Salvem Dulcina

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Severino Francisco

Estamos em dramática contagem regressiva para um dos acontecimentos mais trágicos da história da cultura brasiliense e brasileira: o leilão do Teatro e da Faculdade Dulcina de Moares, marcado para quinta-feira. É preciso barrar esse ato desrazoado. O GDF precisa sair de uma postura burocrática de quem assiste a um drama do qual não tem nenhuma responsabilidade. É preciso evitar, urgentemente, esse desastre cultural.

O ministério da Cultura de Margareth Meneses também seria bem-vindo se se envolvesse com o problema que é distrital e nacional. Para Fernanda Montenegro, Dulcina de Moraes é a personalidade mais importante do teatro brasileiro no século 20. Era uma mulher extraordinária, abandonou o ápice da carreira de atriz, produtora e empresária para realizar o grande sonho de sua vida: fundar na nova capital uma Faculdade de Teatro que irradiaria a paixão pelas artes cênicas para todo o país.

E, embora os amigos dissessem que havia enlouquecido, ela não se intimidou e enfrentou alegremente todos os obstáculos, com a cara e a coragem. Aos trancos e barrancos, ela conseguiu erguer a sede da faculdade e do teatro que levam o seu nome, com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer.

Apesar da falta de apoio para realizar o projeto plenamente, as duas instituições formaram várias gerações de atores, diretores e arte-educadores, com presença marcante na cena cultural de Brasília e do país. No entanto, os investimentos insuficientes e os problemas de gestão levaram a Faculdade e o Teatro Dulcina a uma situação de crise quase que permanente. Mas, agora, não adiantam mea culpas, lamentações e réquiens. O projeto grandioso e generoso de Dulcina precisa ser salvo.

Na virada final da década de 1980, fomos surpreendidos com a notícia da venda do Cine Cultura, lugar histórico das sessões comentadas pelo crítico Paulo Emílio Sales Gomes, que culminaram no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o mais longevo evento da cidade. Sob as benções de Vladimir Carvalho e Athos Bulcão, as novas gerações de músicos, artistas plásticos e jornalistas se uniram em defesa do Cine Cultura.

Fui até o Rio de Janeiro e consegui trazer preciosos depoimentos de apoio de Oscar Niemeyer e Ferreira Gullar, o primeiro diretor da Fundação Cultural do DF. O pessoal da música organizou um grande show em uma pracinha da 506 Sul. A Terracap recuou, estrategicamente, engabelou e, quando os ânimos arrefeceram, vendeu o prédio. Um lugar carregado de história virou um depósito de qualquer coisas. É isso: os especuladores vencem, mas a cidade fica mais pobre culturalmente.

É inaceitável que isso se repita. Como é que o GDF tomba a Faculdade e o Teatro Dulcina como patrimônios culturais de Brasília e deixa que ele seja vendido em um leilão? Como é que se permite entrar em uma leilão um prédio construído por Oscar Niemeyer? Como é que se joga na lata de lixo toda a história do projeto de Dulcina de Moraes? Como é que se fecha um centro de formação e criação cultural ativo há várias décadas na cidade?

É preciso que o GDF e que o ministério da Cultura se unam em busca de uma solução. Como bem disse um dos atuais diretores da Fundação Dulcina de Moraes, o GDF poderia acionar o banco estatal, que gasta mais de 50 milhões com o Flamengo, e mobilizá-lo para criar no Setor Comercial Sul o Complexo Cultural BRB, a exemplo do CCBB, de presença tão essencial na cultura da cidade. Salvem o sonho de Dulcina de Moraes.

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