Existe uma equação para o amor. Ou, mais precisamente, uma teoria dos conjuntos para o sentimento mais buscado e menos compreendido entre os seres humanos. E a filosofia pode ajudar a desvendá-lo. É o que Francis Wolff tenta em Não existe amor perfeito.
O filósofo francês, professor da École Normale Supérieure de Paris e da Universidade de São Paulo, propõe pensar no amor como um triângulo cujas pontas representem a amizade, o desejo e a paixão. Qualquer sentimento compreendido dentro dos limites da figura pode ser encarado como amor, mas é aí que mora a complexidade da coisa. Dentro das fronteiras do triângulo, há uma infinidade de formas de amar, uma quantidade gigantesca de pontinhos que representam os diferentes tipos de amor. E lidar com eles é quase tão complicado quanto lidar com as pontas do triângulo.
Não existe amor perfeito é pura filosofia, mas não daquelas herméticas. Em 122 páginas, Wolf vai da geometria à literatura, passando obviamente pela filosofia, para tentar uma explicação clara e objetiva para o mais cobiçado dos sentimentos. Para ele, amar é uma combinação de amizade, desejo e paixão. Às vezes, pendemos mais para um lado, outras vezes nos aproximamos de outro. A combinação equilibrada dos três é raríssima e não existe uma maneira estática de amar. Pode-se amar de maneiras diferentes um mesmo objeto ao longo do tempo. Essa instabilidade dificulta a tentativa de descrição e é aí que entra o poder da filosofia.
“Não amamos fulano como amamos sicrano e não amamos fulano hoje como o amaremos amanhã. Isso acontece porque os três componentes que penso constituírem o amor são derivados de três pólos opostos ao amor – amizade, desejo e paixão. E eles não têm o mesmo papel na vida humana. A amizade é a base mais elevada de nossas relações sociais com os outros, mas a paixão é uma situação excessiva que nos afeta e o desejo deriva do desejo animal, da reprodução sexual. Não há receita do amor. Há simplesmente combinações variáveis desses três componentes”
A filosofia é um exercício racional, conceitual e argumentativo sobre coisas que não são necessariamente conceituais e que estão mais para experiências vividas nem sempre de maneira clara e objetiva. Além disso, vivemos nossas experiências, obviamente, em primeira pessoa, de maneira nada conceitual. O êxito de Wolff é justamente conseguir realizar um exercício filosófico e colocar um pouco de racionalidade na nossa experiência empírica do mundo. Em Não existe amor perfeito, ele nos conduz a pensar que, de fato, a perfeição é impossível, mas a felicidade é totalmente acessível. É um contraponto para o famoso poema de Louis Aragon, cujo verso “il n’y a pas d’amour heureux” (“não existe amor feliz”) embalou o final da década de 1960 na voz de Françoise Hardy.
Wolf tem tido surpresas com esse livrinho, publicado no Brasil pelas Edições Sesc. O professor está surpreso com a reação dos jovens. “Há amores felizes, amores compartilhados, tragédias, comédias… Tentei não ser normativo. E tive muito retorno de jovens, que se disseram confortados porque não se reconheciam nas imagens de amor em geral. Tentei mostrar as variedades que constituem o amor e suas intersecções”, conta Wolf, em entrevista ao Leio de Tudo.
O texto do livro começou a ser moldado nos seminários ministrados na École Normale Supérieure e nasceu de um desafio: ele queria escrever um livro curto sobre um tema debatido por todos os pensadores e em toda a história da literatura e do cinema. E mais: queria conseguir definir um sentimento considerado pela filosofia como indefinível. “O amor varia de acordo com as pessoas, as circunstâncias históricas e sociais, por isso parece indefinível por excelência. Há sempre contraexemplos e, se não encontramos contraexemplos, significa que a definição é muito vaga. É um exercício de definir o amor de modo não normativo, mas capaz de inseri-lo em uma fórmula”, garante. A fórmula do amor, portanto, existe e a filosofia pode dar conta dela tanto quanto a química ou a física.
“Arrisco uma fórmula na qual o amor é uma fusão imperfeita de três componentes instáveis, três ingredientes heterogêneos, que são as tendências amicais, desejáveis e passionais. O triângulo tem um exterior e um interior. Tudo o que está no interior é o amor em múltiplas variedades temporais, pessoais, contextuais. A intenção amorosa que podemos ter em relação a alguém pode ir de um pólo ao outro, passeia e pode sair do triângulo. O que não é amor está no exterior e o que é, está no interior. E eu me divirto em falar também do que está nas beiradas, que chamo de amores defeituosos”
Não existe amor perfeito
De Francis Wolff. Tradução: Paulo Neves. Edições Sesc, 128 páginas. R$ 18