Segundo o ex-presidente do BC, aprovação de reformas permitirá crescimento. “Eu acho que estabilidade absoluta não deveria existir no funcionalismo. Acho saudável que se discuta isso. O Brasil precisa se autoavaliar. Temos que repensar o Estado sem preconceito”, disse
SIMONE KAFRUNI
O Brasil é um paciente politraumatizado que está saindo do coma, comparou ontem o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, sócio-fundador da Gávea Investimentos. “Para o médico, mais uma ou duas votações e o país volta a respirar”, brincou o economista para a plateia do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), onde palestrou ontem à noite ao lado de Mansueto Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. “Estamos andando para a frente, isso já é um primeiro passo. Mas nada desse meu otimismo é garantido”, completou.
As duas votações a que Fraga se referiu são a aprovação da PEC 241, que estipula um teto para os gastos públicos, e a reforma da previdência. “Precisamos ter sangue frio e paciência. Mas, se essas duas medidas forem aprovadas, estou esperançoso como futuro do país”, disse. Para o economista, no entanto, a PEC requer a reforma da previdência, que é um assunto delicado do ponto de vista político. “Uma sem a outra não funciona. Impossível respeitar um teto de gastos sem a reforma”, reiterou.
Armínio Fraga fez uma longa exposição sobre a economia brasileira desde os anos 1950, para mostrar que o problema do Brasil não é estrutural. “Nos falta muita coisa, mas em tese tudo está ao nosso alcance. O problema é que escolhemos um modelo errado, de pouca ênfase na produtividade e na educação, e insistimos no erro”, analisou. “Demorou-se a ver que o Estado não podia tudo”, resumiu.
Ele lembrou que, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, houve um ajuste e que, no primeiro mandato de Lula, o país contou com um “período incrível de alta de commodities e ciclo de crédito”. “Confesso que até o Lula 1 eu achava que podia dar certo. Mas depois o crescimento se mostrou perneta. Com muito consumo, mas o investimento nunca rompeu a barreira dos 20% do PIB (Produto Interno Bruto), claramente insuficiente para fazer o país crescer”, destacou.
Sobre o governo Dilma Rousseff, Fraga alertou que o modelo foi mantido, mas a trajetória das commodities mudou. “Temos que ser justos e levar isso em conta. Porém, ficou claro que o modelo não funcionava”, disse. O economista ressaltou que o Brasil perdeu de forma escancarada a disciplina macroeconômica. “Saímos de um superavit fiscal de 3% do PIB para um deficit de 2,8%. “Uma deterioração de seis pontos numa velocidade impressionante”, destacou.
Repensar o Estado
“A trajetória explosiva da relação dívida PIB exige uma resposta profunda. E a PEC 241 é um caminho. O crescimento está com cara de que vai ser retomado, lentamente. A situação é preocupante porque existe bastante endividamento e a situação do emprego afeta o comportamento do consumidor”, ressaltou. “O quadro macro é bastante difícil, mas não impossível. Tenho um pouco de medo disso acontecendo no momento em que a Lava-Jato chegou ao setor político. Isso tem consequências difíceis de se prever. Eu gostaria de acreditar que o Congresso vai continuar com a agenda de aprovação das medidas”, disse.
Sobre a reforma da Previdência, Fraga, destacou que o Brasil é um país jovem com gasto previdenciário desproporcional ao momento da sua demografia. “Essa reforma é essencial e vejo com bons olhos. Porém, acho que o espaço de manobra é exíguo, mas talvez exista. O que temos é um projeto que vai passar por uma certa fase de risco”, disse. O economista afirmou que a reforma previdenciária precisará acabar com distorções. “Eu acho que estabilidade absoluta não deveria existir no funcionalismo. Acho saudável que se discuta isso. O Brasil precisa se autoavaliar. Temos que repensar o Estado sem preconceito”, disse.
Mansueto Almeida destacou que o atual governo pegou um ponto de partida muito ruim, com deficit de R$ 170,5 bilhões previsto para este ano. “Não temos alternativa senão fazer ajuste fiscal. A situação é delicada. O endividamento do Brasil é de mais de 70% do PIB, quando a média dos emergentes, que é de 45%”, lembrou.
“A PEC 241 tem uma ideia interessante. Se o PIB crescer e a despesa ficar estável pelos próximos 10 anos, a gente consegue reduzir o gasto em 5 pontos percentuais do PIB. Não é fácil. Necessita reformas adicionais e teremos que fazer uma análise do custo e benefício de vários programas. O que não funciona tem que terminar”, disse o secretário.