Crédito: Companhia das Letras/Divulgação. Escritora Carol Bensimon.

Drogas, imigração e conflito de gerações no novo livro de Carol Bensimon

Publicado em literatura, livro, real, romance

Carol Bensimon passou um tempo no Norte da Califórnia para escrever O clube dos jardineiros da fumaça. Alugou uma cabana no condado de Mendocino, três horas ao norte de São Francisco, exatamente no Triângulo Esmeralda, região conhecida pela plantação de maconha. Passou seis meses por lá e cultivou uma verdadeira intimidade com o lugar. Esse é um dos atrativos do novo livro da autora gaúcha. 

O clube dos jardineiros da fumaça não é um romance de geração, embora esteja cheio de conflitos geracionais. É um livro mais adulto, ou sobre um universo mais adulto, como queria a autora desde o início. É como se os jovens de Sinuca embaixo d’água e Pó de parede tivessem amadurecido, crescido. De fato, cresceu a narrativa de Carol, que está mais madura e traz personagens bem desenhados em suas desilusões, ingenuidades e desânimo com o mundo dos adultos.

O clube dos jardineiros da fumaça também é um livro de imagens e ações, bem construído e erguido sobre a história de um lugar e de uma geração e suas aspirações. E há coisas muito interessantes nesse romance.

A começar pelo conflito de gerações. Arthur é um professor brasileiro de ensino médio em Porto Alegre que se muda para a região de Mendocino depois de ser pego plantando maconha para aliviar as dores do câncer da mãe, que acaba por morrer. O rapaz convence o pai de que irá estudar em Berkeley, mas vai mesmo é atrás do trabalho ilegal nas plantações. A trama se passa às vésperas da legalização da maconha para uso recreativo na Califórnia. A lei que liberou a comercialização e fez do estado o primeiro no país a vender livremente a planta ainda não estava em vigor. Na época em que se passa O clube dos jardineiros da fumaça, o uso legal é apenas medicinal e o cultivo não faz parte da cartilha de leis, embora muitas autoridades façam vista grossa para o fato. Afinal, é a Califórnia.

Drogas e imigração

Quando Arthur chega a Mendoncino, o cultivo ainda se dá nas sombras de fazendas clandestinas e o trabalho na colheita e na preparação das folhas e sementes é um dos mais bem pagos do estado. Várias histórias se cruzam com a do gaúcho para expor as coisas sobre as quais a autora quer falar. Uma viúva de um casamento abusivo que procurou refúgio na região nunca havia pensado em fumar a erva até conhecer Arthur. Sylvia, cujos únicos compromissos são o voluntariado em uma biblioteca e os encontros de um grupo de ajuda para filhos de alcoólatras, fica encantada com as sensações quando experimenta as maravilhas de um “camarão”. Tamara, a garçonete perdida em um relacionamento fracassado, vê em Arthur uma espécie de caminho. E Dave é o velho hippie, mão de obra fundamental na fazenda que vai acolher o gaúcho.

Permeiam a narrativa personagens que Carol pescou na realidade e transformou em ficção, como Robert Randall, primeiro paciente de glaucoma a conseguir autorização do governo americano para fumar maconha legalmente depois de seu médico apontar a erva como único remédio capaz de reduzir a pressão ocular. E Dennis Peron, militante da causa gay e, sobretudo, da liberação da maconha, dono de um café supostamente frequentado pelo ativista Harvey Milk. São figuras importantes para o propósito do livro e para explicitar  um tema do qual O clube dos jardineiros da fumaça trata com generosidade: as drogas e sua eventual legalização. Importante: Carol não fala disso de forma panfletária. Ela conduz a narrativa com muita habilidade e envolve o leitor nessas vidas que podem parecer sem propósito, mas são cheias de questionamentos. Não há certezas entre os personagens. Suas atitudes estão mais para um cansaço diante das convenções e das regras sociais. Eles estão e querem estar à margem, não são combatentes de uma causa.

O conflito de gerações aparece em vários embates. Arthur está um tanto perdido, assim como um dos filhos de Sylvia. Esta última quer consertar o que já não pode mudar ou compreender. Diz o narrador que ela “não sabe onde começam as limitações de toda uma geração azarada que está se tornando adulta em um mundo ultracompetitivo e economicamente instável”. É um pouco o retrato da geração de Arthur. Entre as reminiscências de uma vida mais simples, à moda despreocupada da geração hippie, e uma contemporaneidade na qual Facebook e Airbnb arrancam qualquer um do isolamento, os personagens parecem querer viver em um mundo à parte, em suspensão.

Tamara e sua tentativa de embarcar em uma relação de poliamor (frustrada, em todos os aspectos), Arthur e a vontade de fugir da competição para se manter à margem, sem muita perspectiva, Sylvia e a constatação de que perdeu anos (e os filhos) em um casamento vazio, Dave e o desânimo diante das contemporaneidades formam uma teia interessante. Não são mais os personagens recém ingressados na vida adulta de Sinuca embaixo d’água ou Pó de parede.

 

O clube dos jardineiros da fumaça

De Carol Bensimon. Companhia das Letras, 364 páginas. R$ 49,90