A sensibilidade aguçada de Gabriela Aguerre

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O quarto branco não é uma biografia, mas não se pode descolar a história de Glória da de Gabriela Aguerre. Muito da experiência da autora, sobretudo no que diz respeito ao deslocamento e à busca da identidade, está nesse primeiro romance, que é para ser lido em isolamento e com atenção especial para a delicadeza com a qual as palavras são organizadas. O quarto branco é um livro sobre os sentimentos, sobre como lidar com o que a vida apresenta quando não se tem os instrumentos para fazer de um limão uma limonada.

Nascida no Uruguai e radicada no Brasil desde pequena, Glória acaba de completar 40 anos, é demitida e descobre que não poderá ter filhos. O pai, sua ligação mais profunda com a origem uruguaia, está internado com uma doença grave. Então, num ímpeto de se apegar às raízes para se reencontrar e compreender a si mesma, ela embarca para Montevidéu, de onde saiu muito pequena, mas onde ainda tem boa parte da família e um apartamento. A viagem é um tema clássico no romance, um caminho simbólico para a autodescoberta, um percurso portador da ideia de que o deslocamento propicia o olhar para dentro e o questionamento da identidade. Para Glória, não vai ser diferente. E é nesse caminho que o leitor a acompanha. A viagem dela é física, mas também é política e espiritual.

A personagem tinha uma irmã gêmea, com a qual conviveu por alguns meses. A menina morreu, ela sobreviveu. Além da fronteira física entre dois países, sobre a qual  Glória está a cavalo, já que suas referências são divididas entre as duas culturas, há uma fronteira da alma, aquela que se impõe toda vez que pensa sobre a ligação com a irmã morta. Gêmeos não se desligam com facilidade. Nem com a morte plantada entre eles. A busca do significado dessa ligação leva a personagem a uma viagem interior descrita com muita habilidade por Gabriela Aguerre, que também é gêmea e perdeu a irmã, nos primeiros meses de vida, no Uruguai, onde nasceu.

Gabriela é jornalista especializada em relatos de viagem. O quarto branco, seu primeiro romance, foi fruto de um curso de escrita criativa. “Comecei a investigar os assuntos ao meu redor e escolhi como guia a história das gêmeas. É um assunto que sempre me interessou, faz parte das minhas obsessões. Sou gêmea, minha irmã gêmea morreu aos 3 meses, é um fator biográfico que investigo com viés criativo. Mas não é uma autobiografia. Tem muito de imaginativo no livro, mas é um assunto que me constitui”, avisa. “Me deixei atravessar por outras emoções, sentimentos, outras histórias. Sempre pensando o que tenho a dizer e como essa personagem se coloca. Aos poucos, fui entendendo a questão da descendência, como podemos nos dividir pra frente e pra trás… É quase uma questão matemática, quem somos.”

As descrições dos sentimentos e sensações de Glória constituem as partes mais sensíveis e líricas de O quarto branco. Gabriela consegue criar um ambiente extremamente afetuoso no qual as palavras, escolhidas com muito cuidado, tecem uma renda firme e terna de intimidade. A angústia de Glória é descrita com uma sensibilidade lapidada pela linguagem. “É um interesse meu a busca das palavras que tentam descrever as sensações, é um processo muito consciente. Desde as coisas mais comezinhas… Como é difícil descrever um cheiro, um sabor. Meu desafio é encontrar as palavras para descrever as sensações”, avisa a autora. “Tenho essa busca das palavras, que nem sempre são as certas, porque não tem isso de certa e errada. O literário põe palavras naquilo que nunca foi dito. Uma amiga me disse isso.”

O quarto branco

De Gabriela Aguerre. Todavia, 118 páginas. R$ 49,90

Nahima Maciel

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