Eis aí a lição

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Charge do Eric Allie

 

É possível ao Estado tornar-se mais forte do que a sociedade e ainda assim conservar a democracia em toda a sua plenitude? Eis, aqui, uma questão que muitos têm feito, na busca de entender o Estado contemporâneo e suas vertentes atuais. De cara, é preciso notar que, nessa nova situação, o governo vive em função do próprio governo e não em função do cidadão.

Miguel Reale (1910-2006) considerava que, no Brasil, o direito civil começou a morrer com o surgimento do direito administrativo, ao regular a dependência das pessoas em função do Estado e, mais modernamente, em função do governo. Essa questão toda atrai para si outra de igual importância para o entendimento da liberdade cidadã: o fenômeno do estatismo. Esse, por sua vez, é cria direta de outro fenômeno que veio para antepor mais dificuldades à liberdade e que, nesse caso, é representado pela burocracia estatal, exercida por indivíduos com laços estreitos com o governo. A burocracia tolhe nacos da liberdade, tornando o cidadão refém ou dependente do Estado e das vontades do governo.

Os estados atuais tornaram-se instituições sofisticadas e complexas, nas quais a liberdade passou a ser um simples detalhe, dependente de uma infinidade de regras que, ao fim e ao cabo, colocam a liberdade no fim de uma fila de exigências. A situação é simples quando se pensa que, quanto maior o Estado, menor é o cidadão, e pequena a sua chance de encontrar a liberdade. A verdade é que a união do Estado com o governo cria um outro elemento, representado por um retorno saudoso e nada saudável do despotismo ilustrado, em que as autoridades se sentem imbuídas da missão de recivilizar a sociedade, tornando-a palatável aos novos tempos.

Por outro ângulo, nesse caso, a liberdade induz os indivíduos a fugirem da dependência. Antigamente se dizia que “quem aluga seu traseiro, não senta onde quer”. A dependência, induzida por políticas do tipo paternalistas, é um dos entraves à liberdade e um indutor do despotismo. A liberdade é o que é, e não pode ser amenizada apenas por conquistas materiais. A liberdade, em si, é um ato de independência. Há casos, porém, nos quais a liberdade é fomentada apenas pelo medo da servidão, e isso, convenhamos, não é liberdade. Não há dúvidas de que essa é uma questão central e profundamente atual: é possível manter a democracia plena quando o Estado se sobrepõe à sociedade, tornando-se mais forte que ela?

Em A Democracia na América, Tocqueville alertava para o risco do que chamou de “despotismo suave”: um Estado que, em vez de oprimir de forma brutal, cuida dos cidadãos como um pai benevolente, mas infantiliza-os ao ponto de retirar-lhes a autonomia. “O soberano estende seus braços sobre a sociedade como uma rede de regras sutis e complicadas… Ele não quebra as vontades, mas as amolece, dobra e dirige; raramente força a agir, mas, constantemente, opõe-se a agir.” Para Friedrich Hayek, em O Caminho da Servidão, o crescimento do Estado intervencionista leva, inevitavelmente, à perda das liberdades individuais. Ele via no planejamento centralizado uma ameaça à ordem espontânea da sociedade. Dizia ele: “Quanto mais o Estado planeja, mais difícil se torna para o indivíduo planejar”.

A crítica de Hayek ao estatismo ecoa na observação de que o cidadão se torna aos poucos refém do próprio Estado. Isaiah Berlin, em sua clássica distinção entre liberdade positiva e liberdade negativa, alertou para o risco de regimes que, em nome de uma liberdade “superior” (positiva), justificam a coação. Essa liberdade positiva, quando apropriada pelo Estado, pode levar ao autoritarismo. Ou seja: “A liberdade para o lobo é a morte para o cordeiro”. Essa frase ilustra como o poder estatal, ao tentar moldar a sociedade, pode sacrificar a liberdade de alguns sob o pretexto de proteger ou educar o coletivo, algo próximo do arcaico despotismo ilustrado.

Benjamin Constant, por sua vez, diferenciava a liberdade dos antigos (participação direta na política) da dos modernos (autonomia individual frente ao Estado). Para ele, “a liberdade é o direito de não ser submetido senão às leis, de não ser preso, nem detido, nem morto, nem maltratado de nenhum modo pela vontade arbitrária de um ou vários indivíduos”. Essa ideia reforça o ponto de que a liberdade é um valor em si, não uma concessão do Estado nem um subproduto do bem-estar material.

Hannah Arendt, em Origens do totalitarismo, lembra que a perda da liberdade começa quando o cidadão troca sua autonomia por segurança ou conforto, e que a burocracia é uma das formas mais sutis e eficientes de dominação. “A burocracia é o governo de ninguém, e, portanto, talvez o mais tirânico de todos.” A verdadeira liberdade, como ato de independência e não como simples ausência de grilhões, não pode ser administrada, muito menos concedida, por políticas paternalistas ou por um Estado tutor. A democracia plena exige um Estado limitado, transparente e controlado pela sociedade civil, e não o contrário. Quando o Estado cresce demais e passa a ditar os termos da liberdade, resta ao cidadão lembrar a lição de Étienne de La Boétie, em seu Discurso da Servidão Voluntária: “Resolvi apenas fazer-vos compreender que, para que deixeis de ser escravos, basta que não queirais mais sê-lo.”.

 

 

A frase que foi pronunciada:
“O país estava em perigo; ele estava colocando em risco seus direitos tradicionais de liberdade e independência ao ousar exercê-los.”
Joseph Heller, no livro Catch-22

Escritor americano Joseph Heller, 1986. Foto: Oliver Morris — Arquivo Hulton/Getty Images

 

História de Brasília
A 22 de novembro do ano passado, o sr. Raniere Mazzilli promulgou a resolução 63, que altera o regimento interno da Câmara dos Deputados em diversas partes, e criou, nessa oportunidade, a Comissão Permanente do Distrito Federal. (Publicada em 8/5/1962)

O bem-estar da população

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Charge do JCaesar: 14 de julho (JCaesar/VEJA)

 

Sendo o único animal que se move por interesses, o homem é, por conseguinte, um ser negociador. A política é, em si, a arte de negociar acordos, estabelecendo pontes. O impasse enfrentado, agora, pelo Brasil com a taxação imposta pelos americanos aos produtos de nosso país, é a prova inequívoca de que negociar é tão importante quanto respirar. É, nesse ponto, quando a maré baixa, que vemos quem de fato estava nadando nu.

Fosse colocado como pré-requisito aos candidatos ao governo o notório saber nas artes de negociar, em todas as suas vertentes, quer seja na política, nos tratados econômicos, nos mercantis poucos ou quase nenhum de nossos candidatos às eleições atenderiam essa exigência. O fato é que o bem-estar da população vem do direcionamento correto nas negociações. No caso do Estado, as negociações são feitas para atender as necessidades reais de sua população, e não para as pretensões dos governos. Não por outra razão, os países que mais se destacam na qualidade de vida dos seus cidadãos são, justamente, aqueles que têm sob seu comando pessoas dotadas da habilidade da negociação. Países que não têm em seus governos dirigentes que saibam negociar, ou nada entendem desse mister, são justamente aqueles em que as populações são as mais atingidas por crises cíclicas e profundas.

