O texto caiu nas graças da internet, foi retuitado por pessoas ligadas a Barack Obama (Jonathan Franzen e seu Liberdade já se beneficiaram bastante de Obama, que apareceu de férias com o romance debaixo do braço) e lido por milhares. Houve, aparentemente, muita identificação entre os leitores e a situação criada pela autora. Consentimento sexual e seus limites é um dos temas que pauta o encontro entre Margot e Robert. Quando a personagem se dá conta de que não queria ir adiante no sexo, se sente desanimada demais para dar início a um “não, obrigada”.
“Ao ver Robert assim, numa posição tão estranha, com a barriga grande, mole, coberta de pelos, Margot pensou: ai, não. Mas imaginar o que seria necessário fazer para interromper o processo que ela havia iniciado era assustador; aquilo iria exigir um tato e uma gentileza que ela julgou impossível canalizar”, de Cat person
Cat person é um bom conto, mas não é o melhor do livro. Na verdade, é até comportadinho perto dos outros 11 textos. Roupenian é habilidosa. E perversa em vários níveis. E estranha com sua ambiguidade que causa uma tensão excitante e sua ironia contida e sutil. Tem uma escrita multifacetada e é capaz de narrativas muito diferentes entre si. Não há monotonia nas histórias da escritora, uma norte-americana de 38 anos com doutorado em literatura em Harvard.
“Pelo que pareceram horas, debochamos dele e o alfinetamos e o provocamos, e ele foi ficando cada vez mais atordoado, mas não levantou, continuou grudado em seu lugar no sofá e quando finalmente começou a abrir o zíper da calça jeans nós sentimos uma adrenalina que não tinha comparação”, de Seu safadinho
Nessa diversidade, é possível encontrar um conto de fadas medonho sobre uma rainha apaixonada pela própria imagem (ou um fêmur, um balde e uma capa) que acaba por se autoconsumir, assim como uma historinha aparentemente inocente sobre o casal empenhado em consolar o amigo cujo coração foi partido, mas que acaba por envolvê-lo em um triângulo amoroso cheio de manipulações mortais. Ou ainda outra historinha de início meio banal sobre uma mãe perdida na tentativa de se enquadrar socialmente depois de um divórcio, mas condenada a ser cúmplice da filha de 10 anos em um ataque à namorada mais jovem do ex.
“No caos que se instalou logo após O Ocorrido, quando a conversa, a bronca, os gritos e os chacoalhões não foram suficientes para acabar com a choradeira de Tilly, Carol — a Carol pacifista, a Carol portadora-de-um-cartão-de-maconha-medicinal, a Carol Mãe Natureza — deu um tapa na cara da menina. A força do golpe arrancou os óculos do nariz de Tilly, e Marla, que nunca tinha batido na filha, que nunca tinha nem pensado em fazer uma coisa dessas, levou a mão à boca para segurar uma risadinha”, de Sardinha
Em entrevistas, Roupenian conta que não esperava o sucesso de Cat person. Nem que uma editora britânica comprasse os direitos do livro, ainda não escrito, por um milhão de dólares. Cat person, ela escreveu em três dias. Em julho, a autora desembarca no Brasil para participar da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Ela foi o primeiro nome anunciado pela curadora do evento, Fernanda Diamant.
Cat person e outros contos
De Kristen Roupenian. Tradução: Ana Guadalupe. Companhia das Letras, 256 páginas. R$ 44,90
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