Opinião: Maurício Corrêa da Veiga | ​A limitação de trocas de técnico no Campeonato Brasileiro é legal?

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Por Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga*
Presidente da Comissão de Direito Desportivo do Instituto dos Advogados Brasileiros — IAB

O Campeonato Brasileiro de 2021 terá uma novidade que já tem despertado polêmicas, tendo em vista que passará a ter limite para substituição de treinadores, ou seja, cada equipe só poderá ter dois técnicos no decorrer da competição. Além disso, cada profissional só terá a possibilidade de trabalhar em dois times diferentes. Tem-se, portanto, que cada clube das Séries A e B só poderá demitir uma vez, enquanto que cada técnico só poderá pedir demissão também uma única vez.

​Desde que a alteração foi divulgada, muitos especialistas têm questionado a legalidade desta norma, tendo em vista que, em um primeiro momento, poderia violar o princípio do livre trabalho.

​Na hipótese de ocorrer uma segunda demissão, o novo regulamento determina que o clube efetive no cargo alguém que seja empregado do clube com no mínimo seis meses de casa, como um técnico das categorias de base ou até mesmo um auxiliar fixo

​A referida norma é constitucional, válida e respeitou o princípio da autonomia das entidades desportivas previsto no art. 217 da Constituição Federal.

​Com efeito, a CBF é a entidade máxima de administração do desporto na modalidade futebol e assim detém a prerrogativa de organizar os seus campeonatos e estabelecer as regras das competições. O mesmo ocorre com as Federações em relação aos campeonatos regionais que organiza.

​É interessante destacar que no desporto, apesar de coexistirem ordenamentos jurídicos privados e autônomos em relação aos Estados, há uma duplicidade de fontes normativas, fazendo com que, no mesmo sistema, gravitem normas de origem estatal e de origem privada e que nem sempre convivem em harmonia.

​Vale ressaltar que a medida proposta pela CBF foi votada pelos clubes e em que pese a decisão ter sido tomada após apertada maioria, deve sempre prevalecer a vontade da maioria, tal qual ocorre em todo regime democrático.

​Outrossim, a referida alteração foi efetivada com a mudança do regulamento da competição e não via alteração legislativa, na qual, aí sim, haveria uma intervenção estatal na autonomia das entidades desportivas, o que não é tolerado pela Constituição da República Federativa do Brasil.

​Na hipótese de haver interferência do poder público na autonomia das entidades desportivas, o STF tem sido bem criterioso na análise do art. 217/CRFB, tendo sido o precedente mais recente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5450, ajuizada contra dispositivos do Estatuto do Torcedor que condicionavam a participação de times em campeonatos à comprovação de regularidade fiscal e trabalhista.

​Naquele caso, o Ministro Alexandre de Moraes, relator da ADI manifestou entendimento no qual a retirada do clube do campeonato pelo não pagamento de tributo ou do FGTS é algo gravíssimo, que demonstra falta de proporcionalidade e razoabilidade da medida, além de configurar uma sanção política, ou seja, uma verdadeira “pena de morte”, no tocante ao rebaixamento automático do clube de futebol para a segunda divisão em razão do não cumprimento da obrigação.

​Com a exclusão automática do campeonato, o clube jamais teria condições de pagar tributos e refinanciamentos, o que traria prejuízos à União, aos atletas, aos funcionários e à ideia de fomentar o desporto, conforme dispõe a Constituição Federal. Tal medida importaria em manifesta desproporção e exagero na exigência de certidão totalmente negativa de débito para a participação dos clubes nos campeonatos. Com efeito, essa imposição teria efeito imediato e drástico nas receitas do clube, como direito de imagem, premiações, patrocínios e não geraria uma coerção, mas a falência total do clube.

​Desta forma, conforme ressaltado pelo ministro relator, eventual inadimplência da entidade desportiva, deveria ser cobrada pelas vias ordinárias, tendo sido observado que a própria lei prevê outras consequências como o afastamento e a responsabilização do presidente do clube.

​A autonomia de organização e funcionamento das entidades desportivas está prevista no art. 217 da Constituição Federal e nela se insere a prerrogativa de membros de uma associação definirem as regras aplicáveis em suas competições.

​Portanto, a limitação do número de demissões de técnicos, não foi imposta pela entidade máxima de administração do desporto, mas sim deliberada e votada pelos representantes das entidades de prática desportiva filiadas que participaram ativamente do pleito.

​Por fim, não se trata de medida ilegal que interfira no livre trabalho dos treinadores, na medida em que a vedação se refere à inscrição dos técnicos na competição, a impossibilitar a participação destes nas partidas, não havendo que se falar na impossibilidade de treinadores contratados para trabalhar em centros de treinamento, na formação da equipe e na vida do clube, preservado, portanto, o art. 5, XIII, da CRFB/88.

*O doutor em direito pela Universidade Autônoma de Lisboa escreveu o artigo a covite do blog.

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Marcos Paulo Lima

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