De cabeça para baixo

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Foto: Reprodução/X/@MarcioPochmann

 

Dizem, com propriedade, que a arte imita a vida. No caso da arte da cartografia, surgida por volta do ano 2.500 a.C. com os Sumérios e aperfeiçoada nas escolas de Alexandria e Atenas, essa arte foi talvez a mais importante desenvolvida pelo gênio humano para entender o mundo à volta, tornando possível sua exploração com mais segurança e objetivo.

Hoje tornou-se comum aceitar o fato de que a cartografia serve também para ilustrar não só a realidade física e topográfica do lugar, mas também sua realidade social, econômica, histórica e cultural, portanto trata-se de um campo complexo em constantes mudanças e que exige elaborada e rigorosa investigação científica.

Trata-se aqui de um retrato fiel ou fotografia do mundo como ele é, e não como querem alguns, para quem o mundo deve ser retratado como desejam governos e conceitos de plantão. No caso daqueles países virados de cabeça para baixo, não por ação da inversão dos polos magnéticos, mas pela inversão de valores, a cartografia pode servir também para tentar conferir uma nova e fantasiosa realidade bem ao gosto dos novos mandatários, para os quais a realidade é o que eles querem que seja. Deste ponto, chegamos ao Mapa do Brasil e do globo virados de cabeça para baixo e apresentados ao público pelo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, e a ex-presidente Dilma Rousseff.

Como resultado dessa empreitada geográfica, o Brasil ficou situado no centro do mundo, como o hemisfério Sul indo parar no topo. Para seu idealizador, a novidade visava ressaltar a atual liderança de nosso país em fóruns como os Brics e a COP 30 nesse ano. É tal da importância crescente do chamado Sul Global, que a novilíngua na atualidade significa destruir a hegemonia do dólar e dos Estados Unidos, substituído agora por outros players como a Rússia, China e outros parceiros dessa empreitada ideológica.

Para um país como o nosso, que está sendo virado pelo avesso, normalizando absurdos e indo de encontro ao que hoje é Cuba, Venezuela, Nicarágua e outros países do nosso continente, a reviravolta geográfica faz todo o sentido. Num país virado e cabeça para baixo, o povo é triste, as perspectivas são nulas e fazer oposição é risco de vida. Nada mais natural então do que apresentar o Brasil de cabeça para baixo.

Pochmann, com sua inteligência aguçada conseguiu o que muitos cartunistas nem pensavam: ilustrar um país na sua condição real de momento. O episódio do “mapa de cabeça para baixo” é um símbolo perfeito de uma era em que a percepção da realidade é disputada como nunca. A cartografia, que sempre foi uma ferramenta objetiva para representar o mundo, agora é usada como palco de convicções particulares e políticas. A inversão do mapa é um gesto que vai muito além do design gráfico: ele traduz uma tentativa de reescrever o papel do país no tabuleiro global, ainda que de forma simbólica. Ao ser apresentada como um ato de afirmação política, ela escancara uma tendência: a de usar símbolos e discursos para criar uma sensação de grandeza que não necessariamente corresponde à realidade socioeconômica do país.

Enquanto se fala em “liderança global” e na força do chamado “Sul Global”, o Brasil enfrenta algumas crises internas na área econômica, de segurança e de relações internacionais. A cartografia, nesse contexto, vira metáfora: ao colocar o Brasil no “alto do mapa”, tenta-se transmitir uma ideia de protagonismo que o cotidiano do cidadão comum não sente. Essa crítica faz sentido ao lembrar que, em um país onde valores estão sendo “invertidos”, no sentido de normalizar o absurdo, ver o mapa de cabeça para baixo soa como uma imagem fiel de um momento de distorções.

Talvez, o maior mérito dessa polêmica seja justamente o de escancarar, por meio de um símbolo simples, o quanto a realidade está sendo “desenhada” de acordo com certas conveniências. O Brasil, ao que parece, não está apenas no centro do mapa, mas no centro de uma inversão de valores, normalizando absurdos em suas tentativas de reescrever nossa história com tintas carregadas de tons cinzentos e vermelhos. Como já diziam alguns seres maléficos, a propaganda é a arte de fazer com que as pessoas esqueçam a realidade, acreditando numa mentira do tamanho do mundo, tornado palatável a revolução que os leve, sem protestos, a um governo autocrático capaz de enganar a tantos com tão pouco.

 

A frase que foi pronunciada:

“Não devo a ninguém minhas eleições, a não ser ao povo desse país”.

Lula em discurso ontem no Vale do Jequitinhonha

História de Brasília

O comércio de Brasília está atormentado com o numero de publicações clandestinas que vem circulando nesta capital. Como não poderia deixar de ser, a imprensa marrom está nestes casos, extorquinto dinheiro e impondo-se através de chantagens. (Publicado em 06.05.1962)

Marina clama no deserto

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Estrada construída para a COP30 em Belém que vai desmatar a Amazônia – Foto: Reprodução Blog BBC News

Com a aprovação pelo Congresso do projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental, a delicada questão do meio ambiente no Brasil ganha novos e perigosos elementos, podendo colocar o Brasil, mais uma vez, sob os olhares do mundo civilizado e, com isso, gerar mais empecilhos à aceitação dos produtos nacionais nos mercados externos, sobretudo, naqueles países da Europa que exigem certificado de que esses alimentos são produzidos sem ameaças ao ecossistema.

Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a aprovação dessa flexibilização “decepou a legislação sobre o assunto no Brasil”. Para ela, essas novas permissões não vieram para aperfeiçoar as leis que levem a ganhos ambientais. Os deputados simplesmente ignoraram as propostas de alterações feitas pela ministra, preferindo atender a bancadas dos ruralistas e a interesses do próprio governo, como são os casos dos ministros da Agricultura, Portos e Aeroportos e o ministro dos Transportes. O próprio governo preferiu não apresentar defesa dos pontos de vista da sua ministra, esquivando-se de uma posição em favor da defesa do meio ambiente.

