“A arte constrói coreografias do possível”, afirma Sidney Santiago Kuanza

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Ator está nas séries Rensga Hits e Segunda chamada, no Globoplay, em narrativas que apresentam realidades opostas para o homem preto

Patrick Selvatti

Sucesso do Globoplay, as séries Rensga Hits e Segunda chamada foram ao ar na tevê aberta recentemente e permitiu que o público conhecesse mais o trabalho do ator Sidney Santiago Kuanza. Um dos destaques das produções, o artista teve a oportunidade de interpretar personagens opostos, mas igualmente significativos.

Em Rensga Hits, ele vive o personagem Théo, que forma com a irmã, Thamires (Jeniffer Dias), uma dupla de cantores de sucesso quando crianças que agora precisam encarar as consequências da fama. O rapaz é excêntrico e vaidoso, simbolizando o clássico tipo de garoto problema, mimado, que vive em festas, rodeado de mulheres e luxo. Já em Segunda chamada, ele dá vida ao personagem Gero, um jovem que abandonou a escola e foi aliciado pelo tráfico, chegando a ter sua própria boca.

O ator, revelado em um papel de destaque no filme Os 12 trabalhos, de Ricardo Elias, de 2006, ficou nacionalmente conhecido pelo personagem Ademir, um esquizofrênico na novela Caminho das Índias, em 2009. De lá para cá, atuou em diversos filmes — com premiações em festivais no Rio, Pernambuco e Los Angeles —, além de novelas e séries.

ENTREVISTA/ Sidney Santiago Kuanza

A que você atribui o sucesso de Rensga Hits?

São muitos os acertos em Rensga Hits, mas eu apostaria em um time de roteiristas jovens coordenados pela Renata Corrêa, um momento onde salas de roteiros com mais diversidade refletem mais os interesses do público, e consegue, de alguma forma, transgredir a receita de sucesso do audiovisual brasileiro, que, historicamente, foi misógino, racista e sudestino. E retratar o universo do femenejo, este movimento tão singular e que hoje contribui muita para as emancipações das mulheres no país, foi louvável .

A dupla sertaneja bem-sucedida é composta por um homem e uma mulher e são pretos, algo que não se vê com muita frequência. Qual é a importância dessa representatividade?

O foto de não vermos, muitas vezes, não quer dizer que não existem. A indústria da música sertaneja, assim como de outros segmentos musicais brasileiros, foi extremamente cruel com as contribuições negras. Quero dizer que projetar um cenário musical pautado na brancura é, antes de mais nada, um projeto político de nação. Um apagamento histórico. Não vem de hoje. Desde os anos 1950, os artistas negros que estão no campo do sertanejo são apagados, isso demonstra uma característica dos interiores que presa e promovem essa imagem ligada as imigrações europeias. Um dupla negra que tenha sucesso e esteja nas paradas é um alento, é quando a arte ou o entretenimento pode tensionar a realidade e construir coreografias do possível.

Segunda Chamada mostra o lado mais realista da coisa, com seu personagem sendo um negro marginalizado. Essa retratação mais crua também é importante?

Sim, extremamente. Hoje, as juventudes negras, indígenas e periféricas sofrem com as violências do Estado, com o aliciamento dos quartéis do tráfico e com o sub-emprego. Segunda chamada denúncia a precarização da educação no Brasil. Quando uma arma seduz mais que livros é um diagnóstico que uma sociedade falhou. Gero (meu personagem na trama) foi um desses que foi seduzido pelo crime. E, nesse caso, podemos afirmar que só a educação liberta. Um educação que possa ser emancipatória. E é dever do Estado garantir uma segunda chance. Neste processo, a educação deveria ser a base. Infelizmente, sabemos que não é.

Seu personagem em Rensga Hits está no centro de uma denúncia de machismo estrutural. De que forma você luta em favor do feminismo?

Tenho uma companhia de teatro há 18 anos, a Cia Os Crespos e, nessa estrada, temos pensado uma dramaturgia, uma formação de público, uma formação de novos performers levando em consideração políticas internas de equiparação de gênero. Em nossos eventos, as desigualdade, violência de gênero e protagonismo histórico das mulheres são os nossos pilares de trabalho. Pessoalmente, busco em autoras como Leda Maria Martins, Nilma Lino Gomes, Cristiane Sobral, Cidinha da Silva, Esmeralda Ribeiro, Miriam Alves e Renata Carvalho caminhos para compreender as experiências das mulheridades no mundo. E, em épocas de eleição, dedico o meu tempo e o meu trabalho em promover a candidatura de mulheres negras e indígenas, como Érika Malunguinho, Érika Hilton, Sônia Guajajara, Vilma Reis e Eliane Mineiro. Outra atuação é no campo do trabalho, como produzo, e tem sido cada vez mais comum pensar equipe de trabalho montadas levando em consideração a diversidade.

Qual foi a motivação para a mudança no nome artístico?

Em 2010, morei um ano em um país africano (Angola), fui lecionar. E, uma certa vez, fui ao encontro de uma religiosa e quando ela me viu me disse: ” És um Kuanza que retorna a casa“. Foi um rebatismo. Sou filho de uma mulher negra de origem malê que nasceu no interior da Bahia, por parte de pai sou descendente de curdos (um povo apátrida do Oriente Médio) e, quando se é negro, sua identidade vai sendo reconstruída a partir da suas experiências. E, assim, se deu meu novo nome.

Patrick Selvatti

Sabe noveleiro de carteirinha? A paixão começou ainda na infância, quando chorou na morte de Tancredo Neves porque a cobertura comeu um capítulo de A gata comeu. Fã de Gilberto Braga, ama Quatro por quatro e assiste até as que não gosta, só para comentar.

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