O que eu faria com os Correios

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“Aqui no Brasil, os Correios têm, inclusive, apresentado lucros nos últimos balanços, demonstrando que a Empresa tem encontrado fórmulas de atender sua missão constitucional e ainda produzir resultados econômicos positivos. Outro ponto para sinalizar que temos nos Correios um exemplo a ser estudado e não algo a ser desmontado por não estar bem”

Marcos César Alves Silva*

Tenho lido e ouvido muitas matérias na imprensa tratando dos Correios e defendendo posições a respeito do futuro da Empresa. Algumas defendem enfaticamente a privatização e outras a manutenção como empresa pública. Nesse contexto, arriscarei apresentar aqui minha opinião, lastreada na experiência que acumulei no período em que trabalhei nos Correios, para acrescentar mais uma peça nesse debate que interessa aos brasileiros, que são os legítimos donos da Empresa.

Primeiramente, considero importante ter em conta alguns fatos relevantes sobre os Correios:

– os Correios são uma empresa independente, ou seja, não dependem de recursos do Tesouro Nacional para funcionar; assim, não há que se falar em ônus para os cidadãos decorrente da existência da empresa;

– o serviço postal no Brasil é extremamente capilarizado, com presença em quase todos os municípios do país (já esteve em todos, mas algumas agências têm sido fechadas ultimamente); assim, os brasileiros têm fácil acesso a esse serviço;

– a tarifa postal brasileira está entre as menores do mundo, apesar de o Brasil ser o 5º maior país em extensão territorial;

– a qualidade geral do serviço postal brasileiro é compatível com a praticada em outros países, muitos dos quais com menor território e com condições logísticas bem mais favoráveis;

– os Correios empregam diretamente quase 100.000 pessoas e indiretamente um número ainda maior, que engloba, inclusive, os trabalhadores que estão nas cerca de 1.000 agências franqueadas, presentes nas maiores cidades brasileiras.

A partir desses fatos, já se poderia concluir, com base bem sólida, que temos no Brasil um caso de sucesso a ser estudado e reproduzido, e não um modelo a ser desmontado por não funcionar. Mas aprofundaremos a análise para alcançar ainda outros aspectos.

O dinâmico comércio eletrônico brasileiro se desenvolveu especialmente graças aos Correios, que têm assegurado capilaridade nacional para os envios de encomendas, sem ter nenhum monopólio nesse serviço. Temos, porém, milhares de transportadoras atuando livremente no Brasil, muitas das quais até utilizam os Correios, de forma complementar, para alcançar pontos fora de sua área de atuação, algo saudável e positivo para todos.

Ou seja, há no Brasil todo um ecossistema empresarial em pleno e equilibrado funcionamento e que garante o escoamento das compras online. E os Correios são um ator importante, mas não o único nisso tudo. Todas as grandes empresas de encomendas do mundo já possuem operações no Brasil, incluindo até mesmo um correio estatal – o francês – que controla uma empresa local.

No que se refere ao comércio eletrônico, então, temos no Brasil uma situação que poderia continuar seguindo sua trilha de sucesso. O governo federal não precisa ou não deve mexer em nada aí, sob pena de acabar atrapalhando o que está funcionando bem. Mais controle, regulamentações e tributos sobre os operadores não me parece algo positivo.

E os operadores que estejam vendo a eventual privatização dos Correios como oportunidade para aumentar seus preços devem ter em conta que o projeto apresentado pelo governo federal traz em seu bojo disposições que podem complicar muito sua vida, dependendo de como forem implementadas.

Sob a lógica do acionista, o governo federal, temos nos Correios uma estatal que se desincumbe sozinha do grande desafio de integrar o país com o serviço postal. Uma coisa muito boa considerando que em inúmeros países os governos precisam bancar a universalização do serviço postal, ajudando seus correios a custear o funcionamento nas localidades mais remotas. Isso acontece, por exemplo, nos Estados Unidos da América, berço do liberalismo, que tem um correio público dependente de apoio governamental para manter sua infraestrutura.

Aqui no Brasil, os Correios têm, inclusive, apresentado lucros nos últimos balanços, demonstrando que a Empresa tem encontrado fórmulas de atender sua missão constitucional e ainda produzir resultados econômicos positivos. Outro ponto para sinalizar que temos nos Correios um exemplo a ser estudado e não algo a ser desmontado por não estar bem.

