Uma noite memorável

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

 

Estou até agora em estado de choque pela recepção calorosa ao livro A profissão do sonho – Clodo, Climério e Clésio, escrito por mim a partir de pesquisa de Dea Barbosa, lançado na noite de terça-feira, no Beirute. Cheguei 10 minutos atrasado e comecei a cumprimentar pessoas que deram depoimento para o livro. Mas, de repente, fui sequestrado por uma  loiraça misteriosa, que me puxou pelo braço, rumo à uma mesa do Beiras cheia de livros: “Vim com a missão de te carregar”, esclareceu, acelerando o passo e me arrastando.

Logo entendi o motivo da aflição, ela me conduziu de encontro a uma fila quilométrica com livros nas mãos à cata de autógrafos. “Quem é essa loiraça com estampa de atriz de filme de agente secreto que me sequestrou?”, perguntei. E responderam-me: “É Valéria Colela, ex-diretora do Canecão, do Rio de Janeiro.” Ela é fã de Clodo, Climério e Clésio e veio a Brasília só para o lançamento do livro.

Uma das funcionárias da casa me disse que nunca viu tanta gente no Beirute.  Não foi a primeira vez que autografei um livro. Uma colega de redação  esperou uma hora e meia na fila, comeu quibe, tomou cerveja e fez amigos. Enquanto isso, um vendedor de redes passou anunciando o produto. Saíam fãs dos irmãos Ferreira de todos os lados. E também ex-alunos de Clodo, Climério e Clésio. A fila não acabava. Autografei tantos livros que tive de fazer fisioterapia.

E eis que aconteceu um dos momentos mais lindos da história do Beirute. Todos esperavam pela presença de Climério e o nosso poeta fez um suspense de matar o Hitchcock, diria Moreira da Silva. No entanto, finalmente, aportou ao Beiras. Quando ele chegou, sem que ninguém tivesse combinado nada, o Beirute ficou de pé e aplaudiu o poeta.

Contei para uma amiga e ela disse: “Ainda bem que não fui, pois teria caído no choro”. Só um poeta de aguda consciência humanista poderia escrever esses versos: “Eu não sei matar, só sei morrer”. Climério também teve de entrar na maratona de autógrafos, de nada adiantou argumentar: “Mas eu não sou autor, sou apenas vítima da biografia”.

Embora me multiplique por diversas funções e ofícios para sobreviver, eu me considero, fundamentalmente, um jornalista cultural. E, como se sabe, jornalista cultural não ganha Prêmio Esso; ganha Prêmio Osso. Quer dizer, é agraciado com mais trabalho. Foi essa a sensação que tive quando Athos Bulcão me convidou para escrever a biografia dele.

A Fundação havia preparado um livro para homenageá-lo, mostraram ao mestre, ele gostou muito, no entanto, fez o seguinte pedido: “Está muito bom, mas eu gostaria que tivesse uma biografia minha escrita pelo Severino Francisco”.

De forma semelhante, senti-me honrado quando, ao recusar o convite para escrever a biografia de Clodo, Climério e Clésio, a jornalista e produtora Dea Barbosa me contra-argumentou que a indicação havia partido de Clodo Ferreira. Neste momento, o convite tornou-se um ultimato irrecusável. Mas também um desafio que me fez tremer embaixo dos pés. De modo que já acumulo dois prêmios Ossos.

Escrevi esse livro para mostrar que os irmãos Ferreira não são apenas os autores de Revelação, Enquanto engoma a calça ou Ave coração. Eu criei um método de avaliação particular da relevância de um compositor para a história da música popular brasileira. É o seguinte: se eu conseguir fazer uma set list de 20 canções ou mais, ele merece figurar em destaque no ranking dos melhores. E os irmãos Ferreira alcançaram esse status.

Eu sugiro que, durante a leitura, os leitores ouçam as canções mencionadas, pois chegarão, facilmente, a essa constatação da qualidade das criações da trinca piauiense. Gostaria que o livro sobre Clodo, Climério e Clésio despertasse a consciência do pertencimento. Quis contar uma história para que, ao ler, os brasilienses percebessem que fazem parte dessa história. E isso aconteceu. A cidade abraçou os irmãos Ferreira. Só tinha gente bacana, elegante e gentil. Foi uma noite memorável. Segundo informações sigilosas, quase faltou quibe no Beirute.

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