Halberstadt nasceu na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), mas emigrou com a mãe para os Estados Unidos ainda menino. Cresceu em Nova York e tornou-se jornalista em veículos como The New York Times, The New Yorker e The Paris Review. Ganha a vida contando histórias — e das boas —, por isso não desistiu quando descobriu que o próprio avô foi guarda-costas de Josef Stálin. Não era uma informação banal, dessas que circulam feito lenda nas festas de família. Vassily, o avô, sempre escondeu a ocupação por uma questão de vida ou morte.
Para completar, Halberstadt sabia pouco sobre o outro ramo da família, o braço judeu, cuja história se perdeu por outra questão de vida e morte: como 90% das famílias judias do leste europeu, a do jornalista foi dizimada por perseguições e matanças sucessivas, de Adolf Hitler a Stalin. Viagens constantes à então URSS, ao bloco comunista que reunia países como Estônia e Lituânia e, posteriormente, à Rússia e suas ex-repúblicas despertaram no jornalista a vontade de investigar a história familiar e transformá-la em uma extensa reportagem. Jovens heróis da União Soviética resulta dessa pesquisa.
Depois que Halberstadt conheceu o avô Vassily, em 2004, ele se deu conta de que a história que queria contar era maior do que a saga familiar. “Entendi que a história da minha família era muito mais baseada em eventos históricos do que na individualidade dos membros da família. A vida deles foi moldada, sempre violentamente, pelos lugares e tempos que viveram. Então, decidi escrever um livro sobre a relação entre o histórico e o pessoal – e, por extensão, entre história e biografia”, explica. “Nós sempre pensamos neles como sendo duas escalas distintas de uma narrativa, mas eu acredito que eles são, na verdade, inseparáveis, como cabelo em uma trança. Então eu queria escrever sobre esse problemas contando a história da minha família.”
Qual foi o maior desafio dessa pesquisa, que precisou lidar com arquivos construídos durante um período totalitário e de muita destruição?
Em termos de pesquisa, a parte mais difícil foi quanto aos mistérios: as peças que faltavam sobre a vida dos meus avós, especialmente sobre a vida do meu avô paterno, Vassily, cujos anos na polícia secreta e como guarda costas de Stalin permanecem cheios de buracos. Sociedades totalitárias são baseadas em reter e destruir informação. E isso é especialmente verdade na União Soviética, sobre a qual ainda não sabemos muitos fatos, especialmente sobre os tempos de Stalin. Muitos documentos dos judeus lituanos mortos no Holocausto também foram destruídos.
Qual foi sua reação quando, como jornalista, você descobriu que seu avô havia sido guarda-costas de Stálin?
Eu descobri isso quando era adolescente, ainda não era jornalista. Quando descobri, fiquei horrorizado. Era como ter um avô que foi da Gestapo. Levei muitos anos para compreender exatamente o que significava, e que tipo de vida meu avô viveu. Até hoje, partes dela permanecem desconhecidas para mim e provavelmente sempre serão. Para mim, ser descendente de um guarda costas de Stálin demonstra que nossas vidas estão sujeitas à vasta e poderosa força da história. Às vezes, penso no que Vassily seria se tivesse nascido 100 anos antes ou depois, ou em outro lugar, como na América ou no Brasil. E claro que me sinto pessoalmente próximo dos crimes terríveis que assombram a era Stalin – sinto como se a história estivesse invadindo a minha vida.
Sua avó diz,no livro, que ela parou de amar seu avô porque ele não precisava de nada além dele mesmo. Como se sente sobre isso?
Para sobreviver em um trabalho como o de Vassily, era preciso ter a incrível habilidade de compartimentalizar a realidade e dissociá-la de suas próprias emoções. Eu realmente acho que ele fez isso, especialmente enquanto membro da polícia secreta soviética, um trabalho que requeria isso. E claro que essa dormência o seguiu por toda a vida como pai e marido. Era necessário. Não acho que seja possível fazer esse trabalho e ter uma vida pessoal ordinária ou plena. Quando nos despedimos, ele me disse que sentia medo todos os dias, e acho que o estado de espírito se tornou uma parte inseparável dele para o resto da vida. O medo come a alma.
Seu avô era ucraniano. O que acha que ele diria sobre a guerra iniciada por Vladimir Putin?
É uma questão difícil de responder: nos tempos da União Soviética, a separação entre as várias partes do império era meio borrada. Mas eu acho que se ele vivesse na Ucrânia hoje enquanto um jovem, não tenho dúvida que ele estaria defendendo seu país.
E você, como se sente em relação a essa guerra?
Como boa parte do mundo, estou horrorizado por essa guerra. Sou metade ucraniano e metade russo, e ainda tenho família nos dois países. Claro que sinto muito pelos ucranianos e estou comovido com sua coragem em defender o país. Mas acho que esses ataques injustos e injustificáveis contra a Ucrânia terão consequências muito piores para a Rússia. Eu cresci nos tempos soviéticos e agora estamos vendo a Rússia retornar à realidade soviética: está se tornando isolada do resto do mundo, economicamente fraca e completamente desprovida de uma imprensa livre e direitos humanos básicos. Russos da minha geração estão agora enfrentando as mesmas escolhas que seus avós nos anos 1930 – tendo que escolher entre o que sabem ser o certo e autopreservação. Tenho lido sobre vizinhos denunciando uns anos outros ao governo por se opor à guerra, exatamente como faziam os russos nos tempos de Stalin. Estamos vendo a natureza cíclica da história, e meu coração está partido pela Ucrânia e pela Rússia.
Jovens heróis da União Soviética — Uma história de reencontro e um ajuste de contas
De Alex Halberstadt. Tradução: Otacílio Nunes. Objetiva, 360 páginas. R$ 67,92
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