Laços
De Domenico Starnone
Starnone movimentou a cena literária recentemente com seu Laços, um livro curtinho mas desconcertante sob o adultério narrado da perspectiva masculina. No romance, Aldo é um professor universitário que deixa a mulher para viver com uma aluna de 20 anos. É com as cartas escritas pela esposa, Vanda, na tentativa de recuperar o marido e fazê-lo entender a dor causada pela traição, que o romance tem início. As cartas, revisitadas anos depois, são uma introdução rasgante para o primeiro capítulo, quando Aldo entra em cena e conta, em primeira pessoa, a sua versão do ocorrido. A frivolidade ao narrar o adultério é um contraste poderoso para a densidade visceral da perspectiva de Vanda. Aldo sabia, desde o início, que voltaria para a mulher. Fez de Lídia, a estudante, um parêntese para experimentar uma liberdade revigorante e rejuvenescedora. Casados desde muito jovens, àquela altura com dois filhos e ainda na casa dos 30, o casal já se via tomado pela rotina. Surpreendido pelo clima de liberalização dos anos 1970, período da separação, Aldo se dá conta, de repente, de que está institucionalizado pelo casamento e decide quebrar aquele laço. Deixar a vida pequeno-burguesa para viver livremente o outro relacionamento é uma justificativa que parece banal demais ao longo do romance. Laços causou frisson não apenas por ser muito bem escrito e fisgar o leitor de um só fôlego, mas porque foi imediatamente associado à escrita de Elena Ferrante, pseudônimo que assina tetralogia com mais de 30 milhões de cópias vendidas. A mídia, inclusive, especulou que Starnone poderia ser a própria Elena, ou então, estaria casado com ela. A mulher do autor é tradutora e negou as duas versões. Resta o fato de que Laços é tão absorvente quanto a Série napolitana.
“Ser casado, ter uma família em idade muito jovem se tornara um sinal não de autonomia, mas de atraso. Antes dos trinta anos já me sentia velho e – a contragosto – parte de um mundo, de um estilo, que no ambiente político e cultural a que pertencia era considerado terminal. De modo que em pouco tempo, embora eu tivesse uma forte relação com minha mulher e as duas crianças, sofri o fascínio de modos de vida que rompiam programaticamente todos os laços tradicionais. Uma vez, com a desculpa de que meu anular tinha engrossado, mandei serrar minha aliança.”
O curso do amor
De Alain de Botton
Em que momento começa uma verdadeira história de amor? Bem longe daquele no qual o casal se apaixona, sente frio na barriga e se entrega a pensamentos românticos. É depois do casamento, quando a rotina se instala, o frio na barriga se vai, as crianças chegam e os momentos de ódio e tédio se alternam que começam as verdadeiras histórias de amor para o escritor suíço Alain de Botton. É sobre isso seu novo romance, O curso do amor. Ao acompanhar o encontro de Rabih e Kirsten, o narrador mostra como é preciso lutar, todos os dias, para manter o relacionamento em um trilho sem deixá-lo descarrilhar em excesso. Ou seja: de maneira que todo mundo a bordo chegue vivo a um destino que ninguém sabe exatamente qual é. Kirsten e Rabih se apaixonam, se casam, têm filhos, eventualmente um deles tem um caso, se odeiam, se amam, se reencontram e seguem. Botton divide o livro em partes. Começa com o Romantismo, passa pelo Para sempre, naturalmente seguido de Filhos, para tropeçar em Adultério e finalizar com Além do romantismo. A capacidade de investigar os sentimentos dos personagens é uma habilidade notável no romance do suíço, assim como a facilidade com que ele cria personagens cheios de empatia: é fácil para qualquer leitor se identificar com Rabih e Kirsten. Botton intercala pequenos textos, reflexões que parecem externas ao livro, análises dos comportamentos dos personagens, pequenas verdades e às vezes, moralismos irritantes, embora sempre pertinentes.
Sobre o amor: “Nossa compreensão do amor foi sequestrada e iludida por esses primeiros momentos de confusa emotividade do sentimento. Permitimos que as histórias de amor que vivemos acabem cedo demais. Aparentamos saber muito sobre como começa o amor e quase nada acerca de como ele pode durar.”
Sobre sexo: “A princípio, a sensualidade poderia parecer apenas um fenômeno fisiológico, resultado do despertar hormonal e da estimulação de terminações nervosas. Mas na verdade não se trata mais de sensações do que de ideias – destacando-se entre elas a ideia de aceitação e a promessa do fim da solidão e da vergonha”
Sobre o casamento: “Por mais vergonhoso que pareça, o encontro do casamento resume-se, em grande medida, em quão desagradável é estar sozinho, o que não é necessariamente culpa nossa como indivíduos. A sociedade como um todo parece decidida a tornar a condição de solteiro tão incômoda e depressiva quanto possível”
Sobre o adultério: “Para nos tornarmos pessoas autenticamente mais leais, precisamos sofrer em episódios que sirvam para nos inocular, nos quais nos sintamos por algum tempo em grande pânico, violados e à beira de um colapso. Só então a ordem de não trair nossos cônjuges deixará de ser um clichê banal para se tornar um imperativo moral para sempre vívido.”
Os novos moradores
De Francisco Azevedo
Francisco Azevedo ficou conhecido como romancista por O arroz de palma, lançado em 2008, traduzido em 13 idiomas e que atingiu os surpreendentes 60 mil exemplares vendidos, um número considerável para o mercado brasileiro. Afeto é sempre um ingrediente fundamental na escrita de Azevedo e não é diferente em Os novos moradores, o segundo romance do autor. Duas casas geminadas, duas família e suas relações amorosas pontuam a narrativa. Cosme é o adolescente que vive o primeiro amor graças à generosidade da vizinha Vicenza, uma ruiva 30 anos mais velha. Carlota e Zenóbio são seus pais, casados “como manda o figurino” desde 1963 e para os quais o tempo “logo começou a fazer caretas”. Cosme vai crescer, se tornar adulto e descobrir que as “caretas” do tempo são inevitáveis. Na casa ao lado, Inês e Pedro, novos inquilinos, pais de dois adolescentes, vivem outro tipo de relação, pautada pelo “desmesurado desejo carnal”, o que, em suas próprias concepções, ajuda um pouco. Mas não há verdades simples e matemáticas em Os novos moradores e os relacionamentos não são o que parecem para sempre.
“Ponho-me na pele de cada um deles – pais e filhos – e não atiro pedra, que meu telhado sempre foi de vidro. Milimétrico vidro. Sei que em qualquer idade somos capazes de vilanias e gestos admiráveis, ponderações e arrebatamentos. Não temos a menor ideia de como reagiremos a determinada situação até passarmos por ela. (…) Somos feitos de carne, ossos e sentimentos contraditórios. Quebramos à toa, só que não temos coragem de exibir o aviso que sempre ajuda a evitar acidentes: “Cuidado, frágil”. Preferimos correr o risco de nos espatifarmos em mãos alheias e manter as aparências. Fingir que o material é resistente e está bem embalado.”
A febre do amanhecer
De Péter Gárdos
Quando o pai morreu, em 1998, o diretor húngaro Péter Gárdos mal sabia que ele e a mãe haviam se conhecido, primeiro, por meio de cartas trocadas enquanto os dois convalesciam em um hospital na Suécia, logo após o fim da Segunda Guerra. Miklós, que era judeu, viera bastante debilitado do campo de concentração de Bergen-Belsen e recebera um diagnóstico que o condenara a seis meses de vida por conta de problemas respiratórios. Decidido a não morrer sem encontrar um grande amor, disparou 117 cartas para moças húngaras que também convalesciam na região. Assim, encontrou Lili, que correspondeu. O conjunto de cartas foi entregue a Gárdos pela mãe, logo após a morte do pai. E o cineasta, além de escrever A febre do amanhecer, fez também um filme com mesmo nome, lançado em 2015. Narrativas de amor e guerra são sempre comoventes, embora neste romance a guerra já tenha acabado. Miklós e Lili se casaram após seis meses de correspondência. A escrita envolvente e direta de Gárdos, hábil roteirista, mergulha na construção desses personagens marcados pelo desastre, mas nem por isso suscetíveis à desilusão.
Memórias de um casamento
De Louis Begley
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