Romance mais recente do escritor, As doenças do Brasil oferece o que há de mais lindo no tratamento da língua para empacotar o que houve de mais feio na formação do povo brasileiro. É da perspectiva dos índios abaetés que Hugo Mãe conta a chegada dos portugueses a Pindorama. Foi de um cacique dos Anacés que o autor ouviu a frase que o guiaria pelo livro: “vá, e diga ao seu povo branco que um dia chegou aqui para nos matar, que seguimos de braços abertos para o receber como amigos”.
Honra é um guerreiro abaeté filho de um estupro de um homem branco. É zangado, desassossegado, dono de uma pele não suficientemente vermelha, mas será ele um dos defensores da aldeia, junto com Meio da noite, um menino negro, escravo, fugitivo, em busca de um quilombo e ciente de que, para ser aceito pelos índios, precisa provar não ter incorporado a maldade do homem branco. É essa dupla simbólica que vai encarar a batalha contra o invasor. E, no campo da luta, a língua é arma para os dois guerreiros. “Nossa língua é nosso comportamento”, avisam os guerreiros que treinam Honra. “Todas as palavras de todas as línguas juntas são o tamanho da divindade”, ensinam.
Hugo Mãe tem esse respeito pelas palavras que, em As doenças do Brasil, se apresenta de forma muito pura e sincera. Não são apenas frases impactantes, como a reflexão sobre o tempo — “uma mentira sobre o tempo que nos impede de viver quando somos e nos adia para quando jamais haveremos de ser. Chama-se futuro” —, são tijolinhos de afeto que o português sobrepõe para construir uma arquitetura que já era sólida antes de ser Brasil. Pode haver quem se pergunte com que legitimidade um branco português toma a pena para falar de uma guerra a partir da perspectiva indígena.
A esses, Hugo Mãe se dirige no posfácio com humildade e delicadeza. “Sermos daqui ou dali não obedece ao lugar do corpo. A cultura naturaliza-nos de outro modo e é mestiça. É identidade de um pouco de cada coisa e quem é só de um lugar e pobre porque nenhum lugar é inteiro”, escreve. “Este não é um retrato de comunidade alguma que exista. É o meu poema que tem que ver sobretudo com o assombro, o preconceito e a maravilha que sobre em alguém que quer sobretudo inventar uma hipótese por imaginação e exuberância.” O livro é dedicado a Ailton Krenak e traz prefácio de Conceição Evaristo.
De Valter Hugo Mãe. Biblioteca Azul, 208 páginas. R$ 54,90
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