ensino superior completo (36%), seguido de ensino médio (20%), doutorado (19%) e mestrado/MBA (19%), e ensino fundamental
(5%).
A remuneração média mensal é de R$ 9.913, com uma mediana de R$ 8.078 e desvio padrão de R$ 6.201,64. A maior parte dos servidores, 60,3% recebem até R$ 10 mil, 31,1% entre R$ 10 mil e R$ 20 mil, 8,3% entre R$ 20 mil e 30 mil, 0,3% entre R$ 30 mil e R$ 40 mil, e 0,003% acima de R$ 40 mil. Dentre as maiores remunerações, 17 servidores receberam acima de R$ 40 mil. Esses servidores estão presentes nas ocupações de Diretores do Executivo, Delegados e Médicos. Há 6.877 registros que apresentam salários zerados, mas que se referem a servidores que recebem seus pagamentos por sistemas alternativos ao Siape, por exemplo Médicos Residentes e integrantes do programa Mais Médicos, informa a Enap.
Para chegar a esse resultado, o estudo avaliou a propensão de automação das atuais ocupações do governo federal, que totalizam cerca de 520 mil servidores, e cruzou esses dados com a expectativa de aposentadorias para os próximos anos. Sem medidas como automação, realocação ou requalificação de profissionais, o déficit de servidores no ano de 2030 pode chegar a 232 mil profissionais.
“O mundo do trabalho está mudando. E esse é o primeiro estudo que confirma a tendência de automação no setor público federal. A boa notícia é que agora temos o mapa dessas ocupações e o impacto que isso terá até 2050. Os resultados da pesquisa auxiliarão gestores a se prepararem para o futuro de forma mais eficiente. E o futuro caminha para ser mais analítico e menos mecânico”, destaca Diogo Costa, presidente da Enap.
A tendência de automação é crescente na projeção temporal. No ano de 2040, mais de 68 mil servidores aptos a se aposentar poderão ter suas atividades substituídas por automação. Em 2050, esse número vai ultrapassar 90 mil ocupações (confira no infográfico).
O Ministério da Educação é o órgão com o maior número de servidores, assim como o maior número em ocupações com alta propensão à automação, com 78 de 272 ocupações que compõe o órgão. Nessas ocupações estão 47,3 mil (18,75%) do total de 252,2 mil servidores. Em termos salariais, são 9,5% da massa salarial. O Ministério da Saúde tem 26 das 129 ocupações em alta propensão à automação, o que representa 11,9 mil (17,9%) do total de 66,5 mil servidores. É seguido na quantidade total de servidores por Ministério do Desenvolvimento Social, com 1,7 mil (5,3%) do total de 32 mil servidores, do Ministério da Fazenda, com 5,3 mil (17,8%) de 29,8 mil servidores, e do Ministério da Justiça, com 3,8 mil (13%) do total de 29 mil servidores.
Funções tradicionais e automação
No estudo, os autores Willian Adamczyk, Leonardo Monasterio e Adelar Fochezatto explicam que a automação já está modificando a estrutura de cargos no governo federal. Várias ocupações, com tendência a desaparecer — a exemplo de auxiliares administrativos, datilógrafos e operadores de audiovisual —, estão sendo substituídas por serviços digitais.
Em 2020, 27% dos cargos que ficaram vagos por aposentadorias são de funções que devem ser extintas, e podem ser substituídas por serviços automatizados. Dos 13.916 servidores que se aposentaram, 3.774 ocupavam cargos cujas funções têm grande potencial de serem automatizadas ou terceirizadas. Os dados são do Painel Estatístico de Pessoal (PEP).
“É importante destacar que o resultado não aponta para o fim do emprego em determinadas áreas. O que a pesquisa faz é trazer luz a uma realidade do presente (tendência de automação) e que será ainda mais evidente nas próximas décadas”, explica Leonardo Monasterio, coordenador-geral de Ciência de Dados da Enap.
Ocupações em risco
Há 104.670 pessoas em 96 ocupações no segmento mais indicado à automação. São ocupações com grande quantidade de servidores, como assistente administrativo (73.208 servidores), auxiliar de escritório (8.022) e datilógrafo (4.559). A escolaridade média de estudo nesse grupo é de 13,42 anos, com remuneração média de R$ 5.683. Ou seja: a pesquisa comprova que as ocupações com alta propensão à automação são as que possuem menor nível de escolaridade e menor média salarial.
Nessa faixa, há também algumas ocupações que já foram extintas ou terceirizadas em reformas de 2018 e 2019, como motorista, trabalhador agropecuário em geral, auxiliar de biblioteca.
O impacto da automação pode aumentar a desigualdade de gênero. Das 232 mil mulheres, 48,1 mil estão em ocupações de alta propensão à automação, ou seja, 20,7%. Para os homens, esse número é de 56,6 dos 290 mil, representando 19,5%. Ou seja, o efeito da automação é relativamente superior sobre as ocupações com maior presença feminina. Costureiras, auxiliares de escritório e de biblioteca são exemplos de ocupações com alta propensão à automação compostas por uma maioria de mulheres.
Competências necessárias aos servidores
“Para que os servidores tirem proveito das novas tecnologias de automação para aumentar a produtividade do seu trabalho, recomenda-se o desenvolvimento de competências digitais, principalmente competências técnicas em ciências, tecnologia e informática”, afirma Willian Adamczyk.
Ele sugere dar ênfase ainda às soft skills, que incluem as habilidades gerenciais, de relacionamento interpessoal e artísticas. “Essas habilidades valorizam o trabalho em equipe e são características distintivamente humanas, sem perspectivas de serem desempenhadas por máquinas”, diz o pesquisador.
Em fevereiro deste ano, o governo federal definiu as sete competências transversais a todos os servidores públicos e as nove competências essenciais para as lideranças, que irão nortear tanto as ações de capacitação e formação quanto a seleção de talentos e a certificação e a avaliação de desempenho de servidores.
Profissões menos impactadas pela automação
As ocupações que devem se manter, independentemente do avanço da tecnologia, são aquelas que exigem tarefas analíticas ou pouco repetitivas. Entre elas, estão as de pesquisadores e profissionais relacionados às ciências naturais, sociais e da saúde, como engenheiros, economistas, sociólogos, geógrafos, biólogos, psicólogos e antropólogos. Ainda, há profissionais de gestão e comunicação como gerentes de produção e de serviços de saúde, relações públicas, publicitários e redatores.
As atividades mais comuns entre os pesquisadores são as que envolvem desenvolvimento de novos materiais, produtos, processos e métodos, conforme descrição da CBO 2002.
Metodologia
O estudo considera os servidores civis ativos, de acordo com seu vínculo principal, de carga horária igual ou superior a 40 horas semanais em dezembro de 2017. Com esse filtro, trabalha-se com as informações de 521.701 servidores, de um total de 627.284 vínculos registrados no Sistema Integrado de Administração de Pessoal (Siape) de 2017.
Além dos dados do Siape, a pesquisa usa a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO-2002) e a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), de responsabilidade do Ministério da Economia. A compatibilização resulta em 389 ocupações públicas distintas, das quais 96 têm mais chances de serem automatizadas.
(*) Willian Adamczyk é doutorando de Economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Leonardo Monasterio é doutor em Economia e Coordenador-geral de Ciências de Dados na Enap. Adelar Fochezatto é doutor em Economia e professor no Programa de Pós-Graduação em Economia da PUC/RS.