A boiada da devastação

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Crédito: Vinícius Cardoso Vieira /CB/D.A Press. Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente, na TV Brasília, no programa CB Poder.

Severino Francisco

“A oportunidade que nós temos, que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é preciso passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, todas as reformas que o mundo inteiro nessas viagens a que se referiu o Onix certamente cobrou dele, cobrou do Paulo, cobrou da Teresa, cobrou do Tarcísio, cobrou de todo o mundo”.

Que me desculpe o leitor, tratar de tema tão árido, mas, algumas vezes, os fatos se impõem com urgência. Claro que todos reconhecem, a fala é do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles na memorável reunião ministerial de 22 de abril.

Ele pediu a ajuda dos ministérios da Agricultura, do Iphan e da Advocacia Geral da União no sentido de que as forças convergissem para o seu projeto de destruição. Era o momento ideal de passar reformas “de baciada”, passar a “boiada”, por meio de portarias, sem precisar do debate público e democrático do Congresso Nacional.

Crédito: Étore Medeiros/CB/D.A Press. Brasil. Vista aérea de pequenas áreas desmatadas da Amazônia.

De fato, falar a verdade não é o ponto forte de sua excelência. Desde o ano passado, o mundo tem cobrado do Brasil não que devaste mais a Mata Atlântica e a Amazônia, mas, sim, que pare de devastar. Neste início de ano, o deflorestamento na Amazônia teve uma alta de 55% em relação ao mesmo período de 2019. O mês de abril registrou o índice de 171%, o maior nos últimos 10 anos.

Em relação à Mata Atlântica, a situação não é mais favorável. Depois de dois períodos de queda, em sequência, entre 2018 e 2019, houve um crescimento de 27,2% na devastação, segundo o Atlas da Mata Atlântica, da Fundação Mata Atlântica. Ela pode ter consequências graves no abastecimento de água para mais de 120 milhões de brasileiros.

Crédito: Jaqueline Maia/DP/DA Press. Mata Atlântica, no Parque Dois Irmãos, em Recife.

A perda não se dá apenas na esfera do meio ambiente. A destruição vai inviabilizar também importantes acordos comerciais que o Brasil firmaria com a União Europeia. Os parlamentos de vários países já sinalizaram com exigências mais duras no sentido do respeito ao meio ambiente e às populações indígenas.

Eles temem um colapso ecológico. Estão preocupados em reduzir o aquecimento global, mencionado por cientistas como um dos fatores que favorecem a eclosão de pandemias.

Crédito: Étore Medeiros/CB/D.A Press. Brasil. Vista aérea de áreas desmatadas da Amazônia.

Em reportagem publicada no jornal Le Monde, a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, que até então vinha sendo poupada na polêmica internacional sobre a devastação do meio ambiente no Brasil, foi chamada de “musa veneno” e “senhora desmatamento”.

Isso nada tem a ver com direita ou esquerda. É um projeto deliberado de destruição das riquezas do país. Se o Brasil não se alinhar aos novos parâmetros estará fora de qualquer negociação. Os senadores, os deputados, o Ministério Público, a imprensa e a parte mais esclarecida do agronegócio precisam estar atentos.

AFP/João Laet/Incêndio em Altamira, no Pará, em agosto de 2019

A União Europeia propõe novos parâmetros para o funcionamento da economia na era pós-pandemia no sentido de um alinhamento com a preservação do meio ambiente. Se o Brasil não mudar de conduta, estará alijado.

Mas parece que o ministro do Meio Ambiente raciocina assim: se a desregulamentação e a flexibilização deram certo em Brumadinho e Mariana, por que não seriam bem-sucedidos na Mata Atlântica e na Amazônia?

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