O clube dos jardineiros da fumaça não é um romance de geração, embora esteja cheio de conflitos geracionais. É um livro mais adulto, ou sobre um universo mais adulto, como queria a autora desde o início. É como se os jovens de Sinuca embaixo d’água e Pó de parede tivessem amadurecido, crescido. De fato, cresceu a narrativa de Carol, que está mais madura e traz personagens bem desenhados em suas desilusões, ingenuidades e desânimo com o mundo dos adultos.
O clube dos jardineiros da fumaça também é um livro de imagens e ações, bem construído e erguido sobre a história de um lugar e de uma geração e suas aspirações. E há coisas muito interessantes nesse romance.
A começar pelo conflito de gerações. Arthur é um professor brasileiro de ensino médio em Porto Alegre que se muda para a região de Mendocino depois de ser pego plantando maconha para aliviar as dores do câncer da mãe, que acaba por morrer. O rapaz convence o pai de que irá estudar em Berkeley, mas vai mesmo é atrás do trabalho ilegal nas plantações. A trama se passa às vésperas da legalização da maconha para uso recreativo na Califórnia. A lei que liberou a comercialização e fez do estado o primeiro no país a vender livremente a planta ainda não estava em vigor. Na época em que se passa O clube dos jardineiros da fumaça, o uso legal é apenas medicinal e o cultivo não faz parte da cartilha de leis, embora muitas autoridades façam vista grossa para o fato. Afinal, é a Califórnia.
Quando Arthur chega a Mendoncino, o cultivo ainda se dá nas sombras de fazendas clandestinas e o trabalho na colheita e na preparação das folhas e sementes é um dos mais bem pagos do estado. Várias histórias se cruzam com a do gaúcho para expor as coisas sobre as quais a autora quer falar. Uma viúva de um casamento abusivo que procurou refúgio na região nunca havia pensado em fumar a erva até conhecer Arthur. Sylvia, cujos únicos compromissos são o voluntariado em uma biblioteca e os encontros de um grupo de ajuda para filhos de alcoólatras, fica encantada com as sensações quando experimenta as maravilhas de um “camarão”. Tamara, a garçonete perdida em um relacionamento fracassado, vê em Arthur uma espécie de caminho. E Dave é o velho hippie, mão de obra fundamental na fazenda que vai acolher o gaúcho.
Permeiam a narrativa personagens que Carol pescou na realidade e transformou em ficção, como Robert Randall, primeiro paciente de glaucoma a conseguir autorização do governo americano para fumar maconha legalmente depois de seu médico apontar a erva como único remédio capaz de reduzir a pressão ocular. E Dennis Peron, militante da causa gay e, sobretudo, da liberação da maconha, dono de um café supostamente frequentado pelo ativista Harvey Milk. São figuras importantes para o propósito do livro e para explicitar um tema do qual O clube dos jardineiros da fumaça trata com generosidade: as drogas e sua eventual legalização. Importante: Carol não fala disso de forma panfletária. Ela conduz a narrativa com muita habilidade e envolve o leitor nessas vidas que podem parecer sem propósito, mas são cheias de questionamentos. Não há certezas entre os personagens. Suas atitudes estão mais para um cansaço diante das convenções e das regras sociais. Eles estão e querem estar à margem, não são combatentes de uma causa.
O conflito de gerações aparece em vários embates. Arthur está um tanto perdido, assim como um dos filhos de Sylvia. Esta última quer consertar o que já não pode mudar ou compreender. Diz o narrador que ela “não sabe onde começam as limitações de toda uma geração azarada que está se tornando adulta em um mundo ultracompetitivo e economicamente instável”. É um pouco o retrato da geração de Arthur. Entre as reminiscências de uma vida mais simples, à moda despreocupada da geração hippie, e uma contemporaneidade na qual Facebook e Airbnb arrancam qualquer um do isolamento, os personagens parecem querer viver em um mundo à parte, em suspensão.
Tamara e sua tentativa de embarcar em uma relação de poliamor (frustrada, em todos os aspectos), Arthur e a vontade de fugir da competição para se manter à margem, sem muita perspectiva, Sylvia e a constatação de que perdeu anos (e os filhos) em um casamento vazio, Dave e o desânimo diante das contemporaneidades formam uma teia interessante. Não são mais os personagens recém ingressados na vida adulta de Sinuca embaixo d’água ou Pó de parede.
O clube dos jardineiros da fumaça
De Carol Bensimon. Companhia das Letras, 364 páginas. R$ 49,90
Nascida em Boston, uma das cidades mais literárias dos Estados Unidos, terra de Edgar Allan…
Como o mundo funciona — Um guia científico para o passado, o presente e o…
Romance, ciência, história e contemporaneidade: o Leio de Tudo selecionou oito publicações recentes que merecem…
Depois de cinco anos escrevendo o que chama de “livro-pesquisa”, Santiago Nazarian resolveu mergulhar em…
Saia da frente do meu sol De Felipe Charbel. Autêntica Contemporânea, 136 páginas. R$ 38,90…
Um episódio real e chocante despertou no português Miguel Sousa Tavares a urgência de escrever…