AULAS DE CORRUPÇÃO

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Luiz Gonzaga Bertelli*

Neste ano, pela primeira vez no País, estudantes do ensino fundamental e médio terão aulas sobre corrupção. A experiência, salvo engano inédita, pelo menos em termos oficiais, se dará no Acre, fruto de lei proposta pelo deputado Jairo Carvalho (PSD). A matéria leva o nome de “Política, politicagem e conscientização contra a corrupção”. Durante o regime militar nós tivemos algo parecido com a introdução das aulas de Educação Moral e Cívica, que não foram adiante apesar dos bons propósitos.

 

A novidade, em principio, sugere ser mais uma dessas improvisações mirabolantes que lembram coelhos tirados da cartola. No entanto, há respaldo institucional na iniciativa. O Tribunal de Justiça e a Procuradoria Geral de Justiça do Acre deram apoio imediato através da presidente Cezarinete Angelim e do procurador Oswaldo de Albuquerque. Também existe consistência pedagógica e filosófica nela, pois uma das vozes mais vigorosas na defesa da escola nesse terreno é a do filósofo Michael Sandel, nascido em Minnesota, 62 anos, professor de Harvard, onde ministra um concorrido curso intitulado “Justiça”, que vai nessa direção. Sandel já escreveu dois livros inspirado nas suas reflexões: “O que o dinheiro não compra” e “Justiça: qual é a coisa certa a fazer?” (Civilização Brasileira).

 

Sua posição ficou exlicita numa resposta dada à revista Exame em entrevista publicada ano passado. Indagado sobre correções de rota quando a educação familiar não basta para cumprir a missão de transmitir valores aos filhos, ele disse que escolas e empresas têm papel essencial no cultivo daquilo que chamou de virtudes cívicas.

 

Virtudes cívicas vêm a ser atitudes de cidadãos que tenham como objetivo o bem comum, cuja solidez não lhes permite negociar o princípio da honestidade e do respeito mútuo. São atitudes diárias de procedimentos voltados ao respeito às leis e regras estabelecidas pelo pacto social. Sandel recorreu a um exemplo prosaico para esclarecer o conceito: obedecer ao sinal vermelho mesmo em circunstância de atraso danoso, cuja ausência de câmeras, ou radares poderiam safar o transgressor.

 

A julgar pela informação da assessoria jurídica do deputado Jairo Carvalho, o Brasil está de fato carente das virtudes cívicas. Recentemente foi constatado em escolas estaduais do Acre, que chapas concorrentes aos grêmios estudantis haviam comprado votos ao preço de um real ou em troca de lanches. Reproduziam práticas que remetiam às eleições a bico de pena da República Velha, ainda vigentes em grotões do País. Tão grave, ou pior, é o resultado de uma pesquisa feita pelo Curso de Pedagogia da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), de 2010, que, infelizmente, não teve a divulgação merecida. Realizado em salas de aula, o levantamento mostrou que os universitários – e estamos falando de um dos estados mais evoluídos do País – não tinham noção exata do que fossem práticas corruptoras. Atitudes francamente condenáveis na condução dos estudos, aliás, largamente adotadas, não eram entendidas como corrupção, a saber: o uso da mentira para fugir de responsabilidades escolares; a recorrência à “cola”; plágio ou cópia de textos da Internet na elaboração de trabalhos e até a compra deles. Tais desonestidades não eram vistas como corrupção. Para os acadêmicos, a falta de postura ética e moral associada à palavra corrupção era restrita aos políticos que se apropriam de dinheiro público. Se não sou político, não sou corrupto!!!

 

Pedagogos e psicólogos concordam que a infância, devido à disponibilidade e plasticidade da criança, é o período próprio para a aquisição das virtudes cívicas. Nessa idade o ser humano é eminentemente educável – e atenção – também corruptível, se sua formação for desvirtuada. Resta à sociedade brasileira – e o debate é extremamente promissor- decidir se a escola deve, de vez, ocupar esse espaço. A rigor, formar cidadãos também é atribuição dela.

 

*Luiz Gonzaga Bertelli é presidente do Conselho de Administração do CIEE/SP e presidente do Conselho Diretor do CIEE Nacional.