Marina, como em outras oportunidades, ficou sem apoio do próprio governo que faz parte. A ministra é hoje, literalmente, uma voz solitária a clamar no deserto contra o avanço de um progresso que não olha ao redor, passando por cima de florestas e animais. Mas, devido à grande celeuma causada, é possível que essa aprovação vá também ser encaminhada à apreciação do Supremo Tribunal Federal. Há pouco menos de quatro meses para a realização da COP30, conferência de clima da ONU em Belém, essa flexibilização ou liberação geral surge quase como um deboche. Meses atrás, a ministra já se viu abandonada na questão da exploração de petróleo na Margem Equatorial, onde os riscos ambientais são imensos. A liberação de projetos estratégicos, como define o governo, parece ser o caminho escolhido pelos políticos em detrimento da defesa do nosso bioma.

Os sinais de desprestígio de Marina Silva não são novos, mas se tornaram mais evidentes nas últimas semanas. No episódio da flexibilização do licenciamento, ela foi completamente ignorada pelo Congresso e deixada de lado pelo próprio Palácio do Planalto. Nenhum ministro relevante, tampouco o presidente, saiu em sua defesa. Pelo contrário, setores do governo, como os ministérios da Agricultura (Carlos Fávaro), Transportes (Renan Filho) e Portos e Aeroportos (Silvio Costa Filho), atuaram ativamente em prol da aprovação do projeto, revelando uma escolha clara: entre desenvolvimento imediato e sustentabilidade, optou-se pelo primeiro. Esse desprezo já havia se mostrado antes, como no caso da tentativa de exploração de petróleo na Margem Equatorial. Mesmo diante de pareceres técnicos e científicos apontando os enormes riscos ecológicos de perfuração naquela área sensível, a pressão política e econômica falou mais alto. Marina, mais uma vez, ficou sozinha, como se sua presença no governo servisse mais a fins simbólicos do que operacionais. É o que se poderia chamar de “ambientalismo decorativo”.

O paradoxo é evidente: faltando menos de quatro meses para a realização da COP30, em Belém do Pará, o governo brasileiro se vê promovendo medidas que esvaziam completamente seu discurso ambiental no plano internacional. A conferência é uma das maiores vitrines diplomáticas do país, uma chance de mostrar liderança e comprometimento com as metas de descarbonização, conservação de biomas e justiça climática. No entanto, a liberação desmedida de obras classificadas como “estratégicas”, sem o devido rigor ambiental, enfraquece qualquer tentativa de credibilidade externa. Para países europeus que exigem rastreabilidade e responsabilidade ecológica na cadeia produtiva de alimentos como Alemanha, França e Holanda, a nova legislação brasileira é um sinal vermelho. Já há movimentos no Parlamento Europeu que discutem barreiras técnicas para produtos oriundos de países que desrespeitam princípios básicos de sustentabilidade. O Brasil, que já teve sua carne e soja embargadas por questões ambientais, pode voltar à lista de vilões do clima se continuar nessa direção.

A entrada da China como ator dominante na exploração mineral brasileira é outro ponto que expõe a fraqueza do Estado na defesa do meio ambiente. Diversas empresas chinesas, principalmente ligadas ao setor de mineração, têm intensificado sua atuação na Amazônia e no Cerrado, abrindo crateras e deixando rastros de destruição. Em estados como Pará, Maranhão e Mato Grosso, comunidades indígenas e quilombolas denunciam a atuação predatória de mineradoras que, com aval ou omissão do Estado brasileiro, atuam sem qualquer compromisso com a regeneração ambiental ou o bem-estar social. A busca por lítio, nióbio, ouro e terras raras, transforma o subsolo brasileiro em um novo “eldorado” para interesses estrangeiros, reproduzindo uma lógica colonial: extrai-se tudo, o lucro vai embora, e o que resta é a contaminação de rios, aumento de conflitos sociais e destruição irreversível da biodiversidade. Em nome do crescimento e da “soberania energética”, entrega-se o território ao saque legalizado.

O caso Marina Silva simboliza a crise da razão ambiental no Brasil. Enquanto os olhos internacionais voltam-se para nós com desconfiança, o governo se mostra incapaz de articular uma política ambiental coesa. Preferiu calar sua ministra em vez de ouvir a voz da prudência. Preferiu agradar aliados do agronegócio, do petróleo e da mineração a buscar equilíbrio entre progresso e preservação. Se o Brasil seguir nesse caminho, corre o risco de chegar à COP30 não como anfitrião de uma agenda verde, mas como réu no tribunal da história ambiental mundial. E Marina, por mais combativa que seja, não poderá evitar isso sozinha.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“O patrimônio natural é a base da nossa economia.”

Marina Silva

Foto: Rogério Cassimiro/ Divulgação

 

História de Brasília

A indústria nacional deve ter mais zelo na apresentação de suas publicações. No catálogo da Volkwagen brasileira há um clichê de cabeça para baixo. (Publicada em 06.05.1962)

A tábua de salvação do IOF

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O IOF é mais um imposto colocado nas costas dos cidadãos brasileiros. O governo conseguiu mais essa vitória ao recorrer ao STF para fazer valer o aumento nesse imposto, que é regulatório e não arrecadatório, como quer o Planalto. Em muitos países, esse tipo de imposto sequer existe, porque onera a produção como um todo e inibe investimentos. Esse é um ponto crucial da política tributária brasileira e levanta uma crítica legítima indiscutível: o uso indevido do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) como ferramenta arrecadatória, contrariando sua natureza original de instrumento regulatório.

Criado com a finalidade de regular a economia, o IOF atinge especialmente o mercado de crédito, câmbio, seguros e títulos. Em teoria, sua função é atuar como uma alavanca de política monetária, aumentando ou reduzindo custos de determinadas operações financeiras para conter ou estimular a atividade econômica, controlar a inflação, ou desincentivar a especulação. Não é, portanto, um imposto estruturalmente arrecadatório, como o IR ou o ICMS.

Nos últimos anos, porém, o IOF tem sido manipulado como uma válvula de escape fiscal, usada para elevar rapidamente a arrecadação diante de déficits públicos ou para cobrir rombos momentâneos no orçamento. Isso desvirtua sua essência e imputa um custo adicional injusto à população e às empresas, sobretudo as pequenas e médias, que dependem de crédito rotativo ou empréstimos para operar. Não se iludam: o aumento do IOF afeta diretamente o crédito pessoal e empresarial, elevando o custo final de financiamentos, empréstimos e operações de leasing; os cartões de crédito internacionais, que já têm taxas altíssimas de juros; o câmbio e investimentos estrangeiros, desestimulando a entrada de capital externo no país e os seguros, que encarecem custos logísticos e operacionais em vários setores.

