Nazarian foi colher na própria experiência o material para o livro. Depois de terminar um relacionamento de seis anos e de voltar ao universo dos gays solteiros, o autor paulistano se deu conta de que muita coisa havia mudado. “O tema veio, obviamente, de tudo que a gente estava passando, dos quatro anos de governo que a gente teve, mas também do meu reencontro com as gerações gays”, conta. “Voltei a conhecer e tentar entender as novas cenas e os meninos mais novos, de 20 e poucos anos, e parecia que estava em outro país. Fiquei anos num país estrangeiro e foi como voltar a um país gay e reencontrar uma língua que não falava direito, com essa coisa da internet, das mídias.”
O livro, ele explica, foi uma forma de tentar entender essa geração que sofreu o olhar violento de um governo conservador, mas que também absorveu uma mentalidade armamentista. “Encontrei uma geração muito monetizadora, focada em mandar nudes, em cobrar não só programa, em tentar se vender, vender uma foto nua, se vender como um todo, patrocinando perfil no Instagram”, diz. “O livro foi uma forma de entender essa geração.”
Escrito em forma de diálogo, Veado assassino é rápido e fácil de ler. Também é uma espécie de mergulho na mente de um jovem que representa uma geração conectada, confusa, por vezes violenta e quase sempre vítima de um sistema. Como não há narrador, a história é contada pelo próprio adolescente, que sofre intervenções muito pontuais do interlocutor. Nazarian diz que queria trabalhar com o minimalismo, por isso optou por diálogos e ausência de narrador. “Nunca tinha feito isso”, conta. “Ao mesmo tempo, quando fui fazendo, percebi que, ao colocar tudo na boca do personagem, tinha mais liberdade.”
Veado assassino também é uma maneira de o autor se conectar com um público mais jovem. No livro anterior, Fé no inferno, Nazarian conta uma história com ramificações no genocídio armênio e no Brasil contemporãneo. São quase 400 páginas de uma saga lançada durante a pandemia. “Foi um livro muito pouco lido e resenhado. Então, quando fui pensar em qual seria um novo, depois de cinco anos escrevendo um livro-pesquisa, pensei em algo mais ligeiro, mais fácil de ler, mais barato pelo número de páginas. A estrutura (de Veado assassino) veio muito daí.” Em entrevista ao blog, Nazarian fala sobre a criação do personagem, a linguagem do livro e as conexões com o leitor.
Como surgiu a ideia desse personagem?
Quando surgiu a ideia do livro, ele meio que surgiu como um herói vingador, como um homem gay, um jovem gay vingador que poderia ser idealizado. Conforme fui escrevendo, o personagem foi ganhando complexidade, contradições, ficando longe de ser idealizado, ficando mais próximo do real. Ele tem muito de mim, tanto do que estava vivendo como gay tanto, quanto de coisas que vivi como adolescente. Umas questões que são atemporais, universais, e permanecem. Mas de linguagem, ele tem muito dos meninos com quem eu conversava nos aplicativos de pegação tipo grindr. E na época em que escrevi o livro, estava namorando um menino muito novo que estava se descobrindo uma mulher trans. Quando conheci, era um menino não binário, como o personagem do livro. Ele começou o processo de transição e eu acompanhei. A gente terminou no ano passado, mas continua amigo, mas eu estava vivendo muito isso.
E como veio a ideia de um interlocutor? Quem é ele?
É difícil falar sem dar spoiler, mas acho que ele é muito o exame do autor sobre o personagem. Ele cumpre a função do autor de tentar descobrir quem é o personagem. É uma técnica que muita gente usa. Muita gente faz esse exercício para criar esse personagem e fiz disso um romance, então acho que ele cumpre muito a função do autor. Mas talvez essa seja a visão mais óbvia.
Uma das intenções do livro era reencontrar o leitor mais jovem, sobretudo aquele dos teus primeiros livros. Funcionou?
Nem tanto. O retorno tem sido surpreendente porque eu estava mal acostumado no mau sentido. Meus primeiros livros tiveram muita repercussão, fiz muito programa de TV, sou dessa geração dos jovens escritores dos anos 2000 que tiveram muita mídia. E fui perdendo grande parte do público. Os últimos livros, apesar de terem sido finalistas de prêmio, não tiveram repercussão tão imediata como tive com esse livro. É um livro fácil de ler, de terminar rapidamente, uma coisa que não era tão fácil com meus livros anteriores. Ao mesmo tempo, é um título de impacto, um tema de impacto, chama a atenção. E tive retorno muito mais rápido do que esperava e muito positivo, principalmente dos colegas escritores que foram as primeiras pessoas que leram. Espero que o livro fure um pouco a bolha desse meio literário.
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