Negociar, antes de ser uma ciência humana, é uma arte delicada, em que é possível encontrar o ponto de equilíbrio entre interesses diversos e diferentes. Só a boa negociação torna o negócio rentável, embora se saiba que, na verdadeira negociação, todos acabam ganhando. O que fez do Itamaraty o que ele era nas relações internacionais foi, justamente, essa capacidade que os representantes do Brasil tinham de bem negociar. Hoje, essa fama ficou no passado, substituída por variantes outras, como conceitos moldados em argamassa, o que não propicia riqueza e, sim, dependência.

À luz de fatos concretos recentes, divulgados pela imprensa econômica e por agências de comércio internacional, é notório que, nos últimos meses, os Estados Unidos anunciaram, oficialmente, novas tarifas sobre produtos importados do Brasil, com destaque para o aço e o alumínio, setores historicamente sensíveis. A justificativa americana, como de praxe, é de “segurança nacional e protecionismo econômico”, mas há claros elementos geopolíticos e de pressão comercial em jogo. Em alguns casos, o Brasil foi equiparado a países como China e Rússia, no que diz respeito a barreiras tarifárias, o que é um indicativo preocupante de perda de prestígio diplomático.

Segundo dados da ComexStat e do Ministério da Indústria e Comércio, em 2024, o Brasil exportou mais de US$ 4 bilhões em produtos metálicos aos EUA. Com as novas taxações, parte significativa desse comércio se tornará inviável, o que pode levar à perda de milhares de empregos na cadeia industrial brasileira e à retração em polos siderúrgicos importantes, como Minas Gerais e Espírito Santo. Enquanto alguns países, como México, Canadá e Coreia do Sul, conseguiram renegociar, ou pelo menos adiar a aplicação de tarifas unilaterais por parte dos EUA, o Brasil tem se mostrado desinteressado em buscar soluções diplomáticas reais. O Ministério das Relações Exteriores emitiu apenas notas protocolares, e não há registros de ações contundentes de pressão junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) ou tentativas de construir coalizões diplomáticas multilaterais, como seria esperado em uma situação com tamanho impacto.

A condução da política externa brasileira tem sido reiteradamente eivada de desprezo. Isso transforma negociações comerciais em palco de confronto simbólico, e não em arenas de construção de consenso que dê segurança à população e aos investidores. Em vez de usar as instituições multilaterais, a diplomacia técnica e o pragmatismo, o Brasil tem optado por respostas retóricas e, até agora, ineficazes. As consequências para a população brasileira serão severas.

A médio e longo prazo, os impactos de uma diplomacia ineficiente recaem diretamente sobre a sociedade brasileira, na forma de desemprego em setores exportadores sensíveis; aumento da informalidade, especialmente, em regiões industriais; inflação decorrente da instabilidade cambial e perda de competitividade; isolamento comercial, dificultando a entrada do Brasil em cadeias globais de valor; além de uma diminuição de investimentos estrangeiros diretos, dado o risco percebido pelos investidores sobre a previsibilidade política e econômica do país.

Estudo recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que o Brasil perde até R$ 40 bilhões ao ano por não integrar acordos comerciais relevantes com países desenvolvidos, muitos dos quais são parceiros históricos dos EUA. Negociar nesse mundo globalizado é governar. Resta saber que interesses o atual governo tem para tirar o Brasil da roda. O país enfrenta o mundo com discursos, enquanto os demais países negociam com cláusulas, garantias, acordos e assinaturas.

Negociar não é sinal de fraqueza, é expressão de inteligência estratégica. O Itamaraty já foi referência global em diplomacia técnica, tendo desempenhado papel central em fóruns como a Rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou nas negociações do Acordo de Paris. Hoje, essa herança foi desperdiçada. Se quisermos garantir prosperidade interna e relevância internacional, é urgente resgatar a arte da boa negociação, entendendo que, em um mundo interdependente, a soberania real é exercida com inteligência e diálogo, e não com trincheiras ideológicas e outras opções nada práticas. A questão é: há interesse em garantir a prosperidade do povo desta nação?

 

A frase que foi pronunciada:
“A ciência é inerentemente antiautoritária tal como a democracia. Ao contrário do que por vezes se julga, em ciência não existem autoridades, mas sim especialistas, pois apenas à realidade se reconhece autoridade para escolher entre hipóteses rivais.”
Timothy Ferris

Timothy Ferriss. Foto: wikipedia.org

 

História de Brasília
Um dos graves problemas do ex-Distrito Federal é o do trânsito. A cápsula que conduziu Glen Jr. Ao kosmos levou, do Galeão para a Cinelândia, um terço do tempo que gastou para uma volta em tôrno da Terra. (Publicada em 6/5/1962)

Universidade

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Foto: noticias.unb.br

 

Ainda não será para amanhã ou para futuro próximo que assistiremos nossas universidades públicas aceitarem em paz o pluralismo de pensamento. Foram décadas de esforço para uma convergência de opinião. A diversidade de ideias e, sobretudo, o respeito pelo pensamento do opositor ainda são tabus dentro de nossas instituições de ensino superior, onde parece imperar o dogmatismo e a estatização do pensar único e uniforme.

A uniformidade de debates e discussões vai contra o próprio sentido de universalidade do saber. É como dizem: quem acerta no centro do alvo, perde todo o entorno. É fato reconhecido que foram os centros de saber, onde havia a aceitação de uma miríade de ideias, que mais a ciência encontrou solo fértil para se desenvolver e dar frutos. Diversos são os vídeos mostrando alunos contrários ao pensamento único reinante, no campus, serem hostilizados e agredidos. Mesmo a bandeira nacional ou o verde e amarelo são estigmatizados dentro dessas instituições. Aqueles que ousam abraçar os símbolos nacionais, são logo perseguidos e ameaçados com violência.

A questão  é saber onde todo esse ódio ao diferente irá conduzir nossos pensadores. Em outros países esse fenômeno de intolerância também ocorre. A uniformização do pensamento nas universidades é um fenômeno extremamente prejudicial para o avanço do conhecimento e da ciência. A própria origem do termo “universidade” remete ao conceito de universalidade, isto é, um espaço onde diferentes ideias, perspectivas e saberes coexistem e dialogam para promover o desenvolvimento intelectual e social. Quando se impõe um pensamento único, o ambiente acadêmico perde sua vocação natural de ser um espaço plural, crítico e aberto à inovação.

