Severino Francisco
Uirá Lourenço foi meu aluno em uma faculdade e se tornou meu consultor em mobilidade urbana. Não transita pelas vias de Brasília dentro de um carrão importado, com cascata artificial e filhote de jacaré, como diria Nelson Rodrigues. Se move de bicicleta ou caminhando por toda a cidade. Conhece as trilhas, os lugares bons para fazer piquenique ou os locais preferidos pelos pássaros. Por isso, tem autoridade para falar sobre mobilidade urbana.
Ele voltou até a entrada do Sudoeste, onde está sendo construído um viaduto, que é, na verdade, um rodoanel, e gravou um vídeo. Ao fundo, ouve-se, como trilha sonora, o ronco frenético dos motores dos carros, que passam voados.
Uirá acompanhou todo o processo de criação do viaduto e gravou imagens de cerca de 500 árvores marcadas para morrer. É muito triste. Em 30 segundos, a motosserra destruiu o trabalho de 30 ou 50 anos da natureza.
O chamado viaduto da Epig é um projeto devastador, feito sem o menor cuidado ambiental ou com os moradores. Os residentes não foram ouvidos e, quando ouvidos, foram desconsiderados. A obra ainda não acabou, mas a paisagem foi bastante alterada.
No local da gravação, as pessoas desciam dos ônibus e atravessavam a pista para chegar até o Sudoeste. O ponto desapareceu. Agora, a travessia tornou-se bastante arriscada para o pedestre. É preciso fugir, perigosamente, dos carros. O mesmo vale para os ciclistas. Sem as árvores, o ambiente ficou desolador.
Os tapumes com placas estampam a propaganda oficial: “Segurança, conforto e rapidez”. Uirá pergunta: para quem? Com certeza, essa política rodoviarista atrasada impacta, negativamente, os residentes, os pedestres e os ciclistas.
Você constrói um rodoanel em um bairro residencial, fere a escala bucólica de Lucio Costa, estimula o tráfego de carro e, daqui a pouco, tudo está engarrafado novamente. Se viadutos resolvessem os problemas de mobilidade urbana, não haveria congestionamentos infernais de trânsito em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Qualquer pessoa que circula por Brasília percebe que a cidade-parque é cada vez menos parque e cada vez menos verde. Uma cidade com menos verde é uma cidade com menos corujas, menos araras e menos arejamento.
Imagine quando a obra estiver pronta, com todas as pistas de acesso. Será uma barreira ainda maior para os trabalhadores e para os moradores do Sudoeste. Quem sai do bairro e deseja caminhar ou correr no Parque precisará pegar o carro para chegar, com segurança, a um ponto com poucos metros de distância.
E, para complementar, o Parque da Cidade, tombado pela Câmara Legislativa do DF, que se omitiu completamente, serve como um atalho para os motoristas. Cada vez mais perde a característica de espaço público de lazer, de sossego e de contemplação.
Brasília teria excelentes condições para implementar uma política de mobilidade urbana moderna, nos moldes da que predomina nas capitais europeias: mobilidade ativa, articulação entre diversas modalidades de transporte, metrô, ônibus, VLT, ciclovias, calçadas acessíveis, mais parques e menos pistas, menos viadutos e menos túneis, argumenta Uirá.
Não adianta os candidatos só frequentarem a Rodoviária na época das eleições em busca de votos. Esse momento de eleições é crucial no sentido de sensibilizar os candidatos para um novo modelo de cidade, mais eficiente, sustentável, saudável, democrático e humanizado.
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