Publicado pela Dublinense, é dividido em 10 partes, sendo três dedicadas ao isolamento e as outras a lugares visitados pelo autor nos últimos anos, os tradutores que o acompanharam e os próprios livros que escreveu. É uma poesia que beira a prosa essa contida em Regresso a casa, assim mesmo, com a grafia em português de Portugal. A fronteira entre os gêneros não importa muito para Peixoto. “A fronteira principal é a intenção. Ao definir-se um texto como poesia está a conferir-se-lhe o valor da poesia. Estamos num ponto da história da literatura em que a literatura já destruiu praticamente todos os moldes que lhe quiseram impor. A intenção de quem escreve, assim como os seus conceitos pessoais, são as únicas fronteiras que me parecem defensáveis”, avisa.
Como o livro nasceu diretamente da pandemia, o autor quis que um capítulo se referisse a essa angústia do isolamento e da falta de perspectiva. Em Quarentena, todos os versos se referem a essa situação. São poemas que incluem a data em que foram terminados, uma marcação para selarem as referências concretas que mencionam. “A partir daí, o livro foi-se dirigindo para uma reflexão mais abrangente, ligada à ideia de casa. Creio que também essa reflexão deriva da pandemia, uma vez que esta situação tem posto em evidência vários aspetos que, antes, dávamos por adquiridos e que, agora, valorizamos de outro modo”, conta o autor, que confessa ter dificuldade em imaginar como será o mundo pós-pandêmico. “Na verdade, sinto que um dos aspetos claustrofóbicos daquilo que vivemos é a grande dificuldade de considerar o futuro. Uma das grandes adversidades que temos de ultrapassar é esta incerteza. Tudo isto nos limita a capacidade de sonhar.”
Há 12 anos Peixoto não publicava poesia. O primeiro livro de versos, A criança em ruínas, saiu em 2001 no país natal e em 2017 no Brasil. Depois, vieram mais dois, de modo que este Regresso é também um retorno ao gênero.
Regresso a casa
De José Luís Peixoto. Dublinense, 112 páginas. R$ 39,90
Para você, qual será a poesia pós-pandemia?
Espero que seja uma poesia que valorize o oxigênio. Tanto o concreto, aquele que respiramos, como os “oxigênios” metafóricos, aqueles que também nos permitem a vida no seu sentido mais profundo, como é o caso da liberdade e do respeito pelo outro, valores sinônimos numa sociedade desenvolvida e civilizada.
“O poema é como uma casa/ e a casa protege-nos”: a poesia também nos protege? Como?
A poesia protege-nos por nos chamar a atenção para aquilo que todos partilhamos: a nossa humanidade mais profunda. É daí que temos de partir para evoluir, para sermos ainda melhores, como indivíduos, como sociedade e como espécie.
“…não faço a barba há mais de um mês, transformo-me devagar em outra pessoa”: estamos todos nos transformando em outra pessoa?
A pandemia tem colocado em causa muitas certezas. A nível individual, há vários tipos de vivências mas creio que, a nível coletivo, se pode considerar como uma experiência traumatizante. Tenho esperança de que não esqueçamos as lições desta pandemia assim que notarmos alguns sinais de retoma. Essa é uma crença volátil, no entanto. Há dias em que me parece que vamos aprender muito pouco de tudo isto.
Como você está vivendo a pandemia? O que está sendo mais difícil?
Logo no início da pandemia, em abril de 2020, tive um amigo que faleceu com o vírus. A partir desse momento, tive a perceção do quando podemos perder. Desde então, felizmente, não tive casos sérios entre aqueles que me são mais próximos. Mas tenho muito claro que essa é uma possibilidade. Por isso, não tenho de que me queixar. Tenho aproveitado para estar com a família, para ler e para trabalhar. Terminei recentemente um romance e, também por isso, estou animado.
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