Severino Francisco
Enquanto o mundo explode, eu queria homenagear a uma das melhores amigas, Gioconda Caputo, que faz aniversário hoje. Ninguém imagina que, no corpo franzino, aquela baixinha carregue tanta força, resistência, coragem, dignidade, instinto, inteligência, sensibilidade e intuição. É um ser humano da melhor qualidade.
Gioconda tem o realismo bruto de mineira do interior, é uma pessoa autêntica, sem trapaças. Não esconde os defeitos, as falhas e as vulnerabilidades. Ela é uma mineirinha de grande sabedoria instintiva, cultiva de maneira quase religiosa a humildade, não da submissão, mas do essencial, do menos é mais. Para os amigos, Gioconda é sempre um oráculo sensível, ponderado, equilibrado, pragmático, sagaz e lúcido.
Uma vez, reclamei da atitude de um amigo ou suposto amigo. Depois de ouvir atentamente, ela ficou irritada e sentenciou com impaciência: “Olha, os verdadeiros amigos cabem nos dedos da mão direita. Os seus verdadeiros amigos somos: eu, fulana, beltrana e beltrano. E, quer saber, está maravilhoso”.
Trabalhamos juntos mais de 20 anos, em boa parte do tempo, eu, como editor, e ela, no posto de subeditora de cultura. Levei a fama de várias realizações dela porque não gosta de aparecer.A sua perspicácia foi crucial na consolidação de muitas coisas importantes na cidade.
Gioconda havia viajado e ficado encantada com a sede do CCBB no Rio. Encantada e indignada porque não havia um centro semelhante em Brasília, a capital do país. A partir daí, desencadeamos uma campanha que contribuiu para a criação do CCBB Brasília.
Aprendi muito com ela e, uma das maiores lições, foi a da prontidão. Quando têm um problema, muitas pessoas costumam jogá-lo embaixo do tapete. “Problema, a gente atropela”, ensina Gioconda. Tomei a frase como lema de vida.
Certa vez, organizei uma festa de aniversário da Gioconda, em que havia todos os itens que ela odiava: ovo cozido, filé de rã e sushi. Ela é dotada de um misterioso mau-humor muito bem-humorado e tirou de letra.
Nós tínhamos uma repórter, a quem chamarei pelo nome fictício de Juliana, que primava por um ceticismo que raiava o cômico. Gioconda teve muitas trombadas com ela por causa disso. Então, para amenizar o clima, resolvi fazer uma declaração de amor irreverente, com a autoridade de chefe. Combinei com a equipe inteira que, quando Juliana chegasse, eu daria a senha: 1, 2, 3… E todos da equipe, umas 10 pessoas, gritaríamos em coro: “Juliana, nós te amamos, sua imbecil!!!”.
E assim foi feito. Ao ouvir aquela declaração de amor berrada, a plenos pulmões, Juliana ficou muito emocionada, chorou e teve de sair da redação, acompanhada por outra colega. Ficamos preocupados, fui perguntar o que estava acontecendo e a colega explicou: “Juliana está chorando, ela não acredita que nós a amamos”. Com velocidade aquariana, Gioconda fulminou: “É, mas no imbecil, ela acredita”.
Moro em um condomínio horizontal fronteiriço a uma mata cerrada. Um dia, acordei às 7 da manhã para caminhar e entrei em êxtase com a sinfonia de pássaros. Fiquei tão enlevado que pensei em ligar para a Gioconda, abrir o celular e deixar que ela ouvisse o maravilhoso trinar das aves.
Em um surto de sensatez, desisti do intento desrazoado, mas não pude deixar de imaginar a reação do seu enigmático mau-humor bem-humorado, que se expressaria com palavras que, nas historinhas em quadrinhos, são representadas por relâmpagos, asteriscos, cobras, lagartos e outros bichos: “@ *%#&!!!Não acredito que você me acordou às 7 da manhã para ouvir passarinho. Só pode ser um pesadelo!!!”
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