Ainda não está totalmente aceito entre nós que a ciência e o saber evoluem justamente a partir da diversidade de ideias e da contestação de paradigmas. Grandes revoluções científicas ocorreram porque pesquisadores ousaram desafiar o senso comum de sua época, como Galileu, Darwin ou Einstein, que enfrentaram fortes resistências. Se o ambiente acadêmico não favorece o debate e o contraditório, corre-se o risco de estagnar e reproduzir apenas dogmas ideológicos, transformando o espaço de estudo em uma espécie de “igreja laica”, onde se cultua apenas uma narrativa oficial.

A hostilidade contra o pensamento divergente, seja de alunos, professores ou pesquisadores, vai contra os princípios democráticos e científicos. A perseguição a quem carrega símbolos nacionais, como relatado em alguns episódios, é um sintoma grave de intolerância e sectarismo. Quando o ambiente universitário passa a ser dominado por grupos que atuam como “guardiões da ideologia”, o espaço crítico se reduz e a livre investigação essencial para o progresso humano se torna inviável.

Em termos internacionais, o pluralismo de ideias é visto como um dos fatores determinantes para que universidades alcancem posições de destaque em rankings globais. As instituições mais respeitadas no mundo como Harvard, Oxford ou MIT valorizam o debate, o pensamento crítico e a diversidade de pontos de vista, justamente por entenderem que o progresso acadêmico e científico nasce do confronto de ideias, e não de sua uniformização.

No Brasil, a falta de pluralidade ideológica nas universidades públicas tem contribuído para a queda na qualidade da produção científica e na inovação tecnológica, resultando em instituições menos competitivas globalmente. É preciso resgatar o espírito de diálogo e tolerância, pois apenas um ambiente verdadeiramente plural será capaz de formar cidadãos críticos, pesquisadores criativos e soluções para os desafios complexos da sociedade contemporânea. Democracia e liberdade de pensamento andam de mãos dadas, e é justamente em ambientes onde existe pluralidade de ideias, livre debate e respeito ao contraditório que a ciência encontra terreno fértil para inovar e prosperar.

Nos séculos XIX e XX, por exemplo, nações como os Estados Unidos, o Reino Unido, a França e a Alemanha, todas com instituições democráticas relativamente sólidas em determinados períodos tornaram-se berços de descobertas científicas e avanços tecnológicos que mudaram o mundo: da eletricidade ao avião, do antibiótico ao computador. Isso porque a democracia não apenas protege a liberdade de expressão, como também estimula o pensamento crítico, a pesquisa independente e a meritocracia intelectual. Em outros regimes, a ciência costuma ser instrumentalizada para servir a interesses ideológicos ou militares. Um exemplo clássico é a perseguição a cientistas e intelectuais na União Soviética sob Stalin, quando teorias científicas que não se alinhavam à ideologia do regime — como a genética mendeliana — foram proibidas, causando um atraso científico significativo. Situação semelhante ocorreu na Alemanha nazista, quando pesquisas foram filtradas sob critérios raciais e políticos, destruindo a liberdade acadêmica. Já em democracias abertas, a diversidade de ideias e o financiamento competitivo à pesquisa permitiram avanços de impacto global. Basta observar como o projeto do genoma humano, a internet e as vacinas modernas surgiram de contextos democráticos, nos quais universidades e centros de pesquisa podiam trabalhar de forma autônoma e cooperativa.

Outro ponto crucial é que, em países democráticos, a ciência não fica restrita a uma elite ou a um aparato estatal, mas beneficia diretamente a sociedade. O acesso a novas tecnologias, medicamentos, fontes de energia e métodos educacionais se dá de forma mais ampla e acelerada. A Revolução Verde, que ajudou a combater a fome em várias partes do mundo, e o avanço da tecnologia digital, que hoje conecta bilhões de pessoas, foram frutos de ecossistemas democráticos. Para que o Brasil possa competir globalmente, é urgente resgatar esse espírito democrático dentro das universidades, onde toda ideia possa ser debatida e testada sem medo.

A frase que foi pronunciada:

“A ciência é inerentemente antiautoritária tal como a democracia. Ao contrário do que por vezes se julga, em ciência não existem autoridades, mas sim especialistas, pois apenas à realidade se reconhece autoridade para escolher entre hipóteses rivais.”

Timothy Ferriss

Timothy Ferriss. Foto: wikipedia.org

 

História de Brasília

Um dos graves problemas do ex-Distrito Federal é o do trânsito. A capsula que conduziu Glen Jr. Ao kosmos levou, do Galeão para a Cinelândia, um terço do tempo que gastou para uma volta em tôrno da Terra.

De cabeça para baixo

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Foto: Reprodução/X/@MarcioPochmann

 

Dizem, com propriedade, que a arte imita a vida. No caso da arte da cartografia, surgida por volta do ano 2.500 a.C. com os Sumérios e aperfeiçoada nas escolas de Alexandria e Atenas, essa arte foi talvez a mais importante desenvolvida pelo gênio humano para entender o mundo à volta, tornando possível sua exploração com mais segurança e objetivo.

Hoje tornou-se comum aceitar o fato de que a cartografia serve também para ilustrar não só a realidade física e topográfica do lugar, mas também sua realidade social, econômica, histórica e cultural, portanto trata-se de um campo complexo em constantes mudanças e que exige elaborada e rigorosa investigação científica.

Trata-se aqui de um retrato fiel ou fotografia do mundo como ele é, e não como querem alguns, para quem o mundo deve ser retratado como desejam governos e conceitos de plantão. No caso daqueles países virados de cabeça para baixo, não por ação da inversão dos polos magnéticos, mas pela inversão de valores, a cartografia pode servir também para tentar conferir uma nova e fantasiosa realidade bem ao gosto dos novos mandatários, para os quais a realidade é o que eles querem que seja. Deste ponto, chegamos ao Mapa do Brasil e do globo virados de cabeça para baixo e apresentados ao público pelo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, e a ex-presidente Dilma Rousseff.

Como resultado dessa empreitada geográfica, o Brasil ficou situado no centro do mundo, como o hemisfério Sul indo parar no topo. Para seu idealizador, a novidade visava ressaltar a atual liderança de nosso país em fóruns como os Brics e a COP 30 nesse ano. É tal da importância crescente do chamado Sul Global, que a novilíngua na atualidade significa destruir a hegemonia do dólar e dos Estados Unidos, substituído agora por outros players como a Rússia, China e outros parceiros dessa empreitada ideológica.

Para um país como o nosso, que está sendo virado pelo avesso, normalizando absurdos e indo de encontro ao que hoje é Cuba, Venezuela, Nicarágua e outros países do nosso continente, a reviravolta geográfica faz todo o sentido. Num país virado e cabeça para baixo, o povo é triste, as perspectivas são nulas e fazer oposição é risco de vida. Nada mais natural então do que apresentar o Brasil de cabeça para baixo.

