Formada em jornalismo, Isabella Lubrano criou o Ler antes de morrer em 2014. Na época, trabalhava como produtora em um canal de televisão e queria muito dar o salto para a reportagem, mas o chefe não deixava. Ela começou então a gravar vídeos com resenhas de livros para treinar voz, postura e conteúdo. No fundo, tinha a esperança de ser notada pelo próprio chefe, mas acabou mesmo descoberta pelos internautas. Quando se deu conta, o canal chegava aos 40 mil inscritos. Muito mais do que os 10 leitores do blog homônimo mantido pela jornalista durante os anos anteriores.
“Fui fazendo uns vídeos esparsos no YouTube e fui vendo que a quantidade de visualizações era grande, bem maior que meu blog, que era também Ler antes de morrer”, conta Isabella. “A ideia desse nome é que eu tinha um livrão chamado 1001 livros para ler antes de morrer, cheio de clássicos, desde a antiguidade até hoje, e a ideia era ir lendo. Logo larguei mão de seguir a lista, mas mantive a meta de ler 1001 livros e criei o canal com essa proposta. O canal me surpreendeu porque, sem fazer divulgação nenhuma, ele chegava nas pessoas.”
Em um ano, a jornalista começou a fazer publicidade e, hoje, ela ganha mais do que na época em que trabalhava com produção de reportagem. Lidar com esse mercado é também saber se movimentar entre a publicidade e a qualidade que dá fama ao canal. Isabella não faz concessões. O Ler antes de morrer nasceu para falar de clássicos e isso, ela não deixa de fazer de maneira alguma. “O que achei que seria minha desvantagem acabou sendo o forte. O canal cresceu e sou muito procurada por editoras que querem fazer divulgação de seus lançamentos. Se, no primeiro e segundo ano, eu só falava dos clássicos, agora estou abrindo mais espaço para a divulgação de lançamentos. Mas tento escolher autores que tenham perfil mais literário e menos comercial. Mesmo abrindo esse espaço para os lançamentos, sempre trago um clássicos depois”, conta Isabella, que hoje conta com 200 mil inscritos no canal e procura publicar, pelo menos, uma resenha por semana.
Moradora de Vitória (ES), Ju Cirqueira só foi mesmo se tornar uma leitora assídua quando entrou para o curso de Letras Inglês. Até então, quase não lia. Se apaixonou, primeiro, pelos clássicos, mas só foi pensar mesmo em criar o Nuvem literária, em 2013. Quando os vídeos começaram a atrair leitores e ela passou a receber para divulgar literatura, decidiu largar um emprego público na capital e deixar de lado as aulas de inglês. “Eu não dava conta, porque trabalhava 35 horas na prefeitura, tinha minhas turmas e, no fim de semana gravava os vídeos e lia os livros. Como já fechava um trabalho publicitário com alguns autores, editoras e algumas empresas que apareciam, comecei a cobrar, porque não conseguia mais dar conta de fazer de graça. Aí coloquei um valor. Começou a aparecer muita gente, porque coloquei um valor baixo e as pessoas foram fechando do mesmo jeito. Então eu pegava uns quatro autores nacionais, e um de fora e aí já me ocupava”, conta.
O Nuvem literária tem um perfil um pouco diferente do Ler antes de morrer. Os lançamentos são mais frequentes e Juliana também insere outros temas nos vídeos, como organização das estantes, caligrafia e detalhes sobre a maneira como lida com a literatura. Muito atenta à demanda dos seguidores, ela procura atender aos pedidos e já fez até vídeo sobre a reforma do escritório. Suas resenhas costumam ser direcionadas ao público mais jovem e a presença de lançamentos mais comerciais é frequente.
Vlogger literário, primeiros passos
Com Juliana Cirqueira. Nesta segunda (20/08),às 17h, no Espaço Z, na 4ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura
Ler antes de morrer
Com Isabella Lubrano. Nesta terça (21/08), às 17h, no Espaço Z, na 4ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura
Quantos por cento do canal, hoje, é patrocinado? E você escolhe os patrocínios?
Sim. Já tive, há algum tempo, uma assessoria que corria atrás dos trabalhos e me passava. Hoje, essa assessoria ainda traz alguns trabalhos, mas não tem mais exclusividade, então posso fechar por conta própria. Escolho coisas que realmente sei que vou gostar e que tem a ver comigo e com o canal. Mas tem muitas coisas que que recuso porque não acho que tem a ver comigo. Leio muita ficção histórica, romance, clássicos, que é mais difícil de pegar porque as editoras querem divulgar os lançamentos. Geralmente, faço os clássicos por minha conta, porque não vou deixar de ler. E não é porque a empresa não pagou que não vou fazer: se me interessar, eu faço. Ainda tem muito conteúdo não patrocinado no canal. Mais ou menos metade. Geralmente, as empresas patrocinam resenhas e eu posto umas quatro por mês. E o canal tem vários outros vídeos, não patrocinados e aleatórios.
Quais os temas costumam ter mais visualizações?
Os livros mais contemporâneos, que estão em alta, os lançamentos das editoras. E bombam muito os vídeos com listas de melhores isso, melhores aquilo, de favoritos, de livros de acordo com gênero e livros de ficção científica ou de viagem no tempo. Sobre coleções também.
