Empoderosas em polvorosa

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Maria Lucia Verdi

Estamos nos preparando para um futuro que desconhecemos. Preparação que une um estilo de vida cada vez mais dependente da tecnologia – que modificou uma série de visões e valores que possuíamos até o século vinte – e a busca por uma vida alternativa.

Comidas cruas, exercícios psicofísicos de toda ordem, infindáveis livros de autoajuda, que poderão, segundo esse pensamento cor-de-rosa, auxiliar o ser do século XXII que já se anuncia.

Olhando os corpos nas academias, o esforço físico e financeiro que se despende com eles, pode-se pensar que treinamos  para sermos guerreiros – como os personagens de Blade Runner, entre outros – em uma radical, eterna luta de classes que só se acirra.

O capital e as corporações internacionais expressam o único verdadeiro discurso de poder. O que mais se vê, no planeta, é uma construção babélica de interesses e mentiras, fundamentalismos absurdos e um mundo do espetáculo que, com a ajuda da mídia, seduz a todos.

Pouco se vê, se lê, sobre os bons experimentos, ações sustentáveis e os distintos tipos de resistência que, por toda parte da Terra, também existem – por que será? Por uma racionalização cética (a do capital) que já sabe qual é a parte vencedora dessa guerra, que prefere não investir em anacrônicos idealismos? Me parece que sim, haja vista Trump retirar os EUA do acordo sobre o clima.

Resistência pela poesia

Será um excessivo negativismo ler desse modo a realidade que nos invade a cada segundo, com sua crueza, irracionalidade e injustiça? Ao mesmo tempo, existem, como nunca antes no nosso país – agora falemos apenas dele – incontáveis movimentos sociais e individuais relacionados à produção de arte e poesia. Aqui não haveria espaço para mencionar nem uma parte deles, portanto, me atenho a um comentário sobre a produção de poesia.

Convidada para mediar e participar da mesa de mulheres  – nomeada “Empoderosas  em polvorosa” na Feira do Livro de Brasília, – pesquisando na rede sobre movimentos poéticos no Brasil, fiquei surpresa com a quantidade deles. Sendo de uma outra geração, não tão ligada às redes sociais, não tinha ideia de quantos estão por aí resistindo por meio da poesia, fazendo dela praticamente um ofício sério do século 21.

Empoderosas, gracioso neologismo criado pelos poetas Noélia Ribeiro e Luiz Turiba, nos fala de poder mas talvez não exatamente do, bastante discutível, “empoderadas”. Em poderosas palavras, com elas, se pode atuar – a linguagem é  instrumento de transformação.

Palavras urgentes

Em polvorosa, sim, estão como nunca, as mulheres de um país onde o feminicídio é brutal, inqualificável. Em polvorosa para tentar mudar uma sociedade machista, comandada por uma elite perversa, levando essa luta com poesia engajada, corajosa, libertária, como a de Cristiane Sobral, Seira Beira  e Marina Mara, que se apresentaram na Feira, em distintos momentos.

Poesia, para mim – como também talvez para uma das poetas-ícone de Brasília, Noélia Ribeiro, bem como para  Amneres Santiago de Brito Pereira, que estiveram na citada mesa – sempre foi um gênero sem gênero, ou com todos os gêneros, que fluía de mim, mulher comprometida com o mundo e suas transformações, mas com um olhar muito ligado ao atemporal e filosófico.

Hoje, na realidade que vejo à minha volta – e de novo falo não apenas do Brasil – reavalio a função da poesia e assino embaixo dessa poesia sem eufemismos, que guerreia por mudanças urgentes para as mulheres e para o mundo. O futuro assusta.

Maria Lucia Verdi é poeta.

Severino

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