Exame de medicina igual o da OAB é uma solução simplista, diz Abem

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Por Eduarda Esposito — A criação do Exame Nacional de Medicina, nos moldes do exame da ordem aplicado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), não é um consenso entre as entidades ligadas à medicina no país. A Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), entidade com mais de 60 anos, acredita que o exame no final da graduação como forma de habilitar o formando para o exercício da profissão é “simplista” para um problema complexo. 

De acordo com a entidade, não há evidências suficientes na literatura científica que comprovem que a formação está piorando ou ruim. “Eles (outras entidades) têm certeza que a qualidade está ruim ou está piorando. E não tem de onde informar isso. Eu estou falando no lugar da Abem que estuda isso, trabalha com isso há 60 anos”, afirma o diretor vice-presidente da Abem, Estevão Toffoli Rodrigues. 

Para a Abem, alguns pontos precisam ser debatidos um pouco mais antes da criação do exame. São eles: qualidade da formação, número de médicos necessários no Brasil, responsabilidade da formação, e uma prova nos moldes da OAB. Para a Abem, faltam dados científicos que comprovem quantos médicos são necessários no país, e o motivo é a existência do Sistema Único de Saúde (SUS) — tendo em vista que nenhum outro país tem um SUS próprio ou permite que médicos trabalhem no sistema público e privado ao mesmo tempo. 

Críticas à prova da OAB

Quanto ao exame nos moldes da OAB, a Abem acredita que não é o melhor caminho porque, de acordo com a entidade, a prova piorou o setor da advocacia no Brasil. “Não há evidências de que o exame da OAB melhorou a formação em direito, pelo contrário, há evidências de que desde que o exame foi unificado em 1995, a formação em direito foi ‘desregulada’, levando a um aumento massivo no número de cursos (de 200 para 1200 em 29 anos), com menos de 10% deles tendo o selo de boa formação da OAB”, destaca Rodrigues. A entidade ressalta ainda que a taxa de aprovação no exame da OAB é muito baixa, em torno de 20%. “Se algo semelhante ocorresse na medicina, haveria um colapso do SUS, dada a imensa necessidade de profissionais”, pontua o diretor. 

Crédito: Maurenilson Freire

Além disso, a associação afirma que não há como comparar a medicina e o direito, porque um formando em direito consegue trabalhar em outras coisas sem a aprovação no exame da ordem. Os médicos formados, não conseguiriam trabalhar em nada, relativo à formação, caso reprovado no exame de medicina. “Um médico graduado sem poder exercer a medicina não tem nenhuma outra área para atuar, o que poderia levar ao exercício ilegal da profissão”, alerta Rodrigues. 

Consequências

Para a entidade, a criação de uma exame de proficiência ao final da graduação pode, além de levar ao exercício ilegal da profissão, ainda mais em locais remotos, transferir a responsabilidade da formação acadêmica para a vítima, que é o estudante, isentando a escola. “As instituições de ensino, que o formaram por anos, não teriam responsabilidade se ele não passasse. O exame autorizaria a “má formação”, pois as escolas não precisariam mais se preocupar tanto com a qualidade, já que haveria um filtro final”, argumenta. 

O exame poderia também alavancar os cursinhos preparatórios para a prova — como existe no caso da OAB —, que pode “distorcer” a formação médica, principalmente na fase do internato, onde são essenciais. E isso criaria uma lógica de iniquidade e vulnerabilidade social. “Os estudantes com mais recursos — geralmente brancos e ricos — teriam condições de pagar cursinhos, e aqueles que fizeram financiamento estudantil, como o FIES, e não passassem, teriam suas famílias comprometidas financeiramente, podendo levar ao exercício ilegal da medicina. O cara faz o financiamento que dá R$ 800 mil a R$ 1 milhão para pagar depois de formado e o estudante não passa na prova. O que acontece com a família dele? O que acontece com esse formando?”, questiona.

Prova da OAB da medicina: Setor que certificação para recém formados

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Por Eduarda Esposito — Entidades brasileiras de medicina reforçaram o apoio à criação de um Exame Nacional de Medicina durante almoço na Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) nesta terça-feira. representantes da Associação Médica Brasileira (AMB) e da Fesaúde-SP — sindicato ligado ao setor — estiveram presentes e trouxeram dados para subsidiar os parlamentares da frente no debate das duas matérias que tramitam no Congresso Nacional sobre o assunto. 

Atualmente, existem dois projetos, um no Senado e o outro na Câmara dos Deputados. O PL do senador Marcos Pontes (PL-SP) é tido como o melhor texto para ser levado adiante, já que ele estabelece as diretrizes de como funcionaria o exame para os recém-formados, e uma vez aprovado no Senado, o outro projeto seria apensado. 

Para o setor, a criação da “prova da OAB da medicina” é fundamental para combater alguns pontos: 

  • Deterioração da Qualidade da Formação Médica;
  • Aumento de Erros Médicos e Eventos Adversos Graves;
  • Proliferação Descontrolada de Escolas de Medicina;
  • Aumento de Processos Éticos e Judiciais.

Crescimento desenfreado

Dados do setor preocupam as entidades em relação ao futuro da medicina brasileira. De acordo com a AMB, desde a criação do programa Mais Médicos em 2013, “houve um descontrole total” na abertura de escolas de medicina. De 2014 a 2024, foram criados 205 novos cursos, além de 95 já aprovados judicialmente e 170 aguardando aprovação, podendo chegar a 700 escolas de medicina. A entidade afirma ainda que 92% das vagas foram criadas em escolas privadas. 

“Essa expansão não foi acompanhada de estrutura e recursos suficientes para avaliar as escolas, tampouco para garantir a qualidade da formação dos médicos. Há uma falta de professores qualificados com preparo didático-pedagógico e, criticamente, uma escassez de campos de estágio (internato) e vagas de residência médica. Muitos alunos são orientados a “se virar” para encontrar estágios”, afirmou o diretor científico da AMB e ex-diretor da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, José Eduardo. 

A defasagem entre o número de formandos (30-32 mil por ano) e as vagas de residência (16 mil por ano) significa que mais da metade dos médicos formados não têm a oportunidade de especialização, tornando-os “médicos despreparados porque as escolas são ruins e eles não têm a possibilidade de se complementar na residência médica”, afirmou o diretor. 

Pontos a melhorar

Como sugestões para melhorar a situação do setor estão a criação do Exame Nacional de Proficiência em Medicina; combate a programas de baixa eficiência; e proposta de plano de carreira como o que existe para juízes. O exame é visto como uma forma de avaliar a competência (conhecimento, habilidade e atitude) dos médicos formados e se inspira na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e no Conselho Federal de Contabilidade, que já utilizam exames de proficiência. 

O segundo ponto visa resistir a programas se estes não garantirem a devida qualidade na formação, alertando a sociedade para não ser “enganada” por soluções que priorizam o número de profissionais sobre a qualidade. E por fim, foi sugerida a criação de um plano de carreira para médicos, semelhante ao de juízes, para incentivar a atuação em regiões remotas, com o suporte de universidades federais para diagnóstico e complementação.