Esses efeitos criam um ambiente hostil para o empreendedorismo e a inovação, e penalizam o consumo das famílias, que já convivem com carga tributária altíssima — mais de 33% do PIB. Em muitos países desenvolvidos, não há equivalente ao IOF. Ou, quando existe, não se presta ao papel de arrecadação, mas sim a regulações pontuais e temporárias. É o caso de países da OCDE, onde tributos são mais transparentes e previsíveis.

No Brasil, ao contrário, o IOF pode ser alterado por mera canetada do Executivo, o que causa insegurança jurídica. Acabar com o IOF tem sido uma das condições impostas pela OCDE para a entrada do país nesse bloco. Ao recorrer ao STF para manter o aumento do IOF, como tem feito seguidamente e com êxito, o governo desrespeita o espírito do imposto e contorna o debate legislativo, ferindo o princípio da legalidade tributária. É uma “vitória” institucional que, na prática, aumenta o peso sobre o cidadão comum e sufoca, mais uma vez, o setor produtivo, já tão penalizado nesse governo.

Como vem sendo usado e abusado, o IOF se tornou mais um imposto disfarçado, em uma estrutura já sobrecarregada de tributos. Seu uso indiscriminado demonstra o despreparo do governo em buscar soluções estruturais para o equilíbrio fiscal e reafirma a urgência de uma reforma tributária profunda, transparente e voltada à simplificação e à justiça fiscal.

Nesse sentido a tão esperada reforma tributária real, capaz de livrar o cidadão de uma das maiores cargas tributárias do planeta fica empurrada para um futuro distante e incerto. Especialistas em Direito Tributário como Luiz Bichara e Vanessa Canado (Insper) destacam que o IOF é um tributo extrafiscal, com natureza regulatória, mas que claramente foi usado para aumentar arrecadação e cobrir frustrações orçamentárias, o que configuraria desvio de finalidade e abuso do poder executivo.

Também os economistas Julio César Soares, Paula Pires e Bruna Fagundes ressaltam que o decreto ultrapassou a finalidade autorizada pela lei e pela Constituição, já que não houve justificativa regulatória, tornando-se uma manobra puramente arrecadatória. Economistas de mercado e acadêmicos, como é o caso de Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, afirma que usar o IOF para arrecadar “é um abuso de poder” que penaliza o crédito, especialmente de pequenas e médias empresas, e amplia desigualdades.

Também Felipe Salto (Warren Investimentos) aponta que o uso do IOF para arrecadar desvirtua sua função e deveria ser questionado judicialmente. Salto também destaca que a projeção de arrecadação crescente evidencia a mudança de propósito do imposto. Além disso, o  BTG Pactual alerta que o aumento do IOF tende a frear a economia ao elevar ainda mais o custo do crédito em um contexto de Selic alta (14,75%), ampliando os efeitos negativos sobre investimento e consumo.

O consenso geral aponta para a necessidade de ajustes estruturais através de reformas e racionalização dos gastos públicos, em vez de medidas transitórias que sobrecarregam o cidadão comum e, impreterivelmente acabam nos tribunais.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Neste mundo nada pode ser considerado certo, exceto a morte e os impostos.”

Benjamin Franklin

Benjamin Franklin. Imagem: Joseph Siffrein Duplessis, en.wikipedia.org

 

História de Brasília

Concluídos os prédios dos supermercados, é preciso não esquecer de que êles devem ser entregues ao público em pleno funcionamento, e que já estão fazendo falta. (Publicado em 06.05.1962)

IOF: um tiro no pé

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Charge: Gilmar Fraga / Agencia RBS

 

É sabido que o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é um tributo federal brasileiro instituído originalmente com o objetivo de regular o mercado financeiro, não de arrecadar recursos para o Estado. Ao longo do tempo, porém, seu uso foi desvirtuado, tomando-se cada vez mais uma ferramenta arrecadatória, especialmente em momentos de crise fiscal. O aumento recente do IOF, como tem sido amplamente discutido pela imprensa nacional, carrega uma série de desvantagens diretas e indiretas, sobretudo, para a população em geral e para os pequenos e médios empresários.
Instituído pela Lei nº 5.143, de 20 de outubro de 1966, e posteriormente regulamentado por diversas normas, o IOF é, atualmente, disciplinado pelo Decreto nº 6.306, de 14 de dezembro de 2007, com objetivos claros que visam, entre outras coisas, monitorar e regular a economia, controlando a oferta e demanda de crédito; servir como instrumento de política monetária e cambial, além de desestimular ou incentivar determinadas operações financeiras, conforme os objetivos macroeconômicos do governo. Isso é, quando o governo tem um programa econômico real, consistente e pré-estabelecido, o que absolutamente não é o caso presente.
Com o tempo, no entanto, o IOF passou a ser utilizado como uma ferramenta de arrecadação rápida, por incidir sobre operações financeiras comuns e de fácil mensuração, como são os empréstimos bancários, as compras com cartão de crédito no exterior, câmbio e transferências internacionais, além de seguros e operações de financiamento. Ao recorrer a esse imposto, transformando-o em ferramenta de arrecadação, o governo deixa claro que faltou planejamento efetivo na política macroeconômica e passa a recorrer a toda e quaisquer outras medidas de forma emergencial para sanar as dívidas em caixa.
As desvantagens no aumento do OIF são visíveis e começam por desestimular o crédito produtivo, afetando os pequenos e médios empresários, que dependem do crédito bancário para capital de giro ou investimentos. Esses são os mais afetados com esse aumento. Por outro lado, o aumento do custo efetivo total (CET) dos empréstimos passa a tornar operações inviáveis ou mais arriscadas, prejudicando a expansão de negócios, a geração de empregos e a formalização da economia. Existe ainda o perigo da redução do consumo. pois o aumento do IOF encarece operacões de crédito pessoal, como exibir financiamento de veículos, compras parceladas e crédito rotativo, reduzindo o consumo das famílias, que ainda são o motor importante da economia brasileira.
Existe ainda o perigo da fuga de capitais e menor investimento estrangeiro, pois o aumento da carga tributária sobre operações financeiras desestimula a entrada de capital de outros países, essencial para investimentos em infraestrutura, inovação e sustentabilidade. Tudo isso sem mencionar o custo oculto para a população, uma vez que o IOF é imperceptível para muitos, pois aparece embutido nas operações. Isso gera uma falsa sensação de que não há aumento de impostos, mas afeta diretamente a renda disponível das famílias, especialmente de baixa renda
Há também o chamado efeito cascata em preços e serviços, já que as empresas que dependem de crédito repassam esse custo ao consumidor final, o que pode pressionar a inflação, especialmente em setores como comércio, logística e serviços. O pior é que o governo prefere ignorar esses perigos e segue pressionando o Congresso para que vote esse aumento a toque de caixa. É preciso frisar que o IOF não é um imposto idealmente arrecadatório, pois sua natureza jurídica é regulatória. Seu uso recorrente como fonte de receita demonstra a fragilidade fiscal do Estado, ao invés de uma estratégia econômica sustentável. Também a elevação da alíquota, mesmo que temporária, gera instabilidade no ambiente de negócios e imprevisibilidade tributária, o que prejudica o planejamento empresarial e desestimula investimentos de longo prazo.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Alternativas precisam ser apresentadas porque o governo não quer e não vai mudar a meta”.

