Passagens subterrâneas

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Severino Francisco

Gostaria de retomar o fio da meada de bela crônica de Maria Lúcia Verdi, publicada neste alto de página, sobre as passagens subterrâneas da cidade, com participação especial do poeta Francisco Alvim e de Clara Alvim, companheira de Chico e professora de literatura. A crônica revela uma interação muito rica dos artistas plásticos da cidade, que inscrevem murais nas paredes, com

abertura ao diálogo mais livre. Quem quiser conferir, pode ler o texto e ver as fotos no meu blog, sob o título Passagens e cidadania.

Algumas intervenções plásticas são requintadas, impactam pelo desenho e pela explosão de cores. Outras são inscritas nas paredes em formas geométricas, como se fossem imagens ancestrais gravadas nas cavernas. E há também as de figuração mítica, evocando, em certo momento, as  serigrafias da literatura de cordel.

Trata-se de uma manifestação completamente espontânea. Em vez de mera pichação, esses artistas anônimos compõem, nos azulejos, imagens que arejam, humanizam, alegram e iluminam a vida dos passantes. No entanto, as passagens são subestimadas, degradadas e depreciadas pelo poder público.

Cruzar o Eixão na condição de pedestre é uma travessia dramática. Todo brasiliense tem uma história de sufoco ao atravessar aquela via de alta velocidade. O Ministério Público poderia participar, mais ativamente, do debate e do encaminhamento de soluções. A mesma cobrança deve ser feita à Câmara Legislativa do DF, tão alheia aos problemas reais da cidade.

Diariamente, milhares de trabalhadores, de pedestres e de ciclistas se expõem ao risco no Eixão. E não há para onde fugir; se optarem pelas passagens enfrentarão um caminho de calçadas quebradas, acúmulo de lixo, sujeira e perigo de ser assaltado. Se atravessam pelo Eixão, a possibilidade de um atropelamento é real.

Quem passa por elas corre o perigo de ser roubado e, se não for, encara a avalanche de carros. Os artistas plásticos poderiam ser convocados por meio de concursos para promover a integração arte-arquitetura com painéis de azulejo, sem prejuízo das manifestações espontâneas. As passagens pedem uma ação conjunta que inclua reformas na estrutura, limpeza e medidas de segurança. Seria necessárias rondas contínuas da polícia para proteger os passantes.

A Estação Cine Brasília da 106 Sul é um exemplo bem-sucedido de recriação inventiva do legado de Brasília. É inspirada na identidade visual criada por Athos Bulcão e Oscar Niemeyer, que todos reconhecem, mas não incorre em mera repetição. É uma recriação dentro dos mesmos princípios de integração arte-arquitetura.

As passagens seriam lugares públicos agradáveis de transitar e de visitar. Um projeto com essas características realçaria e renovaria a identidade visual de Brasília. A ameaça quase que permanente de agressões contra a arquitetura da cidade provocou uma postura defensiva. Mas, além de preservar, a cidade precisa se revitalizar, alinhada com as linhas-mestras traçadas pelos criadores. A Estação Cine Brasília mostra que essa utopia é plenamente viável. É absurdo o descaso com as passagens subterrâneas e com as pessoas que precisam usá-las para atravessar o Eixão.

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