Você sempre leu muito?
Na verdade, não. Meus pais não leem, moro muito longe da minha família e não tenho contato com parentes e primos. Meus pais compravam os livrinhos infantis quando eu era criança, mas depois que passei dessa fase para a adolescência, não li mais nada. Voltei a ler aos 18 anos, quando entrei na faculdade. Fiz por causa do inglês, que eu adorava, e tinha as disciplinas de literatura. Acabei me apaixonando pelos clássicos por conta dos professores, que faziam aulas maravilhosas sobre os clássicos. Depois, fui conhecer os contemporâneos.
Por que a resenha no vídeo deu certo?
A internet é feita de ondas e o YouTube mudou o comportamento do internauta. Meu blog não chegava nas pessoas, as pessoas estavam se desinteressando pelos blogs e a grande moda passou a ser vídeo. Cheguei no YouTube com a moda andando, não cheguei no começo, então já tinha aqueles mega YouTubers. Com o tempo, pode ser que o YouTube deixe de ser uma mídia legal e uma plataforma relevante e seja substituído por outra coisa.
Brasileiros leem, no máximo, quatro livros por ano. Você fica surpresa de ter tantos inscritos para ouvir falar sobre livros?
É fato que não temos uma cultura de leitores no Brasil. É cultural. O gesto de ler é solitário e o brasileiro é gregário, social, ainda associa o ato de ler, sozinho, em casa, com tristeza, depressão, falta de amigos, ausência de vida social e amorosa. Acontece que o Brasil é tão grande, tem 200 milhões de habitantes, que 1% já é um contingente enorme. Parei de reclamar disso porque, apesar de não termos uma cultura de leitores, o Brasil é tão grande que tem de tudo. Tentando ser otimista penso, que a gente ainda pode melhorar. Isso quando estou otimista, porque na maioria do tempo eu não estou. O Brasil vai muito mal. Não existem políticas públicas. Eu realmente não acredito que nós, booktubers, fazendo trabalho de formiguinha tenhamos a capacidade de alterar qualquer coisa na realidade da leitura no país. Acho que a gente atinge pessoas que já gostavam. Criar leitores, quem faz é política pública, de investimento em educação, de incentivo à leitura, mas isso é plano de governo, um trabalho sério, planejado e bem feito, que venha de Brasília e se espalhe pelos estados a municípios. Não individualmente. Mas para aqueles que leem ou tiveram uma experiência de leitura bacana e querem mais, a gente faz diferença. Agora, acho muito difícil alguém que não tenha lido nada assista o canal e vá ler.
Tem autores que são garantias de muitas visualizações?
Me surpreendi com algumas modas. O conto da Aia (de Margaret Atwood), por exemplo, é um. Esses vídeos em que relaciono os livros com temas da atualidade, não consigo fazer sempre porque nem sempre dá, mas quando faço, sempre bomba. Fiz um de livros para serem lidos durante a greve dos caminhoneiros e o pessoal adorou. Mas com relação às resenhas, tem livros na moda, tem autores muito populares. É impressionante como Clarice Lispector bomba. Bomba para meus padrões, não quer dizer que vai ter milhões de visualizações. O conto da aia, que teve o seriado, era um livro dos anos 1980, não era conhecido no Brasil, mas como o seriado ganhou todos os prêmios no ano passado, quando eu fiz a resenha , bombou. Consigo medir também porque coloco os links para comprar os livros na Amazon e, com isso, ganho uma comissão e consigo ver quantos livros foram vendidos. O conto da aia vendeu muito. O pessoal gosta de livros que estão na moda e tem uns autores que não saem de moda nunca. Não sei por que o Dostoiévski é adorado. Nunca imaginei, porque sempre imaginei a literatura russa como hermética, difícil, mas toda vez que falo de Dostoiévski, as pessoas adoram e compram. O leitor brasileiro é minoria, mas ele tem uma fascinação por esses autores. E tem isso: às vezes a pessoa não tem coragem de ler porque acha que não vai entender e, vendo meu vídeo, ela se encoraja. Fico muito feliz quando isso acontece.
Você estuda para fazer as resenhas?
Sou jornalista, a gente aprende que tem que pesquisar antes. Mas não tento me passar por professora, não tenho formação nisso. O que eu trago é aquela coisa de expandir o conhecimento, tornar a coisa difícil, acessível. Tento ler as resenhas que foram feitas, ler sobre o contexto histórico em que a obra foi lançada. E o legal em falar dos clássicos é que são livros que mudaram o mundo, então tem muita coisa pra falar. A maioria dos livros que a gente hoje considera clássicos ou foram proibidos, ou alguém tentou jogar numa fogueira. Não faço análise literária, não tenho formação pra isso, mas dou uma diretriz, tento passar da maneira como eu entendo, eu que não sou especializada na coisa. Tento transformar o que parece difícil, em acessível. E trazer curiosidades, isso é importante, com um pouco da história da vida dos autores, porque eles têm vidas legais. Tem muita coisa que se pode falar. Tento trazer o máximo de fatos curiosos e informações que são importantes.
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