Simone Tebet

 

História de Brasília

O panorama napolitano de roupas ao vento nas janelas e nos corredores, outrora privilégio das quadras 409-10 já se estendeu à Asa Norte. O Bloco 42 comanda o espetáculo. (Publicada em  06.05.1962)

A independência de Galípolo

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Sede do Banco Central do Brasil, em Brasília (iStock)

 

Analistas do cenário econômico, das mais diversas tendências políticas, concordam que, em 2027, o Brasil poderá reviver uma crise financeira e fiscal sem precedentes, por causa do desequilíbrio nas contas do governo. Num cenário dessa magnitude, a posição do presidente do Banco Central, Galípolo, passa a ser o alvo da atenção geral. Nesse ponto, ele pode oscilar entre o que quer um governo, às vésperas das eleições de 2026, o que deseja o mercado e o que anseia a sociedade. Caso abandone a realidade em benefício da ficção, o estrago pode ser ainda maior.

Galípolo sabe disso. O nome dele está no jogo, é bom lembrar. Talvez, nada disso o abale e tire o seu sono. Galípolo, por inércia política, é a figura do xeque-mate de uma crise já precificada. É também um profissional que, com afinco, conhece a matemática financeira, uma ciência exata, onde os desaforos aos números não são permitidos. Na posição de presidente do BC, Galípolo sabe que escalou o topo da carreira nessa área. E como tal é o comandante em chefe dessa nau Brasil desgovernada. Temos assim o script completo de um país à deriva em sua governança econômica, mas que, no leme, está agora o presidente do Banco Central.

Muitos o veem como uma figura-chave diante dos riscos de um colapso fiscal e financeiro de grande monta. Oscilar entre o que deseja o governo, o que exige o mercado e o que espera a sociedade, não é novidade, mas adquire uma dimensão crítica em períodos de instabilidade. Nessa encruzilhada, torna-se ainda mais evidente a necessidade de um Banco Central plenamente independente, blindado contra pressões políticas de curto prazo, especialmente em anos eleitorais como o de 2026.

A Lei Complementar nº 179, de 2021, que conferiu, ao Banco Central do Brasil, autonomia formal, foi um passo importante na institucionalização dessa independência. Porém, como indica o texto, na prática, essa autonomia é sempre desafiada quando o presidente da instituição se vê entre as engrenagens de interesses contraditórios. Galípolo, com formação sólida em economia e perfil técnico, representa a racionalidade diante da política fiscal, muitas vezes guiada por conveniências eleitorais. O risco de “abandonar a realidade em benefício da ficção” é um aviso contundente: o populismo econômico, disfarçado de programa político, tende a produzir distorções que não resistem à matemática dos juros, da dívida e do déficit. E aqui reside o valor estratégico da independência do BC: proteger a política monetária de aventuras irresponsáveis, sustentando credibilidade, combatendo a inflação e defendendo o real.

Quando se diz que Galípolo “é o xeque-mate de uma crise já precificada”, é possível entender também que, diante da iminência de desequilíbrios fiscais, a autoridade monetária é o último bastião da confiança. Se essa barreira for rompida por interferências políticas, os danos não serão apenas econômicos, mas institucionais. O país voltaria a um ciclo vicioso de descrença, fuga de capitais e deterioração macroeconômica. Por isso torna-se crucial reafirmar e preservar a independência do Banco Central.

Num Brasil onde os ciclos políticos são voláteis e a tentação de manipular variáveis econômicas para fins eleitorais é permanente, manter essa instituição técnica blindada é uma salvaguarda da própria democracia e da estabilidade econômica futura. No Brasil, entre os anos 80 e início dos 90, a coisa era mais preocupante. Antes da autonomia formal do Banco Central, o Brasil enfrentava hiperinflação, com picos como 84% ao mês em 1990. Governos usavam emissão de moeda e manipulação de juros para cobrir déficits públicos, uma prática desastrosa que corroía os salários e a confiança institucional. A estabilização só começou com o Plano Real (1994), quando o Banco Central passou a adotar uma postura mais técnica e coordenada com metas de inflação.

Aprovada em fevereiro de 2021, a Lei Complementar nº 179 conferiu ao Banco Central do Brasil autonomia formal, com os seguintes pilares de mandato fixo e não coincidente com o presidente da República (4 anos, renovável uma vez). Blindagem contra demissão sem justa causa; estabelecimento legal de metas de inflação como principal objetivo da política monetária e autonomia operacional para tomar decisões sobre taxa de juros (Selic), controle de liquidez e supervisão do sistema financeiro. Desde a autonomia, o Brasil tem conseguido manter a inflação dentro da meta em 2023-2024 (mesmo com pressões externas), e a política monetária tem sido mais previsível aos olhos dos investidores.

 

 

 

A frase que foi pronunciada:

“A economia de mercado é mais eficiente na seleção natural dos indivíduos do que a política ou a natureza.”

