“Os defensores da Reforma também têm dito aos quatro ventos que a Reforma pretende que “aqueles que ganham mais, paguem mais” e que “os privilegiados deixarão de sê-lo, após a
aprovação da PEC”. Um número inequívoco que desmente estas máximas do marketing oficial diz respeito aos impactos financeiros da Reforma: na economia anunciada de mais de R$ 933
bilhões ao longo da próxima década, R$ 677 bilhões devem vir dos ajustes e cortes no RGPS e nos Benefícios de Prestação Continuada (BPC). Portanto, cerca de 73% dos cortes serão feitos
na iniciativa privada, nos que ganham menos, nos beneficiários do INSS”
Vilson Antonio Romero*
Há uma estratégia urdida pelos apoiadores do atual governo e pelos senadores vinculados aos empresários do mercado financeiro, provável principal fonte de recursos da próxima campanha eleitoral, no sentido de “blindar” o texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 6/2019 que trata da Reforma do Sistema Previdenciário brasileiro.
Isto pode significar que apesar de um provável e ruidoso “mise em scène”, a PEC seguirá sua trajetória, passando incólume e imutável, sendo aprovada por maioria simples pela Comissão
de Constituição e Justiça do Senado e, em dois turnos pelo plenário da Casa Revisora, que será nada mais do que uma “Casa Carimbadora” de uma das mudanças que mais afetam o conjunto
dos trabalhadores brasileiros, sejam eles do serviço público ou da iniciativa privada.
Temos denunciado que, ao contrário do que os defensores das mudanças apregoam, a chamada desconstitucionalização segue muito presente na proposta já aprovada na Câmara dos Deputados. Somente os parâmetros relativos à idade mínima e uma série de princípios remanescem no texto básico da Constituição Federal, sendo todos os demais requisitos e regras para aposentadoria dependentes de futura legislação complementar.
Quanto à capitalização, sistema sinistro e ambicionado pelos “abutres” do sistema financeiro, ele foi extirpado na sua versão “pura”, mas um dos principais objetivos foi atingido: as instituições financeiras poderão se apossar dos fundos de pensão hoje administrados por entidades fechadas de previdência complementar, incluindo aí a Funpresp (dos servidores federais da União) e inúmeras outras instituições que hoje gerem os recursos destinados às aposentadorias e pensões de funcionários de Estados, Municípios e Distrito Federal.
O filé do mercado de capitalização, oriundo das contribuições dos servidores públicos que também têm aporte dos entes federados, perde seu “caráter público” e cai, se aprovado o atual texto, na vala comum dos regimes de capitalização com contribuição definida e ao livre arbítrio do setor privado na gestão dos recursos.
Uma outra questão segue sem solução no debate sobre as inconsistências da previdência social. Faltou coragem aos parlamentares da Câmara dos Deputados para enfrentar com seriedade o desequilíbrio financeiro no subsistema rural do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
No final de 2018, eram mantidos e pagos mensalmente pela autarquia previdenciária 9,6 milhões de benefícios rurais. O valor investido durante todo o ano passado na manutenção destas aposentadorias, pensões e outros benefícios totalizou R$ 124 bilhões. Mas, o setor primário somente contribuiu, ao longo do ano, com cerca de R$ 10 bilhões para bancar estes pagamentos.
Portanto, há uma necessidade de financiamento anual, com tendência crescente, superior a R$ 114 bilhões (com base em 2018). Isto não foi equacionado pela PEC.
Nem a reoneração do setor agroexportador que deixaria de ser isento da contribuição sobre a produção rural do montante exportado passou, graças a uma atuação marcante do grupo parlamentar apelidado de “bancada do boi”, reunida na Frente Parlamentar Agropecuária. Isto que seriam somente R$ 84 bilhões de economia em 10 anos, ou seja, apenas R$ 8,4 bilhões ao ano: um grão de areia neste oceano de insubsistência financeira.
