Notícias das flores

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Severino Francisco

Durante a pandemia, para não enlouquecer, estreitei muito a relação com as plantas e, por assim dizer, me tornei íntimo delas. Lidar com as plantas é um campo de aprendizado completo sobre a vida. Elas são seres singulares, sensíveis, caprichosos e suscetíveis. Algumas gostam de muita água, outras sobrevivem bem ao sol, outras preferem a sombra ou a meia-sombra. É preciso conhecer, observar e interagir com elas.

Fiquei incumbido de aguar três vasos de impatiens, aquelas flores delicadas, brejeiras e multicoloridas, que transmitem alegria a uma casa. São chamadas, popularmente, de maria-sem vergonha ou do sugestivo nome de beijo. Pois bem, estava lendo um livro muito bom e me esqueci da obrigação.

Quando me dei conta, fui até a varanda e as encontrei murchas, fenecidas e, aparentemente, mortas. Senti um peso terrível de culpa: elas morreram por causa da minha negligência. De qualquer modo, resolvi aguá-las, sem esperança de que renascessem.

Mas, pouco mais de três horas depois, voltei à varanda e constatei que elas haviam renascido, revivescido e reflorescido. Estavam novamente eretas, faceiras e fagueiras. Haviam apenas, feminilmente, desmaiado, pela falta de água provocada por minha incúria.

Uma moça loquaz de um viveiro contou que um cliente comprou mais de 20 mudas de azaleias quando se separou da esposa. Alguns meses depois, voltou com fotos de uma verdadeira alameda de flores, em pleno fulgor. Ele curou a dor do desencanto amoroso com a beleza das azaleias.

Há mais de 20 anos, plantamos uma muda de bouganville em frente à casa, pois moro em um condomínio horizontal, fronteiriço com uma mata cerrada. Demorou a florescer porque, neste ínterim, nos mudamos para o Plano Piloto e o arbusto ficou sem cuidados.

Porém, desde o início da pandemia, o bouganville esplendeu com um fulgor extraordinário e se tornou um motivo de alegria com a floração lilás vibrante derramada do muro para a rua. Algumas vezes, o simples ato de contemplar proporciona um instante verdadeiro de êxtase em meio a um tempo de tantas notícias tristes, estupidezes e sobressaltos.

Em minha insciência, eu julgava que o bouganville fosse de origem francesa, mas fui pesquisar e constatei que ela é brasileiríssimo. O nome foi dado em homenagem ao chefe de uma expedição francesa no Brasil em 1767, Louis Antoine de Bougainville, por um botânico que descobriu a planta no Rio de Janeiro. É uma planta versátil, radiante e extrovertida. Sempre que não tinha um motivo para felicidade, eu ia espiar o bouganville.

Recentemente, depois de uma chuva muito intensa, acordei, fui observar o bouganville e levei um baque. A tempestade havia arrancado a planta. Ela jazia com as flores misturadas ao barro no chão. Fiquei muito triste e pensei nas árvores devastadas nas matas no Cerrado, na Amazônia e na Mata Atlântica. Como escreveu Clarice Lispector, o ritmo das plantas é vagaroso: é com paciência e amor que elas crescem.

Cogitei em escrever uma crônica, no entanto, desisti porque já existem muitas notícias pesarosas. Eu poderia substituir o bouganville por outra planta que demorasse menos tempo para florescer. Mas eis que, com a indecisão, o tempo passou e tive uma surpresa.

Com a queda do lilás, o bouganville alaranjado encontrou espaço e sol para respirar e para florescer. E, de repente, ele mostrou que estava muito vivo. Ainda está com poucos galhos, mas já saltou o muro em direção à rua e somente esse ensaio de renascimento inesperado é um pequeno motivo de alegria.

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