Ludwig Von Mises

Ludwig Von Mises. Foto: Divulgação

 

História de Brasília

O belo trabalho do sr. Geraldo Carneiro: o Banco do Brasil autorizou a instalação de uma agência em Taguatinga. (Publicada em 05.05.1962)

Crônica de um espantalho bem alimentado

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Imagem: Blog do Ari Cunha (criada com IA)

 

Diz-se que certas plantações prosperam mesmo em solos áridos, desde que bem irrigadas — mas há de se observar quem recebe a água. Em tempos de escassez, enquanto lavouras inteiras secam sob o sol impiedoso, há sempre um espantalho no meio do campo, robusto e muito bem alimentado. Dizem que ele serve para proteger, mas há quem suspeite que sua fome é insaciável.

Setembro passou e, com ele, veio a notícia de mais um recorde de “colheita”. Os celeiros estatais encheram como nunca, e houve quem comemorasse o feito como uma epopeia fiscal. Foi dito que jamais se viu tanto grão arrecadado em tão curto tempo. Mas o agricultor comum, aquele que planta no braço e colhe no suor, não parece ter participado da festa.

Num campo onde a responsabilidade pela terra foi trocada por planos mirabolantes de fertilização ideológica, o que se planta hoje são ilusões e o que se colhe amanhã são déficits. A abundância nas mãos do espantalho não reflete, infelizmente, a fartura no prato do povo. E quando a balança pesa para um lado só, a própria terra geme.

O curioso é que, mesmo com as cestas cheias de tributos, os armazéns nacionais continuam no vermelho. A explicação, segundo os que tudo sabem e nada explicam, seria o custo inevitável de manter o campo em “progresso”. O detalhe incômodo é que o progresso insiste em não chegar. Pelo contrário: o vento sopra mais frio, os insumos encarecem, e o povo recorre a velhas técnicas de sobrevivência — como plantar em silêncio, negociar sem recibo, e manter distância dos fiscais do espantalho. Números bem projetados nunca mentem. Mas podem ser ignorados, distorcidos, ou simplesmente ridicularizados. Afinal, já se tornou moda ajustar a lógica às crenças, e não o contrário. Por isso, quando o relógio econômico atrasa, dizem que é o tempo que está errado.

Enquanto isso, milhões de pequenos lavradores estão em dívida com o mercado, com o banco, com o vizinho — e até com o próprio guarda-roupa. A inadimplência atinge patamares tão vastos que, se fosse terra, seria um país. Sem crédito e sem chão firme, o consumo mingua, a produção trava, e o país parece girar num moinho vazio.

Há rumores de que o próximo ciclo será ainda mais severo. Mas os homens da enxada, que há muito deixaram de acreditar em promessas de safra farta, já tratam de construir abrigo com o que têm. E cada vez mais gente prefere plantar fora do campo oficial, longe dos olhos sempre atentos e da mão sempre estendida do espantalho.

É verdade que todo sistema de cultivo precisa de regras. Mas quando o imposto sobre a semente é maior do que o valor da colheita, não é difícil entender por que tanta gente larga a terra. A competitividade evapora como orvalho ao meio-dia, e os frutos que sobram não encontram mercado que os valorize. O Brasil, um pomar de riquezas naturais, torna-se pálido diante da concorrência estrangeira — sufocado, não por pragas, mas por sua própria condução.

No fim dessa estrada poeirenta, a desigualdade brota como erva daninha. E onde há fome e desesperança, a violência cresce como mato entre os paralelepípedos. Não é magia, nem surpresa: é só a velha e previsível consequência do descuido com a terra, da ganância do espantalho e da crença cega de que números são ideológicos. A colheita foi farta — para alguns. Para os demais, restam as migalhas e o silêncio.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“A política é a arte de procurar problemas, encontrá-los em todo lugar, diagnosticá-los incorretamente e aplicar os remédios errados.”

Groucho Marx

Groucho Marx. Foto: GettyImages (Gene Lester)

 

ID

Dessa vez, os parlamentares estavam discutindo a lei que estende, para todas as pessoas com deficiência, a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre a aquisição de automóveis. Autoria do senador Romário e relatoria do senador Esperidião Amin. Enquanto isso, o senador Marcos Rogério indagou a razão de seu voto não ter sido contabilizado. O senador Omar Aziz apontou que era a digital, o problema. Deve ter desgastado um pouco, disse o senador Marcos Rogério olhando para o dedo.

Imagem: icarros.com

 

Delegados

Antes da leitura de uma PEC, a então senadora Simone Tebet prometeu não tocar mais a campainha que interrompia os oradores. Havia muita gente desrespeitosa na sessão. Prontamente, o senador Esperidião Amin apontou para o Major Olimpio e o Senador Alessandro. “Eles são delegados! Podem resolver!” O senador Alessandro buscou mais um. “Contarato também.” Delegado é o que não falta por aqui. Arrancaram risadas de um ambiente pesado.

 

História de Brasília

O DAC cortou uma frequência da saída para São Paulo. É a linha mais barata (45% de desconto), que passará a ter somente três voos por semana. A Real, entretanto, com o mesmo equipamento, tem sete voos semanais. (Publicada em 05.05.1962)

Leões e cordeiros

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Charge do Baggi

 

Há países onde a política se parece menos com um pacto social e mais com um teatro repetido: os atores não mudam, os cenários se deterioram e a plateia já nem aplaude. Em uma dessas nações vizinhas, marcada por décadas de improviso institucional, surgiu, recentemente, uma voz dissonante. Um personagem que não saiu do camarim habitual da política, mas dos bastidores da crítica radical. Sua retórica era direta, sua proposta, disruptiva: o palco precisava ruir para que se pudesse construir um novo espaço de representação.

Ele começou sua reforma por onde poucos ousam: pela simbologia do poder. Disse, com franqueza desconcertante, que ninguém representa mais do que aquele a quem representa. Como num mercado, o derivativo não pode valer mais do que o ativo. Ou seja, o político não pode custar mais caro do que o povo que o sustenta. Essa máxima — simples, porém subversiva para certos círculos — tornou-se eixo de sua proposta. Redefiniu a lógica do serviço público como um espaço de responsabilidade, e não como um pedestal.

Ao observarmos o que se passa por lá, é difícil não notar o abismo entre aquele movimento de enxugamento institucional e outras realidades onde o Estado se agiganta não para amparar, mas para dominar. O novo dirigente iniciou cortes drásticos: ministérios fundidos ou extintos, contratos revistos, subsídios revogados. A máquina pública deixou de ser monumento de privilégios para ser submetida à regra do equilíbrio. Um ajuste fiscal profundo foi aplicado, com cortes em obras, cargos e repasses que, por anos, serviram a interesses cruzados.

