Severino Francisco
A decisão de retomar as aulas nas escolas particulares e públicas deveria preocupar a todos em razão das graves consequências que pode acarretar. Estamos na fase do normal fake, em que não existe mais pandemia.
Como se não bastasse a precipitação, o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro (Sinepe) veiculou, no início da semana, um vídeo em que nega completamente a medida de isolamento recomendada pela ciência para o combate ao coronavírus: “Ficar em casa não é ciência”.
Claro que é preciso buscar soluções para a crise das escolas particulares. A falência das instituições provoca a demissão de muitos professores. Mas não é com o negacionismo ou com a insciência, pois desinformam, confundem e tumultuam ainda mais o ambiente.
A afirmação propagada no vídeo é rigorosamente falsa. E, além de falsa, é perigosa, coloca em risco a vida de milhares de pessoas. Pesquisa coordenada pelo Centro Conjunto Brasil-Reino Unido Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemologia de Arbovírus (Cadde), publicada na revista Science, avalia que, se não fosse o isolamento social, o Brasil teria quase o dobro de infectados.
Que os governantes revelem desconhecimento em questão tão delicada é grave. Mas que uma postura negacionista venha da parte dos responsáveis pela educação de crianças e adolescentes é algo que causa constrangimento. E tanto assim é que, ante a repercussão negativa, o Sinepe resolveu retirar o vídeo de circulação.
Não é só o cuidado com os alunos e as medidas de distanciamento nas escolas que garantem a segurança da volta. Com o retorno às aulas, funcionários, alunos e professores tomarão ônibus, muitas vezes lotados. Isso contribuirá para elevar a taxa de contaminação e de óbitos.
Segundo pesquisa da Fiocruz, a volta às aulas representa o risco para cerca de 9,3 milhões de brasileiros, perfazendo 4,4% da população, formada por idosos ou adultos com problemas crônicos de saúde. Eles vivem na mesma casa que crianças e adolescentes em idade escolar.
Ante todas essas evidências desfavoráveis, eu gostaria de entender o fundamento da determinação de retomar as aulas presenciais nas escolas do DF. O mapa dos casos de contaminação e de óbitos está em um platô, mas no nível alto; os que foram contaminados têm dificuldade em encontrar vagas nas UTIs especializadas nos hospitais com a presteza necessária para fazer o tratamento; algumas cidades, como é o caso de Planaltina, sequer dispõem de leitos de UTI com respiradouros; está difícil fazer testes, o que induz a uma avaliação falsa da situação real.
O Conselho de Saúde do DF, a Sociedade de Pediatria do DF e os infectologistas desaconselham a volta às aulas nestas circunstâncias. É algo que afetará crianças, adolescentes, professores, doentes crônicos e idosos. De nada adiantará o esforço de isolamento social se o vírus será trazido para dentro de casa. Espero que essa medida desrrazoada seja revertida em defesa da vida de muitas pessoas.