Pomar urbano

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Severino Francisco

Quando visitou o Plano Piloto no fim da década de 1970, Clarice Lispector escreveu que as árvores eram mirradinhas, pareciam de plástico. Eu gostaria que ela circulasse agora pela cidade para ver como a cidade-parque projetada por Lucio Costa floresceu e criou um verdadeiro calendário floral, que provoca enlevos e ameniza o calor das mudanças climáticas.

Mas, na verdade, existe uma disparidade enorme entre a situação do Plano Piloto e das cidades da periferia do DF do ponto de vista da arborização. Enquanto o Plano é um dos centros urbanos mais privilegiados do país, as outras regiões administrativas ocupam o desonroso segundo lugar entre os piores no plantio de árvores. Todavia, no quesito cerrado, mesmo o Plano Piloto poderia ter sido brindado por uma política mais planejada.

Para o pesquisador Marcelo Kuhlman, doutor em biologia pela Universidade de Brasília, a maior ameaça ao cerrado é o desconhecimento e a desvalorização. Por isso, ele propõe sejam plantadas árvores frutíferas nativas no Plano Piloto e nas cidades da periferia. Ainda há tempo e espaço? “Está passando da hora, mas ainda há tempo e espaço”, responde Marcelo.

Ele adverte que, certamente, esses plantios em áreas urbanas devem seguir um planejamento paisagístico e urbanístico. E, também, levar em conta que as espécies nativas crescem em um ritmo mais lento do que as plantas exóticas. É parte da natureza delas. Mas é preciso começar. Há um fator positivo: no DF existem inúmeros viveiros que comercializam mudas e sementes de espécies nativas.

Para conhecer, é preciso conviver. E, atualmente, isso só é possível em áreas restritas como o Jardim Botânico ou o Parque Nacional. É preciso que o cerrado seja parte integrante do cotidiano das pessoas, argumenta Marcelo, que é autor do livro Frutos e sementes do Cerrado (Ed. UnB).

Marcelo esclarece que é apaixonado por toda e qualquer espécie de planta e nada tem contra o plantio de espécies exóticas em áreas urbanas. Árvores frutíferas como mangueiras, jaqueiras, amoreiras, abacateiros e pitangueiras se adaptaram extremamente bem ao clima de Brasília e são uma benção por produzir enorme quantidade de frutos gratuitamente para os moradores da cidade.

Entretanto, no planejamento do plantio deveriam ser consideradas as espécies nativas do cerrado, porque elas possuem a vantagem de já estarem adaptadas ao clima e solo local, são riquíssimas em nutrientes e ainda servem de alimento para a fauna nativa, como diversas aves. Além disso, espécies como pequi, mangaba, araticum, jatobá, cagaita, murici e bacupari em áreas urbanas também valorizaria a flora local, que é patrimônio genético da nossa região.

Se a população desconhece as plantas que estão no seu quintal a tendência é que essas espécies caiam no esquecimento. É necessário que as espécies do cerrado estejam mais presentes no cotidiano da cidade. Claro que plantar árvores do cerrado nas cidades da periferia exigiriam estudos, pois elas não foram planejadas para abrigar as plantas. Mas essas utopias verdes precisam ser resgatadas em tempos de mudanças climáticas.

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