Olhando para o resto do mundo, vemos alguns fatos que merecem atenção:
– em apenas 8 países do mundo os Correios são totalmente privatizados e as áreas somadas desses países resultam num território menor que o do Estado do Mato Grosso, ou seja, em nenhum grande país em território os correios são privados;

– o último caso de privatização de correio realizado no mundo foi o de Portugal, onde a população, após a privatização, está reclamado muito do fechamento de balcões (agências) e da alta de tarifas, a ponto de partidos e parlamentares portugueses estarem propondo a reestatização do correio;

– os exemplos de privatização de correios ocorridos na União Europeia, muitas vezes citados como exemplo, se deram em um contexto bem distinto do brasileiro, no qual o continente buscava estabelecer mecanismos que fortalecessem a criação do bloco, inclusive com a eliminação de barreiras comerciais de toda ordem; no caso do correio alemão, é também importante ressaltar que a gradativa abertura de capital da empresa estatal não foi feita porque o governo queria se desfazer dela, mas sim porque queria dar-lhe um grande impulso de crescimento para torna-la uma empresa de logística global relevante;

– o correio brasileiro tem um diferencial competitivo com relação a diversos outros correios, que é a expressiva participação no mercado local de transporte de encomendas; em tempos de expressivo crescimento do comércio eletrônico, isso será importante para garantir a saúde financeira da empresa enquanto o volume de cartas vai paulatinamente se reduzindo.

A partir desses fatos, também não encontramos razão para privatizar os Correios; ao contrário, encontramos indicações de que esse caminho pode não ser nada bom para os brasileiros.

Feitas essas considerações, a pergunta que fica é se, diante de tantos fatos positivos, haveria algo a ser feito para melhorar os Correios? A resposta é sim e vou tratar disso em seguida.

A primeira coisa a ser feita é abandonar de vez essa má ideia de privatização e deixar de perder tempo com algo que não é bom para ninguém – cidadãos, empresas e o próprio governo. De quebra, também, o pessoal do governo poderia parar de tentar arranjar argumentos contra a Empresa, já que não precisarão mais justificar a intenção de privatização.

Na gestão da Empresa, adotaria algumas medidas:

– Direção: passaria a ser formada exclusivamente por pessoal qualificado, que conhecesse em profundidade a Empresa, seus negócios e suas respectivas áreas técnicas de coordenação; militares poderiam voltar aos quartéis ou casernas e o apoio de uma empresa de headhunter para seleção de executivos seria bem-vindo;

– Contrato de Gestão: a equipe de Diretores assinaria com o governo federal um contrato de gestão que traria, pelo menos, os seguintes requisitos:
• pagamento ao Tesouro Nacional de dividendos mínimos de R$ 250 milhões/ano;
• manutenção ou melhoria dos indicadores de qualidade operacional alcançados pela Empresa;
• manutenção ou melhoria dos indicadores de universalização da prestação de serviço aos cidadãos;
• manutenção ou ampliação dos empregos diretos e indiretos gerados pela Empresa;
• melhoria dos indicadores financeiros da Empresa, com redução de endividamento e aumento do valor patrimonial;
• gestão técnica da companhia, por técnicos devidamente habilitados, em todos os níveis diretivos e gerenciais da empresa;
• possibilidade de rescisão contratual no caso de não atingimento dos resultados estabelecidos no contrato, a partir das prestações de contas anuais.

Com estas medidas, bem simples em essência, não haveria prejuízos para ninguém e os Correios seguiriam dando sua contribuição para o desenvolvimento nacional.

Finalmente, para os pessimistas que não acreditam no futuro cos Correios, digo que assinaria de olhos fechados um contrato desses, com a certeza de que, nessas condições, poderia facilmente entregar ao país resultados ainda melhores. Não precisamos vender os Correios para uma estatal asiática ou europeia e nem para um fundo de investimentos; precisamos apenas deixar de lado as fake news e colocar na estatal uma gestão técnica competente e cobrar dela resultados

*Marcos César Alves Silva – Administrador Postal Sênior, integrou o Conselho de Administração dos Correios de 2013 a 2018