Pochmann, com sua inteligência aguçada conseguiu o que muitos cartunistas nem pensavam: ilustrar um país na sua condição real de momento. O episódio do “mapa de cabeça para baixo” é um símbolo perfeito de uma era em que a percepção da realidade é disputada como nunca. A cartografia, que sempre foi uma ferramenta objetiva para representar o mundo, agora é usada como palco de convicções particulares e políticas. A inversão do mapa é um gesto que vai muito além do design gráfico: ele traduz uma tentativa de reescrever o papel do país no tabuleiro global, ainda que de forma simbólica. Ao ser apresentada como um ato de afirmação política, ela escancara uma tendência: a de usar símbolos e discursos para criar uma sensação de grandeza que não necessariamente corresponde à realidade socioeconômica do país.

Enquanto se fala em “liderança global” e na força do chamado “Sul Global”, o Brasil enfrenta algumas crises internas na área econômica, de segurança e de relações internacionais. A cartografia, nesse contexto, vira metáfora: ao colocar o Brasil no “alto do mapa”, tenta-se transmitir uma ideia de protagonismo que o cotidiano do cidadão comum não sente. Essa crítica faz sentido ao lembrar que, em um país onde valores estão sendo “invertidos”, no sentido de normalizar o absurdo, ver o mapa de cabeça para baixo soa como uma imagem fiel de um momento de distorções.

Talvez, o maior mérito dessa polêmica seja justamente o de escancarar, por meio de um símbolo simples, o quanto a realidade está sendo “desenhada” de acordo com certas conveniências. O Brasil, ao que parece, não está apenas no centro do mapa, mas no centro de uma inversão de valores, normalizando absurdos em suas tentativas de reescrever nossa história com tintas carregadas de tons cinzentos e vermelhos. Como já diziam alguns seres maléficos, a propaganda é a arte de fazer com que as pessoas esqueçam a realidade, acreditando numa mentira do tamanho do mundo, tornado palatável a revolução que os leve, sem protestos, a um governo autocrático capaz de enganar a tantos com tão pouco.

 

A frase que foi pronunciada:

“Não devo a ninguém minhas eleições, a não ser ao povo desse país”.

Lula em discurso ontem no Vale do Jequitinhonha

História de Brasília

O comércio de Brasília está atormentado com o numero de publicações clandestinas que vem circulando nesta capital. Como não poderia deixar de ser, a imprensa marrom está nestes casos, extorquinto dinheiro e impondo-se através de chantagens. (Publicado em 06.05.1962)

Mundo fake

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Arquivo pessoal: imagem gerada por IA

 

Quão fake e fantasiosos seriam os serviços e produtos oferecidos ao público em geral, sobretudo aqueles que são colocados à venda para uma pequena minoria de pessoas abastadas, para as quais o dinheiro não é problema. É então que a busca por status e por produtos e serviços exclusivos levam esses consumidores privilegiados a se tornarem presas fáceis nas mãos de empresas e empresários gananciosos, que, literalmente, seguem vendendo e ofertando gatos por lebres.

Embalado em finos adereços e dispostos pretensiosamente em cenários chiques, o que não passaria por ser um produto comum e barato, é colocado nessas verdadeiras ratoeiras apenas para fisgar os incautos. Para tanto, mudam o nome do produto, colocando outro mais palatável e, se possível, carregado de francesismo. Dessa forma, o elementar arroz misturado com ovo, prato predileto dos mais pobres dos brasileiros, passa a ser servido com nome exótico de “riz mèlangé avec des oeufs dur ou riz d’ouefs”.

O que os botecos venderiam por R$ 10,00 aos transeuntes, nesse cenário chique, não sairia por menos de R$ 150,00, sem os serviços. A mesma calça jeans, que nas lojas populares não custam mais do que R$ 110,00, são vendidos em lojas de endereços renomados, pela bagatela de R$ 900,00, bastando ao espertalhão mudar apenas a etiqueta da marca. Assim, esse mundo fantasioso e fake, bancado por quem se ilude com o luxo, sobrevive e prospera graças à esperteza de alguns.

Nada é o que parece e o que parece não é nada, apenas uma fantasia desse mundo cada vez mais fake. O que poderia ser um retrato ácido e realista de uma engrenagem que movimenta bilhões, sob o pretexto do “exclusivo”, não passa de enganação. Uma enganação lucrativa e aparentemente dentro da lei. A economia do supérfluo sofisticado gira em torno de uma lógica perversa: não é o valor intrínseco do produto que importa, mas a narrativa construída ao seu redor. Quanto mais rara, inusitada ou instagramável for essa narrativa, maior o valor percebido pelo consumidor de luxo — mesmo que, no fundo, o que esteja sendo comprado seja apenas um produto ordinário com embalagem de fantasia.

A elite consumista, em busca constante de distinção social, torna-se presa fácil dessa armadilha. Muitas vezes, o desejo não é possuir algo de qualidade superior, mas algo que os outros não tenham. Essa lógica de exclusividade empurra consumidores para escolhas irracionais, em que o valor simbólico se sobrepõe ao valor real. Nessa dinâmica, um café coado com grãos comuns pode se transformar em “infusão artesanal de arábica de origem controlada”, custando dez vezes mais. Um prato simples de picadinho de carne servido em pratos de louça importada e regado a discursos vazios de sofisticação com gosto de molho de pacotinho vale uma cesta básica e meia. É o que o sociólogo francês Pierre Bourdieu chamou de distinção: um mecanismo de diferenciação cultural que serve para demarcar classes sociais. Marcas e empresários se aproveitam disso e atuam como verdadeiros ilusionistas, substituem o conteúdo pela embalagem, o sabor pela aparência, a utilidade pela ostentação.

Mais grave ainda é quando essa lógica ultrapassa o campo dos produtos e entra nos serviços: clínicas estéticas que prometem o impossível, experiências sensoriais supostamente únicas, pacotes de viagens absurdamente caros que oferecem pouco, além de um nome de impacto. Tudo é vendido como “inesquecível”, “personalizado”, “exclusivo”, mas, na prática, é apenas mais do mesmo, embrulhado em papel de presente luxuoso.

Na verdade, o problema não está só na astúcia dos vendedores, mas na credulidade dos compradores, que participam desse jogo voluntariamente e “se achando”. Essa cumplicidade silenciosa alimenta um mercado que vive de aparência, status e desejo, não de substância. Em última análise, esse mundo fake é sustentado por um teatro de vaidades. Um teatro caro, vazio e muitas vezes patético, onde a autenticidade foi substituída por etiquetas, e o bom senso por cifrões.

O luxo verdadeiro — aquele que representa excelência, história, técnica e arte é cada vez mais raro. No lugar dele, proliferam vitrines falsas, promessas ocas e produtos que são, na essência, meros “arroz com ovo” disfarçados de caviar. “Eu, minha alma, enviei para o espaço sem fim para um traço aprender nos destinos do além, minha alma devagar foi retornando a mim e me disse: eu sou o céu e o inferno também.” Registra Omar Khayyam, no livro Rubaiyat. De fato, os homens são o céu e o inferno de si mesmos, e tudo ao mesmo tempo, luxo e lixo, tudo num mesmo produto.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“O valor do homem é determinado, em primeira linha, pelo grau e pelo sentido em que se libertou do seu ego.”