Não se trata de um simples programa de contenção de gastos, mas de uma tentativa de refundar o edifício institucional sobre bases menos clientelistas. E, curiosamente, é justamente isso que tem causado escândalo. Porque, onde se havia normalizado o excesso, a austeridade soa quase como heresia. O desconforto que essas mudanças têm provocado é, em si, revelador: expõe a dependência de muitos grupos à gordura do Estado.

Entre os alvos, estão estruturas sindicais que, por muito tempo, funcionaram como satélites de poder, mais interessados na perpetuação de sua influência do que na defesa do trabalho real. Há quem veja, nesse embate, ecos de outras geografias: sistemas onde o sindicalismo se tornou braço de partidos, e os partidos, extensões de projetos pessoais. O paralelo não é forçado. O líder vizinho reconheceu essas estruturas como parte da engrenagem que emperrou seu país e propôs reformas para flexibilizar, modernizar e desburocratizar relações de trabalho.

No plano simbólico, cortou também regalias históricas: pensões especiais, carros oficiais, gabinetes inchados. Propôs que o erro político deixasse de ser custo social e passasse a ser ônus individual. Ou seja: quem erra, paga. Como em qualquer outra profissão. Isso, claro, desafia o pacto informal da impunidade, que vigora em muitas democracias capturadas por seus representantes. Afinal, exigir do político o mesmo sacrifício que se exige do cidadão comum é, para muitos, uma afronta.

O mais curioso, porém, é que essa nova liderança não se vende como herói. Seu discurso é o do sacrifício, não da redenção. Seu projeto não é a conciliação de forças, mas o enfrentamento direto das distorções. Isso lhe rendeu inimigos poderosos, resistência parlamentar e uma tempestade midiática. Mas também lhe garantiu apoio popular entre aqueles que, cansados da linguagem pasteurizada da política tradicional, encontraram nele um eco de suas próprias frustrações.

Há muito a ser provado, e o caminho está longe de ser pacífico. As medidas são duras, e os efeitos sociais podem ser profundos. Mas ignorar o diagnóstico seria perpetuar o colapso. A crise daquele país não começou com esse governo; ela foi gestada por décadas de populismo fiscal, aparelhamento institucional e desprezo pela responsabilidade. O novo dirigente apenas decidiu não fingir mais que não vê.

Enquanto isso, em outros cantos, a lógica se mantém invertida. O Estado continua a crescer enquanto os serviços públicos encolhem. Os representantes se isolam em suas fortalezas burocráticas, enquanto a população se debate com a ineficiência. E as reformas estruturais continuam sempre “para depois”, como se houvesse tempo eterno para resolver o insustentável.

O que acontece ali — nesse vizinho barulhento e em convulsão — é, talvez, o prenúncio do que outros também terão de enfrentar. Porque o modelo da abundância política em tempos de escassez social chegou ao seu limite histórico. E quando o leão já não defende o rebanho, mas o devora, os cordeiros — mais cedo ou mais tarde — deixam de confiar no cercado.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente.”

Sócrates

Sócrates – A estátua de Sócrates na Academia de Atenas. Obra de Leonidas Drosis (d. 1880). Foto: wikipedia.org

 

História de Brasília

A Universidade de Brasília solicitou ao IAPI e êste à Novacap para que sejam abertas fossas “provisórias” para os blocos 4 e 7 da superquadra 305. Nada mais absurdo. Ou muda tudo ou não deve haver privilégio em detrimento de outros. (Publicada em 05.05.2025)

Leviatã precisa de dieta

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Charge do Bob Gorrell

 

Em tempos de desconfiança nas instituições e de descrença nos sistemas de representação, volta à tona uma velha e incômoda pergunta: qual o tamanho ideal do Estado? A questão, embora repetida à exaustão em debates acadêmicos e palanques eleitorais, permanece viva porque diz respeito ao cotidiano mais imediato do cidadão — aquele que trabalha, paga impostos e assiste, impotente, ao inchaço de uma máquina pública que parece crescer às suas custas.

A Física nos ensina que um objeto só pode ser compreendido em relação a outros — sua massa, velocidade, força. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à relação entre o indivíduo e o Estado. Quanto maior e mais intrusivo for o aparato estatal, menor, proporcionalmente, será o espaço reservado ao cidadão comum. O crescimento desmedido do Estado tem o efeito colateral perverso de apequenar o indivíduo diante de uma engrenagem insaciável, que tudo absorve, consome e transforma em burocracia.

Um Estado hipertrofiado tende a reduzir seus habitantes à condição de operários invisíveis — inicia-se a busca insana por tributos, exigências e normas que não cessam de se multiplicar. Trabalhadores que alimentam, dia após dia, um Leviatã insaciável, que promete proteção, mas entrega vigilância; que acena com igualdade, mas cultiva privilégios; que proclama o bem comum, mas serve a interesses muito particulares.

A promessa do Estado provedor, muitas vezes embalada em retórica paternalista, costuma ser o primeiro passo rumo à servidão moderna. O cidadão é transformado em súdito. Seu papel se restringe a sustentar uma elite política que se arroga o direito de decidir o que é melhor para todos, ainda que esse “melhor” se revele, na prática, um sistema excludente, ineficiente e autorreferente.

Não é preciso buscar exemplos em livros de história. Basta olhar ao redor. Países como China, Rússia e Coreia do Norte oferecem retratos contemporâneos de Estados colossais que mantêm suas populações sob controle rigoroso, enquanto investem somas bilionárias em armamentos, propaganda e repressão. Em tais regimes, faltam antibióticos, alimentos e saneamento básico. Mas sobram recursos para vigiar, punir e esmagar dissidências. É a lógica da metástase: quanto mais cresce o tumor, mais se alastra e consome os tecidos saudáveis em torno.

No Brasil, embora a democracia formal esteja preservada, o peso do Estado também se faz sentir com força. A carga tributária escorchante, os serviços públicos ineficientes, a burocracia kafkiana e a concentração de poder nas mãos de castas tecnocráticas são sintomas de uma mesma doença: o culto ao gigantismo estatal. Um modelo que favorece os que estão no topo da pirâmide, enquanto empurra a maioria para a base, onde resta apenas sustentar, com esforço e resignação, os privilégios dos poucos.