Não devemos, em hipótese alguma, onerar nem penalizar o homem do campo, em especial os da agricultura familiar ou os explorados por cooperativas rurais ou agroindústrias, mas o grande, pujante e moderno agronegócio, como um todo, que responde por aproximadamente 23% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional deve ser chamado a contribuir.
Se movimentam, considerando os valores agregados à produção rural bruta, mais de R$ 1,5 trilhão ao ano, porque somente contribuem com R$ 10 bilhões para manter a dignidade de seus
trabalhadores? Fica a pergunta, até agora sem resposta.
E se computarmos os “déficits” do subsistema primário na casa dos R$ 110 bilhões anuais, em 10 anos será superada em muito a alardeada economia de R$ 933 bilhões feita com a Reforma
já aprovada até agora.
Os defensores da Reforma também têm dito aos quatro ventos que a Reforma pretende que “aqueles que ganham mais, paguem mais” e que “os privilegiados deixarão de sê-lo, após a
aprovação da PEC”. Um número inequívoco que desmente estas máximas do marketing oficial diz respeito aos impactos financeiros da Reforma: na economia anunciada de mais de R$ 933
bilhões ao longo da próxima década, R$ 677 bilhões devem vir dos ajustes e cortes no RGPS e nos Benefícios de Prestação Continuada (BPC). Portanto, cerca de 73% dos cortes serão feitos
na iniciativa privada, nos que ganham menos, nos beneficiários do INSS.
No que tange aos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) há uma série de questões que estão sendo apresentadas pelas representações dos servidores públicos que se caracterizam
como rupturas e, em alguns casos, em efetivas crueldades desta reforma.
Podemos elencar os aumentos de alíquotas de desconto da contribuição previdenciária e a possibilidade de cobrança de percentuais extraordinários, em caso de dificuldades financeiras
dos RPPS, caracterizando uma cobrança escorchante e com características confiscatórias ao chegar ao percentual de 22%, que se somado aos 27,5% do Imposto de Renda Retido na Fonte
(IRRF), levará quase metade dos salários, aposentadorias e pensões para as “burras governamentais”.
A ampliação da base de cálculo do valor dos benefícios, tanto no RGPS quanto nos RPPS, para 100% dos salários de contribuição, ao invés da média atual, obtida a partir dos 80% maiores
salários, traz uma perda irrecuperável no poder aquisitivo do trabalhador ao fim da sua vida laborativa que, em alguns casos, chega perto dos 30 ou 40%, dependendo da situação e do
perfil contribuinte do trabalhador
No que tange aos servidores que ingressaram antes de 2004, a PEC “joga no lixo” as emendas constitucionais anteriores (EC 41/2003 e 47/2005), criando uma nova e penosa transição, ou com as idades mínimas de 62/65 anos ou um pedágio de 100% do tempo de contribuição faltante, para cumprir requisitos necessários à regra da integralidade.
Também extremamente cruéis as novas regras da pensão por morte, que redundam numa redução expressiva da renda familiar, bem como as normas draconianas fixadas para os cálculos da aposentadoria por invalidez e da acumulação de benefícios, mesmo com contribuições regulamentares para os mesmos.
Com tudo isto, vamos atuar firmemente para que a pretensa “blindagem” no Senado Federal não tenha sucesso.
Temos convicção que as incongruências da Proposta de Emenda Constitucional 6/19, se mantidas como tal, desaguarão nas barras dos Tribunais Superiores. Quiçá com respostas ágeis
dos Poderes Supremos, em prol da cidadania e dos menos aquinhoados da sociedade brasileira.
Enquanto houver luz e força, estaremos lutando para mitigar as perdas dos trabalhadores,sejam do serviço público ou da iniciativa privada.
* Vilson Antonio Romero – auditor fiscal e jornalista, ex-presidente da Anfip e um dos coordenadores da Frente Gaúcha em Defesa da Previdência Social