Albert Einstein

Albert Einsten. Foto: Arthur Sasse/Nate D Sanders Auctions/Reprodução

 

História de Brasília:

O nome empregado na maioria dos golpes foi do servidor Barros de Carvalho, e os chantagistas conheciam tanto seus hábitos, que falando pelo telefone para sua residência, recomendavam com insistência para que quando fizessem a mala não esquecessem dos remédios. (Publicada em 06.05.1962)

Marina clama no deserto

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Estrada construída para a COP30 em Belém que vai desmatar a Amazônia – Foto: Reprodução Blog BBC News

Com a aprovação pelo Congresso do projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental, a delicada questão do meio ambiente no Brasil ganha novos e perigosos elementos, podendo colocar o Brasil, mais uma vez, sob os olhares do mundo civilizado e, com isso, gerar mais empecilhos à aceitação dos produtos nacionais nos mercados externos, sobretudo, naqueles países da Europa que exigem certificado de que esses alimentos são produzidos sem ameaças ao ecossistema.

Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a aprovação dessa flexibilização “decepou a legislação sobre o assunto no Brasil”. Para ela, essas novas permissões não vieram para aperfeiçoar as leis que levem a ganhos ambientais. Os deputados simplesmente ignoraram as propostas de alterações feitas pela ministra, preferindo atender a bancadas dos ruralistas e a interesses do próprio governo, como são os casos dos ministros da Agricultura, Portos e Aeroportos e o ministro dos Transportes. O próprio governo preferiu não apresentar defesa dos pontos de vista da sua ministra, esquivando-se de uma posição em favor da defesa do meio ambiente.

Marina, como em outras oportunidades, ficou sem apoio do próprio governo que faz parte. A ministra é hoje, literalmente, uma voz solitária a clamar no deserto contra o avanço de um progresso que não olha ao redor, passando por cima de florestas e animais. Mas, devido à grande celeuma causada, é possível que essa aprovação vá também ser encaminhada à apreciação do Supremo Tribunal Federal. Há pouco menos de quatro meses para a realização da COP30, conferência de clima da ONU em Belém, essa flexibilização ou liberação geral surge quase como um deboche. Meses atrás, a ministra já se viu abandonada na questão da exploração de petróleo na Margem Equatorial, onde os riscos ambientais são imensos. A liberação de projetos estratégicos, como define o governo, parece ser o caminho escolhido pelos políticos em detrimento da defesa do nosso bioma.

Os sinais de desprestígio de Marina Silva não são novos, mas se tornaram mais evidentes nas últimas semanas. No episódio da flexibilização do licenciamento, ela foi completamente ignorada pelo Congresso e deixada de lado pelo próprio Palácio do Planalto. Nenhum ministro relevante, tampouco o presidente, saiu em sua defesa. Pelo contrário, setores do governo, como os ministérios da Agricultura (Carlos Fávaro), Transportes (Renan Filho) e Portos e Aeroportos (Silvio Costa Filho), atuaram ativamente em prol da aprovação do projeto, revelando uma escolha clara: entre desenvolvimento imediato e sustentabilidade, optou-se pelo primeiro. Esse desprezo já havia se mostrado antes, como no caso da tentativa de exploração de petróleo na Margem Equatorial. Mesmo diante de pareceres técnicos e científicos apontando os enormes riscos ecológicos de perfuração naquela área sensível, a pressão política e econômica falou mais alto. Marina, mais uma vez, ficou sozinha, como se sua presença no governo servisse mais a fins simbólicos do que operacionais. É o que se poderia chamar de “ambientalismo decorativo”.

O paradoxo é evidente: faltando menos de quatro meses para a realização da COP30, em Belém do Pará, o governo brasileiro se vê promovendo medidas que esvaziam completamente seu discurso ambiental no plano internacional. A conferência é uma das maiores vitrines diplomáticas do país, uma chance de mostrar liderança e comprometimento com as metas de descarbonização, conservação de biomas e justiça climática. No entanto, a liberação desmedida de obras classificadas como “estratégicas”, sem o devido rigor ambiental, enfraquece qualquer tentativa de credibilidade externa. Para países europeus que exigem rastreabilidade e responsabilidade ecológica na cadeia produtiva de alimentos como Alemanha, França e Holanda, a nova legislação brasileira é um sinal vermelho. Já há movimentos no Parlamento Europeu que discutem barreiras técnicas para produtos oriundos de países que desrespeitam princípios básicos de sustentabilidade. O Brasil, que já teve sua carne e soja embargadas por questões ambientais, pode voltar à lista de vilões do clima se continuar nessa direção.

A entrada da China como ator dominante na exploração mineral brasileira é outro ponto que expõe a fraqueza do Estado na defesa do meio ambiente. Diversas empresas chinesas, principalmente ligadas ao setor de mineração, têm intensificado sua atuação na Amazônia e no Cerrado, abrindo crateras e deixando rastros de destruição. Em estados como Pará, Maranhão e Mato Grosso, comunidades indígenas e quilombolas denunciam a atuação predatória de mineradoras que, com aval ou omissão do Estado brasileiro, atuam sem qualquer compromisso com a regeneração ambiental ou o bem-estar social. A busca por lítio, nióbio, ouro e terras raras, transforma o subsolo brasileiro em um novo “eldorado” para interesses estrangeiros, reproduzindo uma lógica colonial: extrai-se tudo, o lucro vai embora, e o que resta é a contaminação de rios, aumento de conflitos sociais e destruição irreversível da biodiversidade. Em nome do crescimento e da “soberania energética”, entrega-se o território ao saque legalizado.

O caso Marina Silva simboliza a crise da razão ambiental no Brasil. Enquanto os olhos internacionais voltam-se para nós com desconfiança, o governo se mostra incapaz de articular uma política ambiental coesa. Preferiu calar sua ministra em vez de ouvir a voz da prudência. Preferiu agradar aliados do agronegócio, do petróleo e da mineração a buscar equilíbrio entre progresso e preservação. Se o Brasil seguir nesse caminho, corre o risco de chegar à COP30 não como anfitrião de uma agenda verde, mas como réu no tribunal da história ambiental mundial. E Marina, por mais combativa que seja, não poderá evitar isso sozinha.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“O patrimônio natural é a base da nossa economia.”

Marina Silva

Foto: Rogério Cassimiro/ Divulgação

 

História de Brasília

A indústria nacional deve ter mais zelo na apresentação de suas publicações. No catálogo da Volkwagen brasileira há um clichê de cabeça para baixo. (Publicada em 06.05.1962)

Via sem retorno próximo

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Foto: ogritonews.com

Há episódios que condensam, num único gesto, o cansaço de uma população inteira. O caso do proprietário do restaurante Dom Léon na 112 sul, que reagiu a uma tentativa de invasão e matou o ladrão que avançava contra seu lar e sua esposa, tornou-se, em poucas horas, mais do que um crime noticiado: virou um símbolo. Esse e tantos outros mais atuais são símbolos de um esgotamento moral que atravessa todas as classes sociais, da indignação que já não se limita aos grupos de mensagens, mas transborda para as ruas digitais, onde milhares se manifestam em apoio ao comerciante que ousou fazer aquilo que o Estado, por inércia, recusa-se a fazer: defender. A polícia prende, o juiz solta.