A ilusão de que mais Estado significa mais justiça social já levou nações inteiras ao colapso. A concentração de poder, por mais bem-intencionada que se apresente, inevitavelmente, degenera em abuso. E quando o formigueiro se torna inquieto, quando as vozes dissonantes ameaçam romper o conformismo, não faltam defensores da ordem prontos a aplicar “formicidas” — seja na forma de repressão direta, seja por meio da asfixia econômica e do silenciamento institucional.

É preciso, portanto, recolocar o indivíduo no centro da equação política. Não se trata de demonizar o Estado ou propor sua extinção, mas de redimensioná-lo. Um Estado necessário, mas não onipresente. Protetor, mas não carcereiro. Servidor, e não senhor. A liberdade, essa palavra tão desgastada quanto vital, começa por aí: no equilíbrio entre o necessário amparo estatal e a imprescindível autonomia do cidadão.

Toda vez que o Estado se agiganta além da medida, o cidadão mingua. E quando já não há espaço para a liberdade, as formigas assanhadas só têm dois caminhos: resignar-se à caverna… ou começar a cavar sua saída.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“O indivíduo é apenas receptor de regras e modo de viver da sociedade da qual faz parte” e “Nosso egoísmo é, em grande parte, produto da sociedade”.

Emile Durkheim

Émile Durkheim. Foto: wikipedia.org

 

Desperdício

Quem passa perto da UnB pelo prédio da antiga Telebras não compreende o desperdício. Um prédio inteiro abandonado com capacidade latente para várias opções. Centro de estudos, biblioteca pública ou mesmo abrigar outro órgão que esteja pagando aluguel.

 

 

História de Brasília

Trinta e quatro funcionários da Novacap estavam à disposição do Hospital Distrital. Pediram retorno, e estão à disposição da Novacap, que não os recebe mais. Há entretanto, a informação de que cinco já foram aceitos de volta. (Publicada em 05.05.1962)

A força da novilíngua

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Charge do Schmoch para a Revista Oeste

Em termos médicos, a anemia (CID 10) é uma condição patológica em que o corpo apresenta uma sensível redução na capacidade de transportar oxigênio para o organismo. Geralmente, esse fator ocorre por falta de hemoglobina ou de glóbulos vermelhos. Os sintomas dessa condição incluem fraqueza, lentidão, apatia e baixa resistência — características que, levadas para o campo político e institucional do momento, podem descrever, com certa clareza médica, um país com instituições enfraquecidas, democracia esvaziada e, sobretudo, pouca capacidade de reação da sociedade civil.

No campo da ciência política, esse termo tem sido cada vez mais utilizado, principalmente, quando se verifica um declínio acelerado do país em todas as áreas, na economia, e com todos seus desdobramentos para a sociedade, que a tudo assiste com um misto de medo e impassividade, são os primeiros passos para uma outra enfermidade política, dessa vez com a grafia parecida: a anomia, conforme descrito tanto no pensamento de Durkheim quanto de Merton, “explora a desintegração social e as consequências para o comportamento individual” ou seja, sem lei, sem normas.

Anemia institucional incide em todo o aparelho de Estado, com órgãos de controle e equilíbrio de poder (como o Legislativo e o Judiciário) apresentam baixa vitalidade e autonomia, funcionando de forma pouco responsiva ou servil ao Executivo ou ao STF. Isso é um fato. O desequilíbrio dos Poderes é outro. Por sua vez, a anemia cívica, como demonstrada pela sociedade civil, apresenta um quadro de apatia ou cansaço, com baixo engajamento dos cidadãos, talvez por descrença na eficácia das instituições ou, simplesmente, por medo da repressão simbólica e legal. A anemia democrática vem a seguir, com o processo democrático perdendo sua substância, o pluralismo de ideias sendo sufocado. E aí por diante.

Daí, decorrem os processos de imposição de regras do novo jogo político, todos orientados para favorecer um projeto de poder. Nessa altura dos acontecimentos, a Constituição é substituída por uma novíssima interpretação, uma “novilíngua” com sentido próprio.

Como ocorre com a instalação de toda doença perigosa, a anemia do Estado irá nos conduzir a um fechamento político lento e gradual. Diferente da expressão ecoada pela ditadura militar, que falava em redemocratização “lenta, gradual e segura”, e que visava repor o país nos trilhos da normalidade política, o lento fechamento, que se assiste agora, nos leva no caminho inverso, em direção, talvez, a uma espécie de comunismo dos anos cinquenta.

Essa crítica vem ganhando força entre analistas políticos, especialmente da direita e do centro-direita, diante de certos movimentos de concentração de poder. O papel do Executivo, no caso do governo Lula, mostra em que direção vamos. O governo tem buscado centralizar decisões, principalmente, por meio de medidas provisórias e uso intenso de decretos. Paralelo a esse novo e obsoleto modelo, vamos presenciando a ocupação de cargos-chave por figuras ideologicamente alinhadas (ex: Fundação Palmares, Ancine, agências reguladoras, Petrobras) é vista por críticos como efetivo aparelhamento do Estado.

A reforma econômica e social segue com seu conhecido viés estatizante. Sem estatais, a existência de grupos políticos dessa natureza ideológica é inviável. A reindustrialização, promovida via BNDES e estatais pode ser vista como um retorno à política desenvolvimentista, típica dos modelos falidos de governos passados. A retomada de programas como o PAC, com pouca transparência na execução em alguns casos, demonstra esse modelo estatista. As narrativas maniqueístas passam a fazer parte do cotidiano desses grupos. Veja o caso de declarações de autoridades dos aliados que tratam a oposição como “inimigos da democracia” ou “terroristas” ou, simplesmente, extrema-direita, indicando assim um endurecimento discursivo.

Nesse banzé caboclo, o papel do STF é fundamental como “poder garantidor”, expandido sua atuação. O Supremo tem exercido um papel central na mediação da política, mesclando competências do Legislativo em assuntos como criminalização de condutas, decisões sobre tributos, aborto, drogas e outros. Ministros do Supremo assumiram protagonismo inédito, especialmente em temas ligados à segurança institucional, desinformação e censura.

