Wilson Batista

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Enquanto o mundo explode, crio um instante de pausa humanitária: escuto o álbum duplo Eu sou assim, de Wilson Batista, gravado pelo selo Sesc. A maior atração do disco é a voz do próprio Wilson em oito faixas, com arranjos atualizados, proporcionados pelas novas tecnologias de remasterização.

Wilson ficou célebre ao travar um duelo poético-musical com Noel Rosa, mas ele era muito mais do que um vilão de uma polêmica. Na década de 1970, Paulinho da Viola afirmou que Wilson Batista era o maior sambista de todos os tempos. Trata-se de um duelo de titãs, mas, no mínimo, integra a primeira constelação desse time, ao lado de Nelson Cavaquinho, Cartola e Geraldo Pereira. Wilson é autor de alguns dos sambas mais memoráveis do gênero.

Ele é um craque no registro dramático, lírico, filosófico, romântico ou cômico. No álbum do Sesc, Wilson eterniza os versos em feitio de oração de Eu sou assim: “Eu sou assim/Quem quiser gostar de mim/Eu sou assim/Tenho pena daqueles/Que se agacham até o chão/Por dinheiro ou posição/Nunca tomei parte desse enorme batalhão/Pois sei que além de flores/Nada mais vai no caixão”.

Ainda no registro dramático, considero a canção Louco uma pequena obra-prima. Wilson inventa melodias belíssimas para letras pungentes, de grande poder de condensação poética, em narrativas cinematográficas: “Louco, pelas ruas ele andava/O coitado chorava/Parecia um vagabundo/Louco, para ele, a vida não valia nada/Para ele a mulher amada/Era seu mundo”.

Wilson não foi o criador, mas fixou o samba de breque, com Etelvina, que evoca o sonho de riqueza de um desvalido, com muita verve. Mas, na linha jocosa, uma das minhas preferidas é Esta noite eu tive um sonho, em gravação de João Nogueira. É impressionante a capacidade de síntese de Wilson ao narrar as peripécias da viagem surreal de um sambista a Berlim: “Cheguei em Berlim/Entrei num botequim/Pedi pão e manteiga para mim/O garçom respondeu/Não pode ser não…”

Na sequência, em ritmo de samba de breque, o sambista brasileiro dá o troco: “Fiquei furioso/E fui hablar ao patrão/Que me respondeu/Com sete pedras na mão…” Ao fim, o nosso personagem descobre que estava dentro de um sonho: “Salsicha à noite/Não faz boa digestão/Eu tive um sonho em alemão”.

Em 1940, o DIP de Getúlio Vargas promoveu um concurso de música popular para combater o mito da malandragem no samba. No júri, estavam Villa-Lobos e Pixinguinha, entre outros. Ganhou Oh, seu Oscar, de Wilson Batista, que, aparentemente, fazia a apologia do homem trabalhador e ordeiro. Só que, na gíria dos bastidores da malandragem, Seu Oscar era sinônimo de otário.

O samba narrava a história de uma mulher que abandona o marido e deixa um recado: “O bilhete assim dizia/: ‘não quero mais, eu quero é viver na orgia”. Mesmo com todas as dissimulações, a canção passou a mensagem de que era uma apologia da traição.

Por isso, Wilson voltou ao tema para se explicar em A mulher do seu Oscar: “Quando eu dizia:/’vou-me embora pra orgia’/era pro samba/sem segunda intenção/orgia de luz/de riso e de alegria/minha gente/parei!/fui condenada injustamente”. Como se vê, Wilson fez sambas modernos e eternos, com muita picardia.

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