Entre fotos de pratos e relatos da clientela, as redes sociais do Dom Léon transformaram-se num fórum improvisado, onde se deposita não apenas solidariedade, mas também uma acusação difusa contra os que terceirizaram a segurança pública ao improviso. O contraste é grotesco: quem trabalha, cria empregos e mantém a dignidade de portas abertas vê-se algemado e levado à delegacia, enquanto quem rouba, quando sobrevive, costuma voltar brevemente às ruas para cometer novos crimes, digno de piedade, com apoio de psicólogo do Estado e advogado pago pelo erário. A fiança de oitocentos reais paga pelo dono do restaurante não é só o preço burocrático da liberdade: é o recibo de uma inversão de valores que trata o trabalhador armado de coragem como se fosse o delinquente e o delinquente como se fosse o verdadeiro injustiçado. Não faltam oportunidades para melhorar de vida. Mas a lacuna educacional dificulta cada passo. Mais uma vez, apesar dos impostos, não há investimentos do capital humano.

Em casos onde os bandidos são surpreendidos, talvez o que mais venha a revoltar tantos brasileiros não seja apenas o crime em si, mas o que ele representa: a completa naturalização de uma rotina de medo. Não se trata mais de casos pontuais ou de violência episódica. Trata-se de um estado de sítio informal, uma resignação coletiva em que cada família se torna refém da estatística, sabendo que poderá ser a próxima. O restaurante, que deveria ser um lugar de convívio, sustento e partilha, converte-se em trincheira improvisada, cada comerciante num vigia relutante que paga impostos a um poder público que só aparece para multar, taxar ou condenar.

O episódio não se explica apenas pelo contexto imediato, mas por um processo mais longo e corrosivo. Durante anos, parte das autoridades preferiu minimizar a criminalidade, tratando o problema como uma “questão social”, passível de retórica e seminários. Enquanto isso, a população comum coleciona boletins de ocorrência, câmeras de vigilância, grades nas janelas e medo noturno. No fundo, a comoção que se viu não é apenas pelo dono do restaurante, mas pelo pressentimento de que todos poderíamos estar em seu lugar. A indignação, nesse sentido, não é apenas moral, mas existencial: o brasileiro médio percebeu que sua vida vale menos que o discurso oficial. São muitos os brasileiros que saem de casa para o trabalho sempre com a sensação que talvez não voltem.

São crimes em todo o DF onde a reação popular é imediata e quase unânime. Uma espécie de plebiscito informal: milhares de comentários nas redes sociais, do cidadão anônimo ao pequeno empresário, dizendo que não suportam mais o constrangimento de pedir licença para existir. O caso do Dom Léon deixa explícito que a sociedade civil tão difamada por quem insiste em vê-la como “massa ignorante” ainda conserva algo que o Estado perdeu: senso de justiça.

O episódio do Dom Léon não deveria ser tratado como exceção, mas como sintoma. Um sintoma de que chegamos ao ponto em que a paciência do cidadão comum, aquele que trabalha e paga todas as contas, esgotou-se. O apoio quase unânime que se viu é mais do que solidariedade. É um recado, um basta coletivo ao desamparo. É o aviso de que o povo cansou de ter vergonha de viver, de ter medo de existir.

Chama atenção que, entre as milhares de manifestações de solidariedade, muitos brasilienses tenham encontrado uma forma simples de se posicionar: prometem frequentar o Dom Léon, consumir seus pratos e manter acesa a chama que, por ora, o Estado parece empenhado em apagar. A clientela diz, em uníssono, que há gestos que transcendem o comércio e que ocupar uma mesa de restaurante pode se converter, silenciosamente, em um ato de desagravo. Cada visita planejada carrega algo maior do que o simples apreço pela gastronomia local: carrega o reconhecimento de que quem protege seu lar merece, ao menos, o benefício da dúvida — e, se possível, o calor discreto de uma casa cheia.

Tem havido algo de reconfortante nessa mobilização pacífica, nesse desejo quase instintivo de retribuir coragem com presença, dignidade com afeto econômico. Entre as linhas de cada comentário de apoio, há uma torcida muda para que o Dom Léon prospere, não apenas como restaurante, mas como lembrança viva de que a sociedade civil, por mais exausta que esteja, ainda sabe distinguir o justo do arbitrário. Se a omissão virou rotina e a covardia se fantasiou de protocolo, resta ao cidadão comum essa forma modesta de resistência: sentar-se à mesa, consumir com respeito e, sem alarde, afirmar que não desistimos por completo uns dos outros.

 

 

A frase que foi pronunciada:

Poder e violência são opostos; onde um reina absoluto, o outro está ausente. “A violência surge onde o poder está em perigo, mas, deixada à própria sorte, termina com o seu desaparecimento.”

Hannah Arendt

Hannah Arendt. Foto: brasil.elpais.com

 

História de Brasília:

O nome empregado na maioria dos golpes foi do servidor Barros de Carvalho, e os chantagistas conheciam tanto seus hábitos, que falando pelo telefone para sua residência, recomendavam com insistência para que quando fizessem a mala não esquecessem dos remédios. (Publicada em 06.05.1962)

A tábua de salvação do IOF

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O IOF é mais um imposto colocado nas costas dos cidadãos brasileiros. O governo conseguiu mais essa vitória ao recorrer ao STF para fazer valer o aumento nesse imposto, que é regulatório e não arrecadatório, como quer o Planalto. Em muitos países, esse tipo de imposto sequer existe, porque onera a produção como um todo e inibe investimentos. Esse é um ponto crucial da política tributária brasileira e levanta uma crítica legítima indiscutível: o uso indevido do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) como ferramenta arrecadatória, contrariando sua natureza original de instrumento regulatório.

Criado com a finalidade de regular a economia, o IOF atinge especialmente o mercado de crédito, câmbio, seguros e títulos. Em teoria, sua função é atuar como uma alavanca de política monetária, aumentando ou reduzindo custos de determinadas operações financeiras para conter ou estimular a atividade econômica, controlar a inflação, ou desincentivar a especulação. Não é, portanto, um imposto estruturalmente arrecadatório, como o IR ou o ICMS.

Nos últimos anos, porém, o IOF tem sido manipulado como uma válvula de escape fiscal, usada para elevar rapidamente a arrecadação diante de déficits públicos ou para cobrir rombos momentâneos no orçamento. Isso desvirtua sua essência e imputa um custo adicional injusto à população e às empresas, sobretudo as pequenas e médias, que dependem de crédito rotativo ou empréstimos para operar. Não se iludam: o aumento do IOF afeta diretamente o crédito pessoal e empresarial, elevando o custo final de financiamentos, empréstimos e operações de leasing; os cartões de crédito internacionais, que já têm taxas altíssimas de juros; o câmbio e investimentos estrangeiros, desestimulando a entrada de capital externo no país e os seguros, que encarecem custos logísticos e operacionais em vários setores.