No  caso do relacionamento estreito entre o Executivo e o Judiciário, o que se observa é a formação de uma espécie de consórcio simbiótico colocando o sistema de freios e contrapesos em perigo. A união desses poderes como está é um fenômeno, para dizer o mínimo, atípico e preocupante. Na sua origem, a atual crise institucional tem, na indicação e escolha de ministros para a alta Corte, seu fator primário e fundamental, trazendo, para dentro do judiciário, os ventos malcheirosos de ideologias políticas.

 

 

A frase que foi pronunciada:

Numa ditadura, não daria para fazer uma passeata pela democracia. Na democracia, você pode fazer uma passeata pedindo a ditadura.

Mario Sergio Cortella

 

 

História de Brasília

Isso quer dizer: há professôras que alugaram seus apartamentos e foram morar coletivamente com outras companheiras. Há professôras que casaram, residem no apartamento do esposo e alugaram o apartamento que lhe foi destinado. (Publicada em 05.05.1962)

A dormência moral de um povo: da indignação à apatia

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Foto: veja.abril.com

Houve um tempo em que a corrupção, ao vir à tona, ainda provocava náusea. O escândalo, quando exposto, gerava, no brasileiro médio, um sentimento de traição – como se houvesse sido pessoalmente lesado por um pacto quebrado entre governantes e governados. Em 16 de agosto de 1992, bastou que a imprensa revelasse um esquema de propinas envolvendo o presidente Fernando Collor para que se assistisse a um espetáculo coletivo de rejeição moral: Collor conclamou que o povo brasileiro se manifestasse a favor de seu mandato e vestisse verde e amarelo. O povo, envergando preto, saiu às ruas em passeata fúnebre pela democracia. O símbolo máximo daquela indignação foi o esvaziamento simbólico do Palácio da Alvorada – móveis retirados e expostos no jardim como um inventário público da queda. Uma imagem poderosa o suficiente para gravar-se no imaginário nacional. A moral ainda era uma força política.

Há algo de profundamente revelador no modo como uma sociedade reage — ou não reage — ao seu próprio espólio. A história recente do Brasil oferece um contraste gritante entre duas épocas e dois escândalos: de um lado, a comoção nacional provocada por um carro popular — um Fiat Elba — e por uma reforma paisagística na Casa da Dinda; de outro, o silêncio espesso diante do furto sistemático de bilhões de reais do Instituto Nacional do Seguro Social, o último reduto da esperança para milhões de brasileiros que ainda acreditam envelhecer com dignidade.

Em 1992, Fernando Collor foi derrubado não apenas por seus atos, mas pela capacidade de indignação de um povo que, até então, ainda parecia reconhecer a gravidade simbólica do abuso. A apreensão do Fiat Elba, cuja compra fora vinculada ao tesoureiro de campanha Paulo César Farias, funcionou como um estopim moral. Comparemos esse episódio a outro, recente, cujas proporções financeiras fazem do escândalo Collor um delito pueril: a fraude desvendada pela Operação Sem Desconto, que expôs um rombo de R$ 6,3 bilhões nos cofres do INSS. Sim, bilhões — com “b”. O equivalente a dezenas de milhares de Fiat Elbas, saqueados com método e precisão ao longo de cinco anos.

O critério de comparação já não serve, pois perdeu sua escala. A régua moral com que se mediam os escândalos do passado tornou-se obsoleta diante da magnitude abissal dos saques recentes. É preciso substituir o referencial: já não estamos lidando com desvios pontuais, mas com uma pilhagem institucionalizada que se equipara — se somados os escândalos do mensalão, petrolão e INSS — à drenagem de ouro perpetrada pela Coroa Portuguesa ao longo de três séculos de colonização. A corrupção contemporânea não apenas rivaliza com o saque colonial — ela o atualiza, o automatiza e o blinda sob o verniz da legalidade republicana.

O povo brasileiro, submetido há décadas a uma repetição incessante de escândalos, tornou-se refratário ao espanto. A corrupção deixou de ser a exceção e passou a ser a regra – e como toda regra internalizada, deixou de provocar indignação. O cidadão comum já não acredita na eficácia da denúncia, nem na punição dos culpados. A desconfiança não gera revolta, mas apatia.

Esse fenômeno tem nome: dessensibilização moral. É o processo pelo qual a exposição contínua ao escândalo mina a capacidade de julgamento ético. Em contextos de guerra ou de catástrofes humanitárias, esse entorpecimento psíquico costuma ser estudado sob o nome de “fadiga de compaixão”. No Brasil, o que se observa é uma “fadiga de indignação”: o sujeito já não reage ao grotesco porque aprendeu a conviver com ele. E nisso, reside o triunfo dos maus: não na vitória ideológica, mas na exaustão emocional do adversário. O que se vê é uma espécie de coma cívico, uma erosão progressiva da sensibilidade coletiva. O que antes indignava, agora apenas arranca um muxoxo resignado. A corrupção, em sua escala industrial, já não assusta — ela embota. Torna-se paisagem. O brasileiro, educado pela repetição da tragédia, aprendeu a viver entre os escombros como quem mora ao lado de um lixão: com as janelas fechadas e o nariz acostumado.

É preciso reconhecer que o golpe não é apenas financeiro; é simbólico. Se o confisco das poupanças em 1990 subtraiu, da classe média, um pedaço de sua autonomia, o assalto ao INSS hoje é mais perverso: rouba dos pobres a promessa do futuro. A aposentadoria, que deveria ser o amparo final de uma vida inteira de trabalho, tornou-se mais um jogo de azar num Estado que já não protege, apenas cobra.

Mas o que se torna verdadeiramente insuportável é o silêncio. A ausência de qualquer consequência política, a continuidade da máquina como se nada houvesse ocorrido, a blindagem dos envolvidos, a indiferença midiática — tudo isso compõe um retrato preciso do Brasil de hoje. Um país onde o escândalo perdeu o escândalo. Onde até a raiva foi domesticada.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Depois de tanto tempo, podemos juntos, desabafar”

Fernando Collor de Mello

Fernando Collor de Mello. Foto: VEJA/Dedoc

 

História de Brasília

O mesmo poderá ser feito na W1, no bambolê da Igrejinha onde quem ajuda as crianças é um motorista de idade, de cabeça branca, que dirige um Impala. Quando êle está no ponto, é quem controla o trânsito para defender as crianças. (Publicada 04.05.1962)