Florent-Claude é um engenheiro agrônomo que trabalhou para a Monsanto antes de se tornar quadro do ministério da Agricultura da França, órgão no qual está encarregado de ajudar pecuaristas e agricultores a lidar com a decadência anunciada pela livre circulação de mercadorias na Europa e suas consequências tarifárias. O personagem está perdido. Vive à base de antidepressivos que suprimem sua libido e acaba de encerrar um relacionamento depois de descobrir a participação da parceira em orgias sexuais que envolviam, inclusive, cães. Sim, há descrições precisas de sexo, uma especialidade de Houellebecq, também expert em criar imagens da decadência humana. O rompimento não é o motivo do desânimo de Florent-Claude, seu próprio vácuo existencial é que o atormenta. E Houellebecq mergulha nesse vazio com muita perversidade e algum humor em narrativa na qual o distanciamento dá uma dimensão trágica ao personagem, mesmo sendo o romance narrado em primeira pessoa. É outra especialidade do autor.
Nesse estado, ele decide abandonar o emprego, vender o apartamento em Paris e ir embora para a casa de um amigo agricultor cuja luta contra a falência é retrato de uma realidade que resultou em revoltas como as dos gilets jaunes. Não é, portanto, coincidência que, lá pelas tantas, o protagonista se veja envolvido em protestos violentos à beira de estradas com direito a reação policial, caos e mortes. Mas é outra a miséria de Laurent-Claude, que observa com desencanto e alguma ironia essa tentativa improdutiva dos agricultores de se manterem relevantes em um cenário global e real de desmantelamento do protecionismo. Uma coincidência literária nada inédita e que o jornal Libération observou com apreensão: o autor lançou Plataforma, que se encerra com um atentado terrorista em uma praia da Tailândia, poucos dias antes do 11 de setembro e Submissão, que imagina uma França sob domínio islâmico, no dia dos atentados do Charlie Hebdo (do qual foi capa, inclusive, na semana da tragédia).
“Eu poderia ter feito uma mulher feliz. Bem, duas: já disse quais. Tudo estava claro, muito claro, desde o começo: mas nós não reparamos. Teremos cedido às ilusões da liberdade individual, da vida aberta, das possibilidades infinitas? É possível, pois eram ideias do espírito da época: nós não as formulamos, não tínhamos interesse; afinal nos conformamos, nos adaptando a elas, deixando que nos destruam; e depois, durante muito tempo, padecendo por conta delas.”
A miséria do personagem está, em parte, em repassar a própria vida para chegar à conclusão de que não deu certo. Nesse périplo, ele revisita suas relações amorosas e chega à conclusão de que apenas uma única teria carregado alguma semente de felicidade. E é na impotência que ele desaba, depois de decidir forçar um reencontro com essa mulher e eliminar o que considera um empecilho para a felicidade dos dois: um filho de quatro anos. Dela, e não deles. Laurent-Claude não consegue dar cabo do menino. E não consegue promover o reencontro. Miserável, ele se recolhe e se acovarda no conforto da ideia de morrer. É, afinal de contas, sobre o amor o novo romance de Houellebecq. E a felicidade não está na Serotonina do título.
Serotonina
De Michel Houellebecq. Tradução; Ari Toriman e Paulina Wacht. Alfaguara, 238 páginas. R$ 59,90
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