Fofão da Augusta é tema de livro-reportagem

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Se Ricardo e Vânia cair nas suas mãos, reserve um tempo para sentar e lê-lo de uma vez, porque a reportagem de Chico Felitti é tão envolvente que fica difícil deixá-la de lado antes do fim. O livro conta a trajetória de Ricardo Corrêa da Silva, um morador de rua conhecido como Fofão da Augusta e cuja história Felitti perseguiu durante 13 anos. Cabeleireiro e maquiador famoso na São Paulo dos anos 1970 – trabalhou para Beth Carvalho e Tônia Carrero -, gay, artista e performer, mas também esquizofrênico, Ricardo era originário de Araraquara e foi para São Paulo para fugir da opressão conservadora natural das cidades do interior. Na capital, foi do céu ao asfalto e é essa ascensão e queda que Felitti conta em Ricardo e Vânia.

O apelido veio do rosto deformado do personagem, consequência do excesso de silicone injetado durante anos em aplicações caseiras muito comuns entre os travestis nos anos 1980. As bochechas redondas e a papada davam a Ricardo um aspecto bizarro que o tornava facilmente reconhecível e motivou o apelido odiado  pelo cabeleireiro.

Foi em uma mesa de bar que Felitti percebeu o potencial da história pela primeira vez. Também de Araraquara, ele tinha 17 anos quando chegou em São Paulo. Na primeira semana, saiu para beber com amigos e se deparou com vários relatos sobre o Fofão da Augusta. À mesa, todo mundo ouvira falar do personagem, poucos o conheciam e todos tinham versões diferentes para sua história. “E quanto mais o tempo passava, mais eu ouvia versões diferentes”, conta.

“Eu achava que, no começo, era muito interesse da cidade por ser uma figura paulistana. Com o tempo, pessoas que não eram de São Paulo e nunca tinham tido contato com a figura do Ricardo começaram a me escrever e fui me dando conta de que, talvez, tivesse uns caracteres universais discutidos ali, desde a mudança para uma grande cidade até o medo da solidão, a influência psiquiátrica, a questão da  lgbtfobia. São personagens que foram marginalizados e são até hoje e acho que eles tocam em pontos universais, mesmo pra quem nunca tinha cruzado com aquela figura.”

Durante os 13 anos que se seguiram, Chico buscou informações sobre Ricardo, mas havia sempre mais lendas do que fatos. Um dia, por um acaso inexplicável, durante uma caminhada no Minhocão, esbarrou no personagem e confessou que sempre quis entrevistá-lo. E ele topou.

A partir do fio desfiado com as entrevistas, o repórter chegou em Vânia, o grande amor da vida de Ricardo, com a qual chegou a montar um salão mas de quem se separou. Nessa época, nos anos 1980, Vânia ainda era Vagner. A transformação ocorreria anos depois, quando ele se mudou para Paris, onde vive até hoje. A segunda parte do livro traz a história de Vagner-Vânia, da mudança para a Europa, da vida como garota de programa e travesti e da figura de referência que a personagem se tornou para muitas meninas que deixam o interior paulista rumo à capital francesa em busca de sucesso no submundo da prostituição. Felitti dá voz a essas mulheres e desconstrói um cenário muitas vezes visto com a lente do preconceito e dos clichês.

A vida à beira da estrada do Bois de Boulogne não é tão fácil quanto se gosta de imaginar e, por trás dos corpos há dramas, sofrimento, alguns êxitos e também uma boa dose de tragédia. Ricardo e Vânia ajuda no exercício da empatia graças à relação de afeto do autor, que não hesita em se mostrar e falar também sobre seus medos e expectativas durante a apuração, desenvolve com suas personagens. Em tempos difíceis de intolerância, a reportagem dá fôlego humano a histórias tocantes.

Ricardo e Vãnia – O maquiador, a garota de programa, o silicone e uma história de amor

De Chico Felitti. Todavia, 190 páginas. R$ 54,90

Nahima Maciel

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