A mestria de Lelé

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Severino Francisco

Lucio Costa disse sobre Lelé Filgueiras: “O construtor, no mais amplo e criativo sentido da palavra.” Brasília provocou muita polêmica em razão dos aspectos funcionais ou desfuncionais da arquitetura de Oscar Niemeyer. No entanto, a nova capital modernista forjou também um arquiteto-inventor, arquiteto-tecnológico, arquiteto-fabricante, arquiteto-humanista, atento, simultaneamente, ao conforto, à comodidade e à qualidade de vida dos que habitaram os prédios que construiu.

Nos últimos dias de vida, Oscar Niemeyer dizia aos amigos: “Lelé Filgueiras é o maior arquiteto brasileiro.” Em Brasília, no Campus Darcy Ribeiro, da Universidade de Brasília, realizou o prédio do Minhocão, em parceria com Oscar Niemeyer, com quem também trabalhou nos encantadores prédios dos “serviços gerais”, que hoje abrigam o Ceplan e o Instituto de Artes; no mesmo campus, projetou os prédios residenciais da Colina, que, junto com os serviços gerais e o Minhocão, são experiência pioneira da arquitetura pré-fabricada no Brasil; os prédios residenciais das quadras 108 e 109 Sul, os primeiros da nova capital; os edifícios da Rede Sarah, em tabelinha com Athos Bulcão; e os Caics, em várias cidades-satélites. No Rio, fez o Sambódromo, com Darcy Ribeiro.

Ele está sendo homenageado com exposição na Escola da Cidade, em São Paulo, com curadoria de Anália Amorim e Valdemir Rosa. O arquiteto e professor emérito da UnB, Frederico Holanda, foi convidado a gravar um depoimento sobre a relevância da arquitetura de Lelé. Acompanhemos a fala de Fred.

Segundo ele, Lelé projeta lugares em todas as escalas – de uma maca-cama hospitalar a um conjunto edificado. E se não há um veículo onde possa entrar a maca especial, ele o projeta. E, pelo meio do caminho, elevadores, ventiladores, luminárias, bancos, abrigos de ônibus, pontes em estradas vicinais, sistemas de esgotamento sanitário, passarelas, escadarias em morros, casas de amigos, escolas, hospitais…

Frederico observa que alguns arquitetos lidam com o mesmo sistema construtivo por anos, décadas. Mas a obra de Lelé é permanente mutação: concreto armado na pioneira pré-fabricação pesada, tijolos cerâmicos, argamassa armada, pré-fabricação metálica…

É uma obra em que comodidade, construção e beleza andam juntas, comenta Frederico. “Desde logo se envolve com o canteiro, dois anos depois de formado, com 25 anos, ao encarregar-se da construção de uma superquadra inteira de Brasília. A intimidade com o saber-fazer nunca o abandonará, busca o peso ideal das peças de argamassa armada porque as carrega, aperfeiçoa sua cura porque vigia o seu comportamento dentro d’água, no sol a pino.”

Frederico Holanda recusa nomear Lelé na condição de arquiteto moderno, pós-moderno, jamais! “um arquiteto clássico talvez lhe calhe melhor”. Argumenta que as modas passam ao largo, ele nunca descuida o conforto visual e térmico, a ergonomia perfeita, a economia, o rendimento energético, a reprodutibilidade, a satisfação de necessidades coletivas, a beleza. “Sua arquitetura não grita, ela cochicha, mas desvela segredos surpreendentes e fascinantes a cada projeto.”

Na fábrica de Salvador, dezenas de edifícios são produzidos, distribuídos e montados Brasil afora. Com sua voz mansa, ele gosta de narrar a precisão de relojoeiro necessária para fazê-lo, diz Fred Holanda. “Saberia como poucos enfrentar as adversidades atuais – confrontá-las foi o seu forte, sempre.”

PS: de segunda a sexta, das 18h às 20h30, A Escola da Cidade promoverá um ciclo de palestras sobre múltiplos aspectos da arquitetura de Lelé Filgueiras. O link para acompanhar as palestras é: escoladacidade-edu-br.zoom.us/my/sala.lele.2022

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