Pavilhao Feminino Colônia Santa Isabel ARQUIVO FAMÍLIA FLORES (2) Pavilhão Feminino Colônia Santa Isabel, em Minas Gerais

Reportagem revela drama de vítimas da hanseníase

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A jornalista Manuela Castro não sabia praticamente nada sobre a hanseníase quando se deparou com uma pauta que renderia muito mais que uma reportagem. Durante a cobertura da agenda do Palácio do Planalto para a TV Brasil, ainda no mandato de Dilma Rousseff, ela conheceu um grupo de representantes do Movimento de Reintegração das Pessoas atingidas pela Hanseníase (Morhan), que tinha encontro agendado com a então presidenta.

Manuela não sabia que 10 mil vítimas da hanseníase ainda estavam vivas para contar como passaram por um período negro da política pública criada para conter a doença na primeira metade do século 20. Na época, os doentes eram isolados em colônias chamadas de leprosários e afastados do convívio social e familiar. Ficavam confinados em esquema de prisão e eram proibidos de manter contato com pessoas que não tinham a doença. O isolamento acabou somente nos anos 1980, mas Manuela viu potencial nas histórias dos sobreviventes e escreveu A praga. O livro-reportagem traz depoimentos de quem viveu nas colônias, privado de trabalho e família, embora a doença, durante muitas décadas conhecida como lepra, já tivesse cura. Para falar sobre a pesquisa, a autora participa de um bate-papo com o público nesta quinta (17/08) no Espaço Cultural da Empresa Brasil de Comunicação (EBC – Venância 2000, primeiro subsolo), às 17h.

 

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A praga traz uma história pouco conhecida dos brasileiros, mas que atingiu de forma brutal e cruel uma parcela da população. Quando começou a realizar as entrevistas, que também renderam uma reportagem para a TV Brasil, a jornalista ouvira falar na hanseníase em filmes e livros. Lembrava de Os diários da motocicleta, no qual Che Guevara passa meses trabalhando em um leprosário, e de Benhur, cujas cenas dos leprosos com sininhos e cobertos de panos impressionou uma geração  “Eu achava que leprosário era uma coisa do passado quando descobri que foram desativados em 1986”, conta a autora.

A pesquisa para o livro a levou a uma realidade dramática que, ainda nos dias de hoje, permanece um estigma. Transmitida pelo bacilo de Hansen, que pode ser contraído por meio da saliva, a doença é uma das sete eleitas como negligenciadas pelo próprio ministério da Saúde e registrou 127 mil ocorrências em 2014. No mesmo ano, foram registrados ainda 31.064 novos casos. Proporcionalmente à população, o Brasil está em primeiro lugar no mundo quando se trata da incidência de hanseníase. São 1,53 novos casos por 10 mil habitantes, enquanto na Índia, esse número é de 1 para cada 10 mil. “E não existe política pública de prevenção. O próprio governo admite que não está fazendo a sua parte”, lamenta Manuela. “Por se tratar de uma doença de gente pobre, não existe prioridade para ela”. Como o bacilo atinge as terminações nervosas, as chagas da hanseníase resultam, muitas vezes, em deformações nas extremidades do corpo que podem, inclusive, levar à impossibilidade de locomoção.

O livro traz histórias comoventes de crianças, jovens, adultos e velhos arrancados de suas famílias, sujeitos a uma estigmatização que até hoje perdura. Bebês retirados das mães logo após o parto, crianças pequenas levadas das famílias e impedidas de manter contato, mães e pais isolados e proibidos de ver, conviver ou ter notícias dos filhos formaram uma geração de pessoas que, mesmo quando a lei do isolamento foi suspensa, não conseguiram recuperar o convívio familiar nem se inserir socialmente. São trajetórias dramáticas que acabaram condenadas ao esquecimento. Em meio ao sofrimento, no entanto, Manuela consegue também narrar momentos felizes, de reencontros de filhos, pais e famílias perdidas por mais de quatro décadas. É essa memória que A praga tenta resgatar. “Não foi difícil chegar às pessoas. São pessoas que gostam de contar a história e querem que seja conhecida, porque a maioria não conhece. Mas ainda é uma história um pouco tabu”, diz a autora. Desde a publicação do livro, Manuela tem sido cobrada para escrever sobre as trajetóriasdos filhos dos hansenianos. Hoje adultos, muitos deles foram dados para adoção e viveram vidas partidas. Os que contraíram a doença e sobreviveram ao isolamento receberam indenização do governo pelo regime cruel ao qual estiveram submetidos, mas os filhos não gozam do benefício e uma das lutas do Morhan é exatamente pela extensão desse direito às crianças separadas dos pais.

A praga

De Manuela Castro. Geração Editorial, 278 páginas. R$ 42

Encontro com a autora nesta quinta (17/08), às 17h, no Espaço Cultural da EBC (Venâncio 2000)