Um livro para entender o cosmos

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Foi ao dar um curso de astronomia e cosmologia para professores na Universidade de Princeton que a astrofísica Jo Dunkley teve a certeza de que queria escrever um livro sobre o universo acessível a qualquer leitor. “Queria fazer com que as pessoas sentissem que estão descobrindo algo sobre nosso próprio lar ampliado, e sobre a nossa história mais longa. O universo em que vivemos é algo do qual fazemos parte, e não algo ‘fora’ de nós”, explica. Assim nasceu Nosso universo — A história do cosmo e seus mistérios, um livro que  ajuda a navegar por um tema complexo, mas com uma linguagem capaz de provocar verdadeiro encantamento pelas magias e mistérios do universo.

Professora em Princeton e laureada com prêmios como o da Royal Astronomical Society, Institute of Physics e Royal Society, Dunkley não poupa o leitor de conceitos complicados e só isso já faz de Nosso universo um livro corajoso. Mas a autora também não abandona o leitor e o pega pela mão para explicar que as complicações astrofísicas sempre contam com uma metáfora ou exemplos poéticos para serem compreendidas. Assim, buracos negros, matéria escura, ondas gravitacionais, expansão do universo, neutrinos e dobras no espaço tempo parecem são desvendados com habilidade e graça. “Em vários trechos, usei analogias desenvolvidas por educadores científicos ao longo dos anos — como reduzir as escalas do universo, ou imaginar o universo em expansão como um pedaço de elástico. Acho que o conceito de como o universo começou a crescer, logo após o Big Bang, foi to mais desafiador, pois o universo naquela época era tão diferente do que reconhecemos ao nosso redor hoje!”, avisa a autora, que conversou com o Leio de Tudo sobre comunicação científica, buracos negros e história cósmica.

Nosso universo — A história do cosmo e seus mistérios

De Jo Dunkley. Tradução: Alexandre Bruno Tinelli. Todavia, 294 páginas. R$ 79,90

Entrevista//Jo Dunkley

Você pode contar um pouco sobre sua trajetória como astrofísica e comunicadora científica? Quando você percebeu que também era uma comunicadora, e por que a comunicação científica nessa área é importante?

Me envolvi com a comunicação científica enquanto fazia meu doutorado em astrofísica em Oxford. Havia muito incentivo para participar de diversas atividades, e descobri que eu realmente gostava disso. Conversar, especialmente com crianças em idade escolar, era uma ótima forma de aumentar meu entusiasmo pela minha própria pesquisa. Elas fazem perguntas incríveis!

O que a inspirou a escrever Nosso Universo?

Há algum tempo eu queria escrever um livro baseado nas minhas experiências falando sobre minha área de ciência com o público em geral. Queria tornar o universo mais acessível e escrever um livro que fosse fácil de entender. Muito disso foi inspirado por um curso de astronomia e cosmologia para professores de escola que ensinei em Princeton. Dei esse curso junto com uma professora, e aprendi muito com ela sobre como tornar o conteúdo acessível.

Quem era o seu público-alvo? Você pensava em jovens curiosos, leigos ou até especialistas?

Definitivamente, o público geral sem formação técnica, incluindo leitores mais jovens.

Se você pudesse escolher apenas uma descoberta cosmológica recente que considera transformadora, qual seria?

Eu diria que a descoberta das ondas gravitacionais — ondulações no espaço-tempo resultantes da colisão de buracos negros — foi um enorme avanço, graças ao experimento LIGO. Foi uma visão profunda sobre a natureza do espaço-tempo.

Como você avalia o papel de telescópios como o James Webb ou o Planck (com o qual você trabalhou) no avanço do nosso entendimento do cosmos?

Eles nos permitem ver de volta ao passado, o que é incrível. O Planck nos deu uma imagem de uma parte do universo antes do nascimento das estrelas e galáxias — a imagem mais antiga de como as coisas eram. Agora, o James Webb está nos mostrando como eram as primeiras galáxias. Poder juntar a história do universo, observando o espaço, é um presente imenso.

Matéria escura e energia escura continuam sendo grandes mistérios. Você acredita que estamos perto de compreendê-las? O que ainda está faltando?

Espero que sim, mas não sei. A matéria escura provavelmente é uma nova partícula, mas mesmo com medições cada vez mais precisas de seu comportamento, ainda não sabemos o que ela é. Espero que tenhamos sorte e ela interaja de alguma forma com a matéria comum, permitindo que a identifiquemos. A energia escura pode ser a energia do próprio vácuo, ou algum novo tipo de energia ou campo. Acho que nossas novas observações, com grandes levantamentos ópticos, lançarão mais luz sobre como ela se comportou ao longo da história cósmica, e talvez revelem mais sobre sua natureza.

O livro evoca um senso de maravilhamento. Na sua visão, qual é a importância do encantamento e da imaginação na ciência, especialmente na cosmologia?

Acho que é extremamente importante, porque é isso que nos motiva a fazer ciência. É sobre expandir nosso conhecimento do mundo ao nosso redor, porque somos seres humanos curiosos e queremos entender o lugar onde vivemos e a longa história de como chegamos até aqui.

Ao estudar o universo, muitas pessoas se sentem ao mesmo tempo humildes e mais conectadas à existência. Como você lida pessoalmente com essas questões mais filosóficas?

Passar um tempo pensando sobre o panorama geral do universo certamente me faz sentir pequena, mas também parte de algo maior e extraordinário. Isso me mantém ciente de que faço parte de algo que continuará existindo muito além da minha vida.

Você é uma figura de destaque na astrofísica contemporânea. Como você vê a questão da representatividade de gênero nas ciências exatas e na academia?

É bom ver o número de mulheres crescendo na física e na astronomia. Ainda temos um caminho a percorrer, e acho que ter mais mulheres em posições de liderança na nossa área é importante e já está tendo um efeito positivo. Acredito que todos se beneficiam ao ver exemplos visíveis de pessoas nas quais podem se imaginar.

Como foi o processo de escrita do livro? Você escreveu paralelamente ao seu trabalho acadêmico? Qual parte foi mais satisfatória de escrever?

Escrevi o livro enquanto também fazia pesquisa, mas me dediquei a ele diariamente por cerca de um ano. Tentava escrever por algumas horas por dia, e escrevia em um lugar diferente do meu escritório — em um café ou em casa. Eu não conseguia estar no mesmo ambiente em que fazia pesquisa. Gostei de muitas partes do processo, mas o ato de lapidar o texto foi o mais prazeroso.

Quais são as grandes perguntas cósmicas que mais a fascinam hoje?

Quero saber como começou a expansão do espaço!

Que mensagem você daria a um leigo que olha para o céu com curiosidade, mas se sente intimidado pela linguagem científica da cosmologia?

Eu o tranquilizaria dizendo que não é necessário entender a linguagem técnica para compreender o que está acontecendo lá fora. Para se aprofundar, sim, em algum momento são necessárias descrições matemáticas, mas isso não é necessário para se ter uma boa noção do que está acontecendo no céu e no nosso universo mais amplo.

Nahima Maciel

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