Uma das conclusões a que as pesquisadoras chegaram é que a música pode ser um instrumento para que os trabalhadores contêm sua própria história, uma vez que a história oficial geralmente é contada do ponto de vista da classe dominante. “A música pode ser uma das vozes para manifestação de outras versões. Como elemento cultural veiculado em diversas mídias, inclusive de massa, a música torna-se uma autêntica fonte para investigar a formação da realidade e de aspectos nem sempre explícitos da história de um país”, afirmam
Carolina Maria Ruy
Desde março de 2012 o Centro de Memória Sindical mantém um canal no Youtube que pode parecer inusitado para a história dos trabalhadores. Trata-se do canal Música e Trabalho, que expõe músicas variadas, de todos os estilos, sempre acompanhadas de um comentário que as relaciona com o mundo do trabalho. Ainda mais inusitado é o fato de o canal ser um dos mais ativos do Centro de Memória na internet, entre Facebook, Twitter, outros canais de Youtube e o próprio site, que também expõe as músicas.
A ideia começou de maneira voluntarista, a partir do interesse dos criadores do site por música e pela constatação de que as mensagens transmitidas possuíam importante teor social. A partir de então, pessoas próximas ao Centro começaram também a sugerir músicas, que eram analisadas e divulgadas pelo canal. Com o amadurecimento deste trabalho viu-se que a relação entre cultura, história e o mundo do trabalho, nada tem de inusitado.
Segundo a tese das doutoras em letras, Cassia Helena Pereira Lima e Sonia Maria de Oliveira Pimenta: “Desde a década de 1970, o discurso assumiu uma considerável importância na reestruturação do capitalismo, uma vez que a nova economia baseia-se em informação e conhecimento, que circulam e são consumidos discursivamente, tendo a mídia de massa como um dos principais disseminadores”. E, mais do que disseminar, para elas, “As práticas discursivas das mídias (…) podem tanto favorecer a reprodução do sujeito social quanto a sua transformação”.
Para a tese, intitulada “Trabalho e Trabalhador em Canções da MPB: Práticas Sociais e Discursivas na Construção da Realidade e Produção de Sentido”, Cassia Lima e Sonia Pimenta, analisaram letras de 325 canções da MPB, gravadas entre 1916 e 2010.
Uma das conclusões a que as pesquisadoras chegaram é que a música pode ser um instrumento para que os trabalhadores contêm sua própria história, uma vez que a história oficial geralmente é contada do ponto de vista da classe dominante. “A música pode ser uma das vozes para manifestação de outras versões. Como elemento cultural veiculado em diversas mídias, inclusive de massa, a música torna-se uma autêntica fonte para investigar a formação da realidade e de aspectos nem sempre explícitos da história de um país”, afirmam.
O canal do Centro de Memória Sindical que, em abril de 2019 possuí 245 vídeos, 6.441 inscritos e 3.235.408 visualizações, tem músicas de Lenine, Adoniran, Cyro Monteiro, Chico Buarque, Caetano Veloso, Roberto Carlos, Elis Regina, Titãs, Cazuza, Geraldo Vandré, Joyce, Golden Boys, Orlando Silva, e alguns poucos internacionais, como Otis Reading, Sex Pistols, Rolling Stones e Band Aid (projeto idealizado pelos músicos Bob Geldof e Midge Ure, para arrecadar fundos em prol dos famintos da Etiópia). O foco é enxergar o trabalhador em músicas aleatórias, comuns, e não apenas buscar músicas que tratam do tema de forma explícita.
O viés é de crítica social, de forma que por vezes pode-se notar uma ampliação do leque, como a música Tudo é Baiano, de Aloisio Gomes, que diz “Pode ser Cearence, ou mesmo pernambucano; Mas chegando em São Paulo tem que ser baiano”. A música fala de forma bem-humorada de uma situação triste que é o racismo anti-nordestino em São Paulo, onde é comum nordestinos serem chamados de “baianos”, mesmo que sejam de outros estados. Ou, em outro sentido, a música, Todos Juntos, do álbum infantil Os Saltimbancos, que é entendida como uma analogia à luta social. São dois exemplos de músicas que não tratam diretamente do trabalho, mas que abordam aspectos importantes da vida do trabalhador.
Outras são mais diretas, como Fábrica, da banda Legião Urbana, que é um manifesto contra a exploração dos trabalhadores, e aponta para uma perspectiva de superação ao reivindicar “trabalho honesto em vez de escravidão”, e Relampiando, de Lenine, que fala sobre a trágica realidade das crianças que vagam pelas ruas em busca de sobrevivência.
Há também o humor irônico e o lamento dos povos em sambas como Torresmo à milanesa, de Adoniram Barbosa, Meu Patrão, de Jackson do Pandeiro, Três Apitos, de Noel Rosa, interpretado por Aracy de Almeida, O Bonde São Januário, de Cyro Monteiro, Ensaboa, de Cartola, entre outros.
Os tempos de crise social, econômica e cultural, ressalta ainda mais a importância de manter um canal aberto que relaciona cultura, luta social e história. Ele serve como um instrumento efetivo de fomento ao debate e ao pensamento crítico.
*Carolina Maria Ruy – jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical
Música e Trabalho no Youtube: https://www.youtube.com/MemoriaSindical
www.memoriasindical.com.br