Vital Farias

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

O paraibano Vital Farias, que nos deixou nesta semana, é uma das trilhas sonoras da minha vida. Ao menos duas canções de sua autoria, Veja (Margarida) e Aí que saudade d’ocê tocaram e tocam no coração. A primeira é uma despedida amorosa, dramática e triste.

Elba Ramalho a gravou em 1982, mas, na verdade, a composição é de 1978, tempo de grandes esperanças, mas ainda assombrado pelos fantasmas do regime de exceção. Aqueles mais de 20 anos de cerceamentos, embates e resistência deixaram marcas. E a canção parece tocar nessas feridas ao evocar a encruzilhada de um relacionamento amoroso que se finda marcado pela incerteza.

É uma experiência triste, mas iluminada pela poesia: “Veja, meu bem/Arco-íris já mudou de cor/ Uma rosa nunca mais desabrochou/E eu não quero ver você/Veja, meu bem, gasolina vai subir de preço/Eu não quero mais seu endereço/Ou é o começo do fim ou é o fim”.

Os últimos versos são ainda mais pungentes porque falam sobre uma despedida que tenta se agarrar ao alvo do seu amor de maneira desesperada, mas ainda com um fio de esperança desencantada e enigmática. “Eu vou partir pra cidade garantida, proibida/Arranjar meio de vida, Margarida/Pra você gostar de mim./Essas feridas da vida, Margarida/Essas feridas da vida, amarga vida/Pra você gostar de mim”.

É uma canção lindamente triste. Há experiências que são tão etéreas, evanescentes, tão impalpáveis e, no entanto, tão verdadeiras. E esse é o caso dessa canção para mim, que, sem premeditar, ao falar de um desenlace amoroso expressa o espírito de um tempo da passagem da ditadura para a redemocratização permeado de nuances dramáticas.

Já Aí que saudade d’ocê, a segunda canção que me tocou é uma declaração de amor em forma de baião. Eu ficava intrigado com a expressão “d’ocê” na composição de um paraibano arretado de Taperoá. Mas, em entrevista, Vital Farias esclareceu que fez a canção para uma namorada mineira.

Vivia um período de muitos shows, sobrava pouco tempo para vê-la e, quando chegava, ela dizia: “Estava com muita saudade d’ocê”. Eis como uma expressão tão singularmente mineira entrou na bela canção de um menestrel paraibano. É um baião romântico à altura das parcerias de Luiz Gonzaga com Humberto Teixeira.

Os versos de um lirismo de primeira linha que poderiam ser, tranquilamente, assinados por Manuel Bandeira, com muita honra: “Não se admire se um dia um beija-flor invadir/A porta da tua casa, te der um beijo e partir/A porta da tua casa, te der um beijo e partir/Fui eu que mandei o beijo/Que é pra matar meu desejo/Faz tempo que eu não te vejo/Ai que saudade d’ocê”

Estou com o Climério: gosto de canção com poesia, de preferência com um encarte para ler, enquanto ouço a música. A geração pós-tropicalista de Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Belchior, Fagner, Alceu Valença, Vital Farias, Elba Ramalho, Clodo, Climério e Clésio ainda precisa ser mais valorizada na história da música popular brasileira: “E se quiser recordar aquele nosso namoro/Quando eu ia viajar, você caía no choro/Eu chorando pela estrada, mas o que eu posso fazer?/Trabalhar é minha sina/Eu gosto mesmo é d’ocê.”

Em todas as gerações nascem pessoas talentosas, mas a diferença é a educação, a cultura e a ilustração. Sem nenhuma nostalgia, eu acho que faltam esses ingredientes em boa parte da produção musical da atualidade. Se eles fossem cultivados, surgiriam novos Vitais Farias:”E se quiser recordar aquele nosso namoro/Quando eu ia viajar, você caía no choro/Eu chorando pela estrada, mas o que eu posso fazer?/Trabalhar é minha sina/Eu gosto mesmo é d’ocê”.

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