Esses efeitos criam um ambiente hostil para o empreendedorismo e a inovação, e penalizam o consumo das famílias, que já convivem com carga tributária altíssima — mais de 33% do PIB. Em muitos países desenvolvidos, não há equivalente ao IOF. Ou, quando existe, não se presta ao papel de arrecadação, mas sim a regulações pontuais e temporárias. É o caso de países da OCDE, onde tributos são mais transparentes e previsíveis.

No Brasil, ao contrário, o IOF pode ser alterado por mera canetada do Executivo, o que causa insegurança jurídica. Acabar com o IOF tem sido uma das condições impostas pela OCDE para a entrada do país nesse bloco. Ao recorrer ao STF para manter o aumento do IOF, como tem feito seguidamente e com êxito, o governo desrespeita o espírito do imposto e contorna o debate legislativo, ferindo o princípio da legalidade tributária. É uma “vitória” institucional que, na prática, aumenta o peso sobre o cidadão comum e sufoca, mais uma vez, o setor produtivo, já tão penalizado nesse governo.

Como vem sendo usado e abusado, o IOF se tornou mais um imposto disfarçado, em uma estrutura já sobrecarregada de tributos. Seu uso indiscriminado demonstra o despreparo do governo em buscar soluções estruturais para o equilíbrio fiscal e reafirma a urgência de uma reforma tributária profunda, transparente e voltada à simplificação e à justiça fiscal.

Nesse sentido a tão esperada reforma tributária real, capaz de livrar o cidadão de uma das maiores cargas tributárias do planeta fica empurrada para um futuro distante e incerto. Especialistas em Direito Tributário como Luiz Bichara e Vanessa Canado (Insper) destacam que o IOF é um tributo extrafiscal, com natureza regulatória, mas que claramente foi usado para aumentar arrecadação e cobrir frustrações orçamentárias, o que configuraria desvio de finalidade e abuso do poder executivo.

Também os economistas Julio César Soares, Paula Pires e Bruna Fagundes ressaltam que o decreto ultrapassou a finalidade autorizada pela lei e pela Constituição, já que não houve justificativa regulatória, tornando-se uma manobra puramente arrecadatória. Economistas de mercado e acadêmicos, como é o caso de Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, afirma que usar o IOF para arrecadar “é um abuso de poder” que penaliza o crédito, especialmente de pequenas e médias empresas, e amplia desigualdades.

Também Felipe Salto (Warren Investimentos) aponta que o uso do IOF para arrecadar desvirtua sua função e deveria ser questionado judicialmente. Salto também destaca que a projeção de arrecadação crescente evidencia a mudança de propósito do imposto. Além disso, o  BTG Pactual alerta que o aumento do IOF tende a frear a economia ao elevar ainda mais o custo do crédito em um contexto de Selic alta (14,75%), ampliando os efeitos negativos sobre investimento e consumo.

O consenso geral aponta para a necessidade de ajustes estruturais através de reformas e racionalização dos gastos públicos, em vez de medidas transitórias que sobrecarregam o cidadão comum e, impreterivelmente acabam nos tribunais.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Neste mundo nada pode ser considerado certo, exceto a morte e os impostos.”

Benjamin Franklin

Benjamin Franklin. Imagem: Joseph Siffrein Duplessis, en.wikipedia.org

 

História de Brasília

Concluídos os prédios dos supermercados, é preciso não esquecer de que êles devem ser entregues ao público em pleno funcionamento, e que já estão fazendo falta. (Publicado em 06.05.1962)

Muros e pontes

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Congresso Nacional. Foto: EBC

 

Fazer política é construir pontes e não dinamitar. Com base nessa ideia simples, entende-se que quem não faz acordo político acaba por implodir as pontes. Mesmo que não queira. E é aí que entra o elemento para salvar a própria contradição da política, que é a ética pública na política. Fazer política, em sua essência mais nobre, é a arte de construir pontes entre ideias, entre setores da sociedade, entre gerações e entre realidades distintas. Infelizmente, no Brasil contemporâneo, essa missão tem sido sistematicamente abandonada em nome de uma lógica de confronto contínuo, que não apenas paralisa a ação pública como dissolve a própria ideia de nação em uma espessa e estéril gosma ideológica.

No lugar do diálogo, tem-se privilegiado o embate. Em vez da negociação responsável, a retórica inflamada. Em vez da busca por soluções reais, o cálculo eleitoral imediato. O resultado é visível em todas as esferas da vida pública: políticas travadas, reformas inacabadas, projetos abandonados e uma população cada vez mais cética e desamparada. Não faltam exemplos. A condução da pandemia da Covid-19 revelou o quão letal pode ser o colapso das pontes institucionais entre ciência, governo e sociedade. O caso da vacina Covaxin, envolvendo suspeitas de corrupção na negociação de imunizantes, expôs um Estado mais preocupado com interesses obscuros do que com a saúde pública. Enquanto o país registrava recordes de mortes, a política seguia em guerra consigo mesma — e com os fatos.

Da mesma forma, a reforma tributária, debatida há décadas, é constantemente bloqueada por disputas federativas e jogos de poder que colocam o cálculo eleitoral acima da racionalidade econômica. Cada grupo protege seu feudo, cada bancada defende seu privilégio. Na área da educação, assistimos a um processo ainda mais degradante: escolas e universidades sendo transformadas em arenas de uma ideia só. Sem investir na formação crítica e científica, o país mergulha em debates moralistas, muitas vezes irrelevantes, que apenas servem para perpetuar a polarização.

Enquanto o mundo se prepara para a era da inteligência artificial e da economia verde, o Brasil insiste em discutir se o professor é inimigo da pátria. A política nacional parece aprisionada num eterno “nós contra eles”, que sufoca o bom senso e criminaliza o dissenso. É um ambiente tóxico, onde adversários são tratados como inimigos e qualquer tentativa de mediação é vista como traição.

O fenômeno das emendas do orçamento secreto, revelado em 2021, ilustra bem esse ambiente: bilhões de reais distribuídos em troca de apoio político, fora dos critérios técnicos e éticos mínimos que se exigem numa democracia funcional. Compromisso concreto com a transparência, a responsabilidade e o interesse coletivo é o que se espera nos nossos representantes. Pois a ética pública é o que impede que o poder se transforme em instrumento de abuso e a política em mero teatro de manipulações.

Passa da hora de o Brasil reencontrar o caminho do equilíbrio. Uma espécie de aggiornamento. Isso exige coragem para o diálogo, disposição para o acordo e maturidade para entender que a política vai além da guerra, na busca pela convivência. Os países que prosperaram nas últimas décadas em desenvolvimento humano, inovação, justiça social foram justamente aqueles que souberam construir pontes necessárias para unir a população. Seguir dinamitando essas pontes é escolher o atraso. E, pior, é condenar as futuras gerações a viverem num país permanentemente paralisado por suas próprias contradições.

Esse é o momento para deixar para trás a gosma ideológica e ingressar no mundo civilizado, antes que esse venha a ser interrompido por algo como o choque de um grande e devastador meteoro que pode estar se aproximando.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Se você for bem-sucedido, alguém ao longo da linha lhe deu alguma ajuda … Alguém ajudou a criar esse sistema americano inacreditável que temos e que permitiu que você prosperasse. Alguém investiu em estradas e pontes. Se você tem um negócio – você não o construiu. Alguém fez isso acontecer.”

Barack Obama

Barack Obama. Foto: washingtonpost.com

 

Ouvido miúdo

No cafezinho da Câmara, um recém chegado de Dublin perguntou, completamente atordoado com as notícias: “Que tarifaço é esse? Imposto de Renda, o IOF ou o imposto por Trump?” A resposta foi mais comprida, mas só deu para ouvir: “todos”.

Charge do Fraga (Gaúcha/Zero Hora)

 

História de Brasília

Como em Brasília todo o mundo viaja, um grupo de chantagistas resolveu criar o conto da mala feita. Na história de descontar “um cheque que eu vou viajar agora”. Várias autoridades e um banco caíram no conto com duzentos mil cruzeiros. (Publicada em 06.05.1962)

O Brics e suas consequências para o Brasil

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Foto: Alexandre Brum/BRICS Brasil

 

Líderes e chanceleres de países que compõem o BRICS se reuniram no Rio de Janeiro, para discutir temas como a governança global, combate à pobreza, inteligência artificial e mudanças climáticas. O que, à primeira vista, pareceria mais uma reunião de trabalho desse grupo, acabou por se transformar num evento, que, embora esvaziado das principais lideranças do bloco (Rússia e China), trouxe repercussões concretas para o Brasil.

A tal da governança global, que em miúdos significa acabar com o predomínio do dólar nas transações internacionais, substituindo-o, talvez, pelo rublo ou pelo Yuan, serviu como uma espécie de gota d´água para entornar de vez as relações entre os Estados Unidos e o Brasil. Essa história de fortalecer a cooperação global para uma governança mais inclusiva e sustentável não esconde o desejo desse bloco de minar a influência econômica americana no mundo, uma estratégia levada muito a sério pelo eixo Moscou-Pequim. O Brasil entra nessa manobra como um país geograficamente situado no continente americano e que pode, num futuro próximo, servir de ponte para o avanço dessas lideranças do outro lado do mundo, rumo aos EUA. A questão é derrotar os EUA a partir do seu próprio quintal.

Para analistas isentos, o Brasil nada tem a aprender com esse bloco que reúne as maiores ditaduras do planeta. A ausência dos principais líderes de Rússia e China não esvaziou o simbolismo do encontro, tampouco seus desdobramentos concretos para o Brasil. Ao contrário, mesmo sem o protagonismo de Xi Jinping ou de Vladimir Putin, a pauta apresentada deixou claro que o bloco segue coeso em seu objetivo central: reformular a ordem internacional com menos influência do Ocidente — leia-se, especialmente, dos Estados Unidos. O discurso sobre “governança global inclusiva” soa, à primeira vista, como um apelo por justiça econômica e multilateralismo.

No entanto, essa retórica esconde uma estratégia de longo prazo de Moscou e Pequim para minar os pilares do sistema financeiro internacional liderado por Washington desde Bretton Woods. A proposta de comércio bilateral em moedas locais e o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (o “banco do BRICS”) são peças fundamentais desse xadrez geopolítico. A participação brasileira nesse projeto é ambígua e delicada. Geograficamente situado no hemisfério ocidental e ainda fortemente dependente do comércio com os EUA e a União Europeia, o Brasil busca, nos BRICS, alternativas para diversificar suas relações comerciais e financeiras. No entanto, ao se aproximar de regimes autoritários com agendas antagônicas aos interesses americanos, o país se expõe a represálias econômicas e políticas — como ficou evidente com a resposta rápida do ex-presidente Donald Trump, que anunciou tarifas sobre produtos brasileiros em setores-chave, como o aço, o alumínio e produtos agrícolas. Trata-se de um gesto típico do trumpismo: unilateral, protecionista e de forte valor simbólico. A imposição de tarifas que, segundo fontes ligadas ao Departamento de Comércio dos EUA, foram justificadas por “práticas comerciais desleais” e “riscos à segurança nacional”, é, na verdade, uma retaliação política travestida de preocupação econômica. Mesmo tendo imposto taxas maiores a vários países, a medida acende um alerta vermelho sobre os custos geopolíticos de certas alianças ideológicas — especialmente quando estas desafiam o poder hegemônico dos EUA a partir de seu próprio continente.

O Brasil se vê, portanto, diante de um paradoxo: buscar protagonismo internacional por meio de uma coalizão revisionista (BRICS), enquanto tenta manter relações pragmáticas com o Ocidente, que ainda responde pela maior parte dos investimentos e acesso a tecnologias de ponta. Esse jogo duplo exige habilidade diplomática rara — algo que nem sempre está disponível em governos ideologicamente engajados. Não é por outra razão que se aponta que o Brasil não tem nada a aprender com regimes como o da Rússia, da China, do Irã ou da Etiópia no que diz respeito a democracia, liberdades civis ou transparência institucional. A aproximação excessiva com esses países pode corroer a imagem internacional do Brasil como uma democracia emergente e dificultar parcerias com países democráticos, sobretudo em temas sensíveis como direitos humanos, meio ambiente e cooperação tecnológica.

Portanto vale concluir que a reunião do BRICS no Rio escancarou a encruzilhada geopolítica em que o Brasil se encontra: ou atua como peça de manobra num tabuleiro desenhado por potências autoritárias, ou reafirma seu compromisso com uma ordem internacional baseada em regras, mesmo que desequilibradas. A retaliação americana é só o primeiro sinal de que o preço da ambiguidade estratégica pode ser alto e imediato. Geografia é destino, já ensinavam os antigos estrategistas. Ignorar essa realidade pode custar mais do que qualquer vantagem simbólica no cenário internacional. A atual imposição de tarifas pelo governo americano soa, assim, como uma espécie de primeiro aviso. O que pode vir a seguir, depende mais da expertise política e diplomática do que arroubos ideológicos e discursos ultrapassados e sem sentido atual.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Eu respeito a eleição do presidente Trump, que foi eleito pelo povo americano para governar os Estados Unidos”, mas “ele não foi eleito para governar o mundo”.

Lula

 

História de Brasília

Muito boa, a providência de faixas de travessia das pistas em toda a zona movimentada da cidade. É pareciso agora, que os pais em casa expliquem às crianças que só devem atravessar  nessas faixas. (Publicada em 06.05.1962)