Passagens subterrâneas 2

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Severino Francisco

O Ministério Público apresentou a proposta de reduzir a velocidade dos carros no Eixão de 80km para 50km ante o crescimento dos atropelamentos e reacendeu a polêmica sobre a via. Com certeza, todo brasiliense tem uma história dramática de travessia no Eixão. É saudável a atitude ativa do Ministério Público, nem sempre presente no debate sobre as questões urbanas da capital.

A proposta do MP é razoável, mas existem outros aspectos a serem levantados. Um deles é o da necessidade de uma revitalização das passagens subterrâneas. Maria Lúcia Verdi publicou, recentemente, bela crônica, neste alto de página, sobre o tema, em visita com as participações especiais do poeta Francisco Alvim e de Clara Alvim, companheira de Chico e professora de literatura.

A crônica de Verdi revela uma interação muito rica dos artistas plásticos da cidade, que inscrevem murais nas paredes, com abertura ao diálogo mais livre. Algumas intervenções plásticas são requintadas, impactam pelo desenho e pela explosão de cores. Outras são inscritas nas paredes em formas geométricas, como se fossem imagens ancestrais gravadas nas cavernas. E há também as de figuração mítica, evocando, em certo momento, as  serigrafias da literatura de cordel.

Trata-se de uma manifestação completamente espontânea. Em vez de mera pichação, esses artistas anônimos compõem, nos azulejos, imagens que arejam, humanizam e iluminam a vida dos passantes. No entanto, as passagens são subestimadas, degradadas e depreciadas pelo poder público.

Diariamente, milhares de trabalhadores, de pedestres e de ciclistas se expõem ao risco no Eixão. E não há para onde fugir; se optarem pelas passagens enfrentarão um caminho de calçadas quebradas, acúmulo de lixo, sujeira e perigo de ser assaltado. Se atravessam pelo Eixão, a possibilidade de um atropelamento é real.

Quem passa por elas corre o perigo de ser roubado e, se não for, encara a avalanche de carros. Os artistas plásticos poderiam ser convocados por meio de concursos para promover a integração arte-arquitetura com painéis de azulejo, sem prejuízo das manifestações espontâneas.

As passagens pedem uma ação conjunta que inclua reformas na estrutura, iluminação, limpeza e medidas de segurança. Existe, ainda, a sugestão para que a área se dinamizada pela instalação de quiosques e pelo comércio. Seriam necessárias rondas contínuas da polícia para proteger os passantes.

As passagens seriam lugares públicos agradáveis de transitar e de visitar. Um projeto com essas características realçaria e renovaria a identidade visual de Brasília.O governo local deveria promover concursos públicos com a participação de arquitetos, urbanistas e artistas. O Ministério Público, a Câmara Legislativa e a UnB não podem ficar alheios ao debate e à ação. A ameaça quase que permanente de agressões contra a arquitetura da cidade provocou uma postura defensiva.

Mas, além de preservar, a cidade precisa se revitalizar, alinhada com as linhas-mestras traçadas pelos criadores. O que precisa ser contestado é a lógica rodoviária que está transformando a cidade-parque em cidade-viaduto. É absurdo o descaso com as passagens subterrâneas e com as pessoas que precisam usá-las para atravessar o Eixão. Esse problema poderia se transformar em uma bela solução se houvesse investimento de verbas, inteligência e talento nas passagens subterrâneas.

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