Galera enviou aos editores uma lista de autores brasileiros e de outros países. “A gente tentou buscar autores de países variados do continente, de preferência autores novos, iniciantes e com poucos livros publicados, com um ou outro mais experiente no meio. O objetivo foi uma combinação variada”, avisa o autor de Barba ensopada de sangue. Aprovada a sugestão, ele encomendou contos inéditos que tivessem o viés policial. O resultado está em Acerto de contas – Treze histórias de crimes & nova literatura latino-americana, uma compilação de narrativas policiais que dizem muito sobre os países da América Latina.
Um dos detalhes mais interessantes dessa reunião é que nem sempre os autores têm alguma ligação com o gênero. Nomes como Carol Bensimon, Bernardo Carvalho, Joca Reiners Terron e Juan Pablo Villalobos aproveitam para experimentar um território tradicional sem se apegar aos clichês associados à literatura policial. É, aliás, um dos pontos que Júlio Pimentel Pinto, professor do departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), destaca no prefácio. “E esse leitor – sempre desconfiado e às vezes viciado – percebe que a ficção continua a ser um poderoso sismógrafo das tensões e impasses que nos cercam e que a narrativa policial e a própria ideia de América Latina não podem ser resumidas a definições e rótulos prévios e esquemáticos”, escreve. Nos contos, ele continua, “há a percepção dura de um mundo marcado por ações ilegítimas do ponto de vista legal ou moral”.
Não há fórmulas fechadas para a ficção policial. Por isso, histórias como a do polonês que se depara com a realidade brasileira de chacinas e corrupção no conto de Joca Terron, ou a campanha política cercada de acontecimentos suspeitos e um assassinato da narrativa de Juan Pablo Villalobos parecem falar de coisas que conhecemos bem. Só lá pelas tantas, avançando na leitura, é que percebemos que sim, o Brasil tem fermento para histórias policiais que, infelizmente, acabam se tornando banalidades de um cotidiano violento. Na voz de Bernardo Carvalho, um monólogo desesperado de um secretário de segurança prestes a ver uma cidade paralisada por conta de uma facção criminosa descontente com certa movimentação nas cadeias do país vira um retrato tenso de uma situação recente. Carol Bensimon foi buscar nos protestos de junho de 2013 o material para uma narrativa que fala da história recente sem, necessariamente, mergulhar no gênero policial.
A experimentação é marca da McSweeney´s e encontra reflexo nos contos selecionados por Galera. “Cada edição tem uma proposta editorial e um projeto gráfico completamente diferentes e o espírito era um pouco esse de tentar obter resultados inusitados. É um conjunto de autores que dão um panorama representativo da produção latino-americana”, acredita o autor. Galera não assina nenhum dos textos de Acerto de contas, mas confessa que ficou com vontade de voltar ao formato enquanto editava o material e agora se debruça sobre o próximo livro, que será, provavelmente, de contos. “Meu primeiro livro foi de contos e, desde então, publiquei apenas alguns esporádicos em revistas. Era um gênero do qual eu estava afastado e, dessa vez, meu projeto é fazer um livro de contos. Se tudo der certo, em um ou dois anos vou ter algo concreto. Mas está bem no comecinho”, avisa. Abaixo, Galera fala sobre a seleção e como ela reflete um pouco a realidade da América Latina.
Acerto de contas – Treze histórias de crimes & nova literatura latino-americana
Organização: Daniel Galera. Companhia das Letras, 328 páginas. R$ 49,90
Os autores escolhidos nem sempre são associados à literatura policial. Isso foi proposital?
Alguns autores tinham experiência com conto policial, como o Rodrigo Reyes Rosa, que já tinha livros publicados nesse gênero, mas outros não tinham nada a ver com isso e foi de propósito ter autores que tinham relação com o gênero e autores que não tinham. A busca foi por essa incógnita e a gente deu liberdade para eles. A proposta era escrever um conto policial, mas com tolerância para que eles partissem das diretrizes conhecidas do gênero e fossem para direções bem inesperadas. Acho que os contos acabaram, nesses sentido, obtendo sucesso. São bem variados e têm abordagens dos clichês e tradições do gênero policial que são bem diversificadas.
Podemos dizer que eles subvertem um pouco o gênero?Somos um continente propício para esse tipo de literatura?
Acho que sim. Tenho a impressão que esses autores, ao tentarem abordar o gênero policial, acabaram fazendo um pouco um panorama econômico e policial do continente como um todo. Na maioria dos casos, os autores preferiram trazer um aspecto da sociedade contemporânea de seus países. É um resultado interessante. Tem um instantâneo de um período do continente que dá para entrever no conjunto dos contos.
Você acha que existe uma literatura policial contemporânea hoje na América Latina?
Acredito que sim. Não sei dizer se é um momento especial da literatura policial e, falando bem sinceramente, não sou um conhecedor profundo de literatura policial. Talvez eu não seja a melhor pessoa para avaliar a situação do conto policial hoje no continente e eles sabiam disso quando me chamaram, não queriam um especialista. Havia a expectativa de que algo mais inusitado pudesse vir.
Organizar esse livro te deu vontade de voltar a escrever contos?
Acho que na época que trabalhei nele, sim. Tive vontade bem intensa de voltar ao conto em diversos momentos da minha carreira nos últimos anos, mas sempre vou desembocando no romance. E quando estava organizando a antologia, quando recebia o conto e gostava muito me dava muita vontade de voltar ao gênero. Mas o conto policial não é muito a direção que vou seguir, embora eu adore ler. Tenho lido coisas de horror e ficção científica que têm me encantado. Então vai saber… Vou